Alguns senadores apresentaram nessa quinta-feira, 21.05, a Proposta de emenda constitucional (PEC) 19/20 prorrogando o mandato de prefeitos e vereadores eleitos em 2016 por mais dois anos, até 31.12.21. Em tese a boa intenção da referida PEC seria a interessante unificação das eleições a partir de 2022 para todos os cargos na disputa eleitoral – federais, estaduais e municipais.
É de sabença geral que existe uma tênue fronteira entre “boas intenções” e “desvio de finalidade”, em especial em âmbito político-eleitoral. Vale dizer que apesar de ser uma proposta de emenda constitucional, seu conteúdo é flagrantemente inconstitucional pois "ab initio" viola grave Princípio Fundamental da República: o parágrafo único do art. 1º da Constituição, nestes termos: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
A violação constitucional da inconstitucional PEC 19/20 decorre de sua deturpação e agressão à manifestação e vontade de sua excelência o eleitor quando, nas eleições de 2016, conferiu poderes aos eleitos por meio de um mandato de quatro anos – nem mais, nem menos -, nos termos exatos termos do art. 29, Inciso I: “eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País”.
Ou seja: a PEC 19/20 é natimorta dada a sua grosseira inconstitucionalidade, pois a vontade e manifestação do eleitor - pelo mandato de quatro anos - reside num dos núcleos fundamentais do parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna, integrando as eleições brasileiras de 2016. Era essa a "regra do jogo" naquela ocasião, quando dezenas de milhões de eleitores brasileiros (incluindo os próprios senadores que subscreveram a PEC 19/20) compareceram às urnas para eleger seus representantes municipais para, repita-se, um mandato de quatro anos.
Importante lembrar que os Princípios Fundamentais da República (arts. 1º a 4º) não podem sequer ser deliberados pelo constituinte derivado (os atuais parlamentares). A força dos Princípios Constitucionais é de tal magnitude que alguns autores os consideram como cláusulas super-pétreas.
Mas o festival de horrores da PEC 19/20 avança em outras questões. Percebam que mesmo sem o dizer expressamente, os atuais congressistas, sem legitimidade para tal, pretendem cancelar as eleições de 2020. Sutilmente, revogam os direitos políticos dos cidadãos (ao suprimir todo o Capítulo IV, "Dos Direitos Políticos", arts 14, 15 e 16, da Constituição).
O art. 14 trata do direito às eleições de 2020 que serão revogadas, caso a PEC 19/20 prospere. O art. 15 veda a cassação de direitos políticos; ora, revogar as eleições de 20, cerceando o direito ao voto dos eleitores, equivale à cassação dos direitos políticos, ainda que temporariamente. Por sua vez, o art. 16 consagra o princípio da anterioridade do processo eleitoral, nestes termos: "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência". É o caso, pois revogar as eleições de 20 equivale à alteração do processo eleitoral. festival dos horrores.
A melhor opção que se apresenta, sem causar qualquer dano à Democracia e sempre em respeito à Constituição e à sua excelência o eleitor, é o adiamento das eleições, mas desde que se realizem em 2020. A respeito disso foi publicado em Migalhas, em 12.05.20, pequeno texto a respeito ("Eleições"), onde se sugere o 1º turno das eleições em 15.11.20 (em 5.570 munícipios) e segundo turno em 06.12.20 (possível em 95 municípios com mais de 200 mil eleitores), mantendo-se a diplomação para 18.12.20.
Nem se alegue que nessa hipótese (mera postergação e adequação de datas, porém dentro do mesmo ano) haveria violação ao teor do art. 16 (principio da anterioridade), eis que não resultará em concessão de qualquer privilégio escuso ou violação à direitos, sendo mero e excepcional ajuste de forma que em nada altera o conteúdo.
O epitáfio gravado na lápide da PEC 19/20 será: “aqui jaz um morto que nunca nasceu”.
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*Milton Córdova Júnior é advogado.