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Isenção do imposto de renda para portadores de moléstia grave que se encontram em atividade

O Imposto de Renda da pessoa física incide sobre os proventos de contribuintes, residentes no país ou residentes no exterior, que recebam rendimentos de fontes no Brasil.

22/6/2020

A lei 7.713/88, em sua literalidade, não estendeu o benefício da isenção do imposto de renda para portadores de moléstia grave que se encontram em atividade. Porém, com o tema repetitivo 1.037, o STJ pode mudar o seu posicionamento e acertadamente considerar como beneficiários as pessoas em atividade.

Como sabemos, o Imposto de Renda da pessoa física incide sobre os proventos de contribuintes, residentes no país ou residentes no exterior, que recebam rendimentos de fontes no Brasil. A lei 7.713/88, em seu artigo 6º, por sua vez, prevê alguns casos de isenção do imposto, dentre eles os proventos de aposentadoria percebidos pelos portadores de moléstias graves, à exemplo de neoplasia maligna, cardiopatia grave e tuberculose ativa, previsão contida no inciso XIV1 da mencionada lei.

Uma discussão atual sobre essa questão diz respeito à possibilidade da isenção englobar também os rendimentos dos portadores de moléstia grave que permanecem em atividade, e não apenas os proventos da aposentadoria.

Há quem defenda que, para aqueles que permanecem exercendo as suas atividades laborativas, não haveria a isenção, pela aplicação do princípio da literalidade (artigo 111 do CTN2), ao argumento de que as normas de isenção devem ser interpretadas restritivamente, não sendo possível alargar o benefício da isenção.

O TRF da 4ª Região possui julgados nesse sentido (p. ex. 5031706-97.2019.4.04.0000), na qual afirmou que “os valores recebidos a título de salário não foram contemplados pelo legislador como hipótese a autorizar a isenção de imposto de renda em razão de moléstia grave.”

De igual modo, existem diversos julgados no STJ, como o REsp 1.726.720/PE, entendendo que “não se pode alargar a interpretação do dispositivo pra alcançar a remuneração dos trabalhadores que ainda estão na ativa.”

Atualmente, o STJ entende – majoritariamente – pela não extensão da isenção do Imposto de Renda à remuneração da atividade dos portadores de moléstia grave.

Todavia, a corrente oposta vem ganhando espaço, ao defender que o legislador, ao criar a referida isenção, objetivou aliviar os encargos financeiros relativos ao tratamento médico daqueles portadores de moléstias graves, que são igualmente suportados por aqueles que estão na ativa.

A base de tal corrente é o princípio da isonomia (art. 5º, CF3) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, CF4), não havendo razão para tratamento diferente entre pessoas aposentadas ou em atividade, se ambas são portadoras de moléstia grave.

Vale destacar, que o princípio da isonomia é citado, inclusive, na exposição de motivos da lei 7.713/88, trazendo a interpretação de que:

“o princípio da isonomia fiscal tem o seu destaque ao ser enunciada a vedação do tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos.”5

Vale destacar que os defensores dessa corrente trazem ainda um argumento histórico relevante, qual seja, de que ao tempo da edição da lei 7.713/88, os portadores de moléstia grave – quase na sua totalidade – se viam obrigados a passar para a inatividade, diante da pouca opção de tratamento eficaz que permitisse o trabalho.

Entretanto, com os avanços da Medicina, atualmente são cada vez mais comuns os casos de as pessoas acometidas por moléstias graves que conseguem manter-se no exercício de suas atividades profissionais, apesar dos tratamentos ainda terem custos elevados.

Assim, a isenção do Imposto de Renda sobre os proventos daqueles em atividade mantém a “ratio legis”, que é a existência de moléstia grave em si (e o alívio financeiro para cobrir os custos do tratamento) e não o fato de a pessoa estar em atividade ou não.

A jurisprudência mais recente tem acatado, valendo citar, do TRF da 1ª região, o processo 0059748-55.2015.4.01.3400/DF, na qual se destacou ser “inimaginável crer em contribuinte que, para fins tributários, se possa separar em "sadio para fins de rendimentos ativos" e, simultaneamente, "doente quanto a proventos": não se pode conceber tal monstruosidade, que atenta contra a própria gênese do conceito holístico de saúde integral, que envolve o direito à vida, à consciência, à crença, à honra, à imagem, à intimidade, itens que não se podem fictamente seccionar.”

