O sistema tributário brasileiro, que já foi considerado vanguarda há meio século, envelheceu mal. Na redemocratização, estados e municípios tentaram descentralizar a arrecadação e criaram “jabuticabas” tributárias que carecem de precedentes de boas práticas internacionais. Uma empresa com atuação em diferentes Unidades da Federação precisa se adaptar a 27 legislações tributárias, criando uma demanda insana de trabalho para empreendedores. Legisladores e acadêmicos logo começaram a discutir medidas para a simplificação desse sistema, com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ainda nos anos 1990, mas não avançaram. Em meio à recessão econômica e reformas liberais, o tema voltou à pauta em 2017 — mas as forças responsáveis pelos erros de 30 anos atrás continuam a tentar interferir nos rumos da reforma.
O governo anterior, de Michel Temer, até conseguiu aprovar a Reforma Trabalhista e a PEC do teto de gastos, mas não teve força política para implementar um novo modelo para a Previdência Social nem para realizar uma Reforma Tributária. A equipe econômica de Bolsonaro, contudo, resgatou essas pautas. A aprovação em primeiro turno da Reforma da Previdência no Câmara dos Deputados em julho abriu espaço para que o governo mirasse em outro alvo na área econômica, desta vez, para redefinir o sistema tributário nacional, numa discussão fragmentada, em que setores do mercado e entes federativos defendem as partes que lhe cabem. Como veremos a seguir, um consenso torna-se difícil.
Entre julho e o início de agosto de 2019, Senado e Câmara se anteciparam ao governo e já apresentaram propostas de reformas. A PEC 45, de autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), aposta num imposto único. Segundo o projeto, elaborado pelo economista Bernard Appy, cofundador do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) unificaria o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), PIS, Cofins (federais), o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual) e o Imposto sobre Serviços (ISS, municipal). Ao fim de 10 anos de transição, a alíquota chegaria a 25%, e o repasse da receita oriunda do IBS seria feito por um comitê gestor composto por representantes das três esferas de governo. Vale destacar que a proposta acaba com os incentivos fiscais, base da disputa entre estados e municípios para atrair empresas.
A PEC 110, assinada por um conjunto de 67 senadores, vai além e unifica, junto com os cinco tributos da PEC 45, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-Combustíveis) e o Salário-Educação em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) também sofreria alterações, passando da esfera estadual para a municipal. O texto do Senado se baseia na PEC 293/04, relatada pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que tramitou durante anos na Câmara e chegou a ser aprovada em comissão especial da Câmara em 2018.
No Congresso ainda foi protocolada uma nova PEC, de autoria do deputado Luís Miranda (DEM-DF), que reúne pontos das duas outras propostas da Câmara e do Senado. Assim como prega a PEC 45, seria criado o Imposto sobre Bens e Serviços, porém com duas “faces”. O IBS dual unificaria PIS, Cofins e IOF em um tributo federal (mantendo o IPI separado), e ICMS e ISS em outro, para atender estados e municípios. O projeto também estabelece a taxa de 5% para o novo tributo, enquanto os outros não chegam a fixar um valor. Outra diferença é a criação do Imposto sobre Movimentações Financeiras (IMF), algo semelhante à fracassada e impopular CPMF. Segundo os autores, a alíquota seria de 0,1%, chegando a 0,5% após cinco anos, e sua justificativa seria a redução da tributação média.
Todos os projetos, em sua forma original, reestruturam a máquina de arrecadação do país, alterando as fontes de renda de todos os entes federativos. Portanto, somando os 26 estados e o Distrito Federal aos 5.565 municípios brasileiros, têm-se ideia da quantidade de gestores, políticos e entidades que serão afetadas e que começaram a se articular para defender seus interesses em Brasília. Quando se tiram impostos da alçada de um governante, por mais que haja medidas reparatórias, é sempre esperado que surjam contestações. Desta vez, o roteiro seguido por prefeitos e governadores seguiu como o previsto.
O ponto mais estratégico, entretanto, continua nas mãos dos estados. Sem mudar o ICMS, uma reforma tributária seria pouco eficaz — nem PEC seria necessária, já que para alterar tributos federais, projetos de lei, que têm uma tramitação mais simples, podem cumprir o prometido. O sistema defendido por estados não é sequer benéfico para estes entes, já que continuam com o “pires na mão”, passando por graves crises financeiras e recorrendo a Brasília por ajuda. O argumento de que transferir a arrecadação para a União seria prejudicial cai por terra, afinal, com o Simples Nacional isso já ocorre com alguns tributos. Para os municípios, uma evolução semelhante com o ISS também poderia gerar mais eficiência à arrecadação. A hora é, portanto, de deixar a sanha arrecadatória de curto prazo de lado e mirar num futuro em que haja um sistema tributário mais justo e simples para todos, Estado e contribuintes.
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