Pouco é sabido e comentado sobre o direito que pessoas responsáveis por portadores de algum tipo de deficiência possuem de obter carga horária reduzida, sem que haja prejuízo em seus vencimentos mensais.
O debate sobre tal tema se tornou mais notório recentemente, quando uma mãe que possui filho com autismo ajuizou uma ação que pleiteava direito a redução de 50% da sua jornada de trabalho sem que houvesse prejuízo em seu salário, uma vez que ela era a responsável por acompanhar o menor nos inúmeros tratamentos necessários e fundamentais ao seu desenvolvimento, tratamentos que acabavam por ter o horário coincidindo com o do cumprimento de suas funções no trabalho.
Essa é uma realidade vivida por muitas brasileiros e brasileiras, que precisam dividir o seu tempo em duplas jornadas, para se dedicarem ao trabalho e a criação de filhos, que, quando possuem alguma necessidade especial, acabam por demandar maiores cuidados e atenção por parte dos seus responsáveis.
Uma criança acometida por qualquer tipo de deficiência deve se submeter a diversos tratamentos que são de extrema relevância para o seu adequado desenvolvimento. Toda criança, mas principalmente as que se enquadram neste tipo de situação, possuem com absoluta prioridade diversos direitos, Com destaque ao seu direito à dignidade e à convivência familiar, o que passa a colocar a pessoa com deficiência a salvo de toda forma de negligência, vide art. 5º da lei 13.146/2015.
Tendo notoriedade situações como essa, anteriormente se tinha a previsão feita pela lei 8112/90, que garantia ao funcionário público federal um horário especial de jornada de trabalho, caso fosse responsável por pessoa com deficiência, desde que viesse posteriormente a fazer a devida compensação.
Devido a previsão federal, o estado do Espírito Santo por meio da lei estadual 6.141/2000, foi pioneiro a passar a autorizar a regulamentação de redução de carga horária para os funcionários do Poder Executivo que fossem responsáveis por parentes em tais condições, garantindo a efetividade dos direitos fundamentais destas famílias. Porém, essa é uma norma de eficácia limitada, uma vez que cabe a cada respectiva cidade e município regulamentar o seu adequado funcionamento. Este direito só foi devidamente regulamentado e garantido aos funcionários em âmbito federal no ano de 2016 através da lei 13.370/2016.
Quando solicitado a garantia e efetivação deste direito e o mesmo não vem a ser garantido por parte do Estado, se tem a nítida violação do direito fundamental desta família, sendo principalmente violado o direito ao pleno e adequado desenvolvimento da criança, como é previsto constitucionalmente, uma vez que esbarra na redução da atenção parental indispensável para um crescimento e evolução saudável da criança.
Esse é um direito presente não só nos artigos respectivos a direitos fundamentais redigidos na constituição, mas como também tendo atenção especial a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual possui hierarquia de Emenda Constitucional, garantindo o direito de promoção da proteção de pessoas com necessidades especiais, principalmente das que requerem maior apoio. Em âmbito nacional, ainda temos como previsão normativa o Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/2015), ato que traz maiores garantias para a efetivação e visibilidade dos direitos da pessoa em tais condições.
Em ações desse gênero, impetradas pelos responsáveis por filhos, cônjuges ou ascendentes em tais condições, interpreta-se o pedido feito em face do maior interesse da criança, o qual é superior e primordial para que a sua saúde e desenvolvimento não venham a ser descuidados. É o princípio da dignidade da pessoa humana sendo privilegiado em detrimento do princípio da legalidade.
Com isso, demonstra-se mais do que comprovado que quando um responsável entra com pedido judicial de redução de carga horária, sem que se tenha os seus vencimentos reduzidos, não está ele em busca de benefícios próprios, mas sim em busca da efetivação de um direito que tem como principal protegido e beneficiado a pessoa com deficiência.
Não sendo um direito somente dos pais que atuam como funcionários públicos, mas também sendo possível a interpretação para responsáveis que atuem como celetistas, que quando não tiverem o seu pedido deferido, poderão estar diante de uma violação de seu direito líquido e certo.
Como sociedade, é dever de todos garantir a efetivação de um direito tão significativo a essas famílias, de modo a não excluirmos pessoas devido a uma diferença ou limitação. É nosso dever garantir a inclusão de todos numa comunidade plural, onde se tendo mais empatia e solidariedade com o próximo, não faltará lugar e cuidado para que todos possam ser acolhidos.
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*David Metzker é sócio da Metzker Advocacia, advogado criminalista, professor e palestrante, pós graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS e MBA em Gestão, Empreendedorismo e Marketing pela mesma instituição, diretor Cultural e Acadêmico da ABRACRIM-ES.
*Brenda Guerra é colaboradora na Metzker Advocacia.