Assim, no referido caso, a decisão foi de que aqueles acometidos de doença grave e que possuam capacidade de labor deveriam ter o mesmo tratamento daqueles que perderam a capacidade laborativa, pois do contrário, (manter a incidência do tributo sobre o salário), estar-se-ia instituindo “a figura bizarra do contribuinte “meio-portador de moléstia grave” ou o instituto bisonho dos “salários que não são rendimentos”.

De igual modo foi a decisão do TRF-1 (processo nº 0006591-17.2008.4.01.3400), ao destacar que em se tratando de benefício fiscal que visa gerar “maior capacidade financeira para suportar o custo elevado do tratamento permanente enquanto padecer da moléstia, a sua concessão é devida, tanto na atividade como na inatividade, tendo em vista que, em ambas as hipóteses, o sacrifício é o mesmo, prestigiando-se, assim, os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana”.

O TRF da 5ª região, da mesma forma, vem entendendo pela isenção para os portadores de doença grave que se encontram ativos, valendo citar o processo nº 200984000081030, na qual se pontuou que  “igualmente ao servidor inativo, o que ainda persiste no serviço público, caso venha a ser acometido de qualquer das enfermidades previstas no art. , XIV, da lei 7.713/88, terá, forçosamente, de enfrentar o oneroso custeio com o necessário tratamento”.

O próprio STJ, em esparsos casos, tem evoluído em seu posicionamento anterior, para aplicar a isenção do Imposto de Renda para os proventos de portadores de moléstia grave, quando ainda na ativa.

Exemplo disso é o REsp 1.771.402/MG, na qual se entendeu que há necessidade de se adequar a norma à promoção da efetiva justiça social e da proteção da dignidade da pessoa humana, visto que aqueles que permanecem ativos e acometidos de doença grave também possuem o direito de obter melhores condições financeiras para custear tratamentos e preservar a sua saúde.

Diante dessa controvérsia, e para pacificar a questão, o STJ recentemente afetou dois casos à sistemática dos Recursos Repetitivos (REsp 1.814.919/DF e REsp 1.836.091/PI, ambos de relatoria do min. Og Fernandes) – tema 1.037.

O STJ vai definir, portanto, se a isenção do Imposto de Renda para o portador de moléstia grave aposentado pode se estender para aquele ainda na atividade. E existe a real possibilidade de que o STJ – acertadamente – altere seu posicionamento e passe a considerar que os portadores de moléstia grave em atividade igualmente são beneficiários da isenção do artigo 6º, XIV da lei 7.713/88.

Acreditamos que o fim social do artigo 6º, XIV, da lei 7.713/88 objetiva dar melhores condições financeiras para os portadores de moléstia grave custearem seus tratamentos mediante um benefício fiscal, estejam eles na inatividade ou ainda trabalhando.

Em nosso sentir, a norma apenas não previu expressamente essa hipótese de isenção (para os portadores de doença grave em atividade) porque essa não era a realidade da época. A lei 7.713 foi editada em 1988, quando a regra era que o portador de moléstia grave se aposentava imediatamente, pois pelos tratamentos da época, praticamente não era possível continuar trabalhando, diferentemente do que ocorre nos dias atuais.

Assim, visando a norma dar melhores condições financeiras ao portador de doença grave para custear os caros tratamentos, não há razões para se distinguir entre ativos ou aposentados, devendo ser privilegiado o princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana, com a consequente interpretação extensiva da norma às hipóteses fáticas não contempladas pela letra da lei, mas nela incluídas pela exegese da norma, a fim de se atingir o seu objetivo e a sua função social.

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1 XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;         

2 Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: Interpretação literal é aquela em que não cabe ao intérprete qualquer margem de discricionariedade ou mesmo elasticidade na aplicação da norma.

3 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição

4 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;

5 BRASIL, Exposição de motivos da lei 7.713/88. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 06 de junho de 2020.

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*Amanda Resende Costa é advogada no escritório Petrarca Advogados.

*Thaís Gladys Burnett é advogada no escritório Petrarca Advogados.

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