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As alterações no regramento da guia de utilização promovidas pela a resolução 37/20 da ANM

No Diário Oficial da União (DOU) do dia 08 de junho de 2020 foi publicada a resolução 37/20 da ANM, que altera os artigos 102 ao 122 da portaria 155/16 do DNPM, os quais disciplinam a GU.

15/6/2020

Prevista no parágrafo segundo do artigo 22 do Código de Minas (decreto-lei 227/67) e no artigo 24 de seu regulamento (decreto 9.406/18) – embora sem essa denominação específica –, a Guia de Utilização (GU) é uma autorização extraordinária de explotação de substâncias minerais, em área titulada, antes da concessão de lavra. Seu propósito inicial era o de viabilizar a realização de testes de aplicação e de comercialização do material extraído; mas ante a dificuldade do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e, posteriormente, da Agência Nacional de Mineração (ANM) de processar todos os requerimentos de lavra em tempo que atendesse às necessidades do setor, consagrou-se como uma forma de permitir ao minerador aguardar esse prazo extraindo uma quantidade mínima da substância.

No Diário Oficial da União (DOU) do dia 08 de junho de 2020 foi publicada a resolução 37/20 da ANM, que altera os artigos 102 ao 122 da portaria 155/16 do DNPM, os quais disciplinam a GU.

Inicialmente, salta aos olhos o fato de uma portaria ter sido modificada por uma resolução. Tal alteração se justifica pelo fato de o DNPM, extinto pela lei 13.575/17, ser uma autarquia e, portanto, comunicar-se externamente por meio de portarias exaradas pelo seu diretor-geral; ao passo que a ANM é uma agência, dirigida, portanto, por uma diretoria colegiada, que, assim, exara resoluções, atos administrativos-normativos próprios dos órgãos colegiados.

No que se refere às principais alterações promovidas pela resolução 37/20, tem-se que a redação original do § 2° do artigo 102 da portaria 155/16 mencionava que políticas públicas deveriam ser observadas quando da análise do requerimento da GU, mas atribuía ao diretor-geral do DNPM a obrigação de indicar quais seriam tais políticas. Na prática, portanto, considerada a ausência de manifestação oficial nesse sentido, o dispositivo sempre foi considerado letra morta, e as GU nunca se subordinaram a qualquer política mineral.

A resolução 37/20 alterou o § 2° do artigo 102 da portaria 155/16 para especificar as políticas públicas cuja observância é necessária no ato de análise do pedido de GU, e, assim, passou a exigir que a área solicitada: (I) esteja em situação de formalização da atividade e fortalecimento das micro e pequenas empresas, de acordo com os objetivos estratégicos do Plano Nacional de Mineração – 2030; (II) vise à promoção do desenvolvimento da pequena e média mineração por meio de ações de extensionismo mineral, formalização, cooperativismo e arranjos produtivos locais; (III) destine-se à pesquisa dos minerais estratégicos (abundantes, carentes e portadores de futuro) de acordo com os objetivos do Plano Nacional de Mineração – 2030; (IV) busque a garantia da oferta de insumos para obras civis de infraestrutura, para o desenvolvimento agrícola e da construção civil; (V) possua investimentos em setores relevantes para a balança comercial brasileira, contendo substâncias necessárias ao desenvolvimento local e regional; ou (VI) relacione-se a projetos que promovam a diversificação da pauta de exportação brasileira e o fortalecimento de médias empresas visando à conquista do mercado internacional e contribuindo para o superávit da balança comercial.

Vê-se, pois, que a ANM criou condições para a emissão da GU associadas, sobretudo, à política mineral inaugurada pelo Plano Nacional de Mineração – 2030 e às estratégias comerciais do governo. Nessa toada, caso a ANM esteja efetivamente comprometida com as regras estabelecidas para a apreciação dos requerimentos de GU, o minerador deverá, em seu pedido, apontar em que aspecto(s) o seu requerimento se coaduna com um dos seis itens da nova redação do § 2° do artigo 102 da portaria 155/16, sob pena de indeferimento do pedido.

Os requisitos para a emissão da GU inicialmente presentes no artigo 107 da portaria 155/16 foram agora transferidos para o artigo 105, e, dentre eles, dois merecem especial atenção. O primeiro se refere à regularidade em relação ao processo minerário, de modo que o minerador não pode ter incidido em nenhuma das causas de caducidade estabelecidas pela legislação minerária, mesmo que a caducidade não tenha sido declarada no processo minerário, mas que a sua constatação seja possível. Dito de outro modo, o processo não pode estar em condições de caducidade, ainda que as causas da caducidade não tenham sido identificadas e apontadas no processo minerário eletrônico.

O segundo diz com a impossibilidade de o minerador ter realizado lavra ilegal “previamente ao requerimento da GU”. Embora o texto fale que não pode ter sido realizada lavra não autorizada antes do pedido de GU, uma interpretação sistemática desse dispositivo conduz ao entendimento de que não é possível ter havido lavra ilegal antes da emissão da GU, visto que, se uma ação de fiscalização for realizada pela ANM no intervalo entre a solicitação e a emissão da GU, e ali ficar constatada a lavra ilegal, naturalmente, a GU será indeferida.

A despeito de ter acrescentado duas condições à emissão da GU, o artigo 105 da resolução 37/20 excluiu uma condição relevante, o que causa, à primeira leitura, justificável espanto: a GU agora poderá ser emitida sem a necessidade de exibição da licença ambiental. Todavia, nos termos do novo artigo 107, a GU só será eficaz quando a licença ambiental for obtida pelo minerador e se ele a exibir à ANM em até dez dias após a sua emissão pelo órgão ambiental, sob pena de cancelamento da GU.

Essa foi uma forma encontrada pela ANM para não submeter o fluxo de suas atividades internas ao ritmo e às idiossincrasias dos diversos órgãos ambientais licenciadores. Contudo, por força do artigo 55 da lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) e do artigo 63 do decreto 6.514/08, a lavra ou a extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença ambiental constitui tanto crime quanto infração administrativa ambiental. Daí porque, ainda que desnecessariamente – já que essa obrigação já constava tanto de lei quanto de decreto –, o artigo 117, nos incisos XI e XII, lembra que o titular da GU: (I) não poderá realizar quaisquer atividades de extração sem a prévia obtenção da licença ambiental ou de documento equivalente; e (II) deverá suspender imediatamente as suas atividades se expirado o prazo de vigência da licença ambiental ou de documento equivalente.

Há que se ter em mente que o § 4° do artigo 14 da lei complementar 140/11 garante a prorrogação da validade da licença até que o órgão ambiental se manifeste definitivamente sobre o pedido de renovação solicitado no mínimo 120 dias antes de a licença perder a sua validade. Dessarte, o inciso XII do artigo 117 deverá ser lido, interpretado e aplicado em consonância com a lei complementar 140/11, para permitir que a explotação seja continuada se a GU estiver válida e se o minerador solicitar a renovação da licença ambiental com a antecedência mínima apontada pela lei complementar.

As reformas no processamento da GU chegam quase dez anos após o lançamento do Plano Nacional de Mineração – 2030, que se coloca como “uma ferramenta estratégica para nortear as políticas de médio e longo prazo que possam contribuir para que o setor mineral seja um alicerce para o desenvolvimento sustentável do País nos próximos 20 anos” do Brasil. Considerando a fixação das políticas minerárias a serem observadas, espera-se que a obediência a essas regras seja efetivamente aplicada, e que a GU deixe de ser uma política de burla à letargia da própria ANM, e passe a ser aquilo que o Código de Minas esperava dela quando de sua previsão.

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*Marina Gadelha é sócia das Áreas de Direito Ambiental e Direito Minerário do escritório Erick Macedo Advocacia. Mestre e doutoranda em Direito. Presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB.

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