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Máscaras, luvas e álcool em gel: nítidos insumos para fins de creditamento de PIS e Cofins em função da covid-19

O caráter primordial revelado na utilização de máscaras, luvas e álcool em gel em função do surgimento do novo coronavírus (covid-19), resulta no reconhecimento dos citados itens como equipamentos de proteção individual (EPIs) nos mais diversos ambientes laborais, uma vez que, atualmente, são indispensáveis à preservação da segurança e da proteção da vida das pessoas.

18/5/2020

Durante vasto período de tempo, a fiscalização federal e os contribuintes se digladiaram em inúmeras demandas administrativas e judiciais relativas à extensão e aplicabilidade do termo “insumos” para os fins de creditamento das contribuições sociais do PIS e da Cofins, quando recolhidas na sistemática da não-cumulatividade, nos termos das leis 10.637/02 e 10.833/03.

Fundamentalmente, a incerteza quanto ao tema se dava pela inexistência de uma conceituação legal da referida figura jurídica, assim como pela ausência de uma pacificação jurisprudencial sobre o assunto, até que, com o julgamento do REsp 1.221.170/PR, o Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973 (lei 5.869/73) – recurso repetitivo -, definiu que:

O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte1 (destaques ausentes na versão original)

Visando à obtenção da máxima segurança jurídica, parcela dos contribuintes se viu frustrada com o decisum, visto que desejava uma definição pormenorizada que comportasse mínimas interpretações à fiscalização, em contrariedade à definição mais ampla, pautada nos critérios da essencialidade ou relevância, estabelecida por este tribunal superior no que concerne à figura jurídica dos insumos.

Entretanto, as incalculáveis peculiaridades das atividades de cada uma das pessoas jurídicas operantes no Brasil, além da própria evolução dos conceitos jurídicos no tempo acompanhando a evolução da sociedade, tornaram inevitável o rumo da decisão do REsp supracitado, uma vez que, do contrário, poderia resultar na inaplicabilidade da regra instituída para hipóteses específicas e/ou forçar uma revisão de seu conteúdo em futuro próximo, ocasionando evidente insegurança jurídica aos tutelados pelo Ordenamento Jurídico.

Desta feita, tendo em mente o dinamismo admissível na identificação dos atributos da essencialidade ou da relevância nos custos e/ou nas despesas assumidas por pessoas jurídicas, surge questionamento diante da situação de pandemia atualmente vivida: considerando o alto poder de propagação da covid-19, as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério (e das Secretarias Estaduais) da Saúde, a obrigatoriedade ao uso de máscaras em alguns estados2 e a necessidade de utilização de luvas e do álcool em gel, além das mencionadas máscaras, para assegurar a segurança das pessoas, os dispêndios com estes materiais protetivos são capazes de garantir ao contribuinte o direito ao creditamento na apuração do PIS e da Cofins?

Em nosso entendimento, a resposta há de ser positiva. A utilização de máscaras, luvas e do álcool em gel (álcool etílico hidratado 70º INPM) é essencial ao combate da corrente pandemia mundial e a aquisição destes produtos, por parte das pessoas jurídicas, proporciona o necessário resguardo no ambiente interno e externo de trabalho, ou seja, não apenas acaba por oferecer proteção à saúde e vida de seus funcionários e colaboradores, como, igualmente, permite a preservação dos demais cidadãos, sejam eles familiares ou amigos destes, clientes e demais pessoas que possam ter contato com estes indivíduos.

Assim sendo, é indubitável constatar que os custos /despesas narrados se enquadram na noção de insumos definida pelo Superior Tribunal de Justiça no âmbito da decisão atinente ao REsp 1.221.170/PR, afinal, a compra de máscaras, luvas e do álcool em gel é indispensável neste momento histórico, correspondendo a itens básicos ao exercício de quaisquer atividades laborais.

Ainda que inexista posicionamento específico do órgão fiscalizatório sobre o tema, acredita-se que não há espaço a interpretação diversa da acima tratada, especialmente se considerarmos algumas Soluções de Consulta do próprio Fisco, no que tange a equipamentos de proteção individual (EPIs), conforme abaixo, cujo raciocínio não só pode como deve ser aplicado de forma semelhante a este período pandêmico:

NÃO CUMULATIVIDADE. INSUMOS. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. FORNECIMENTO DE MÃO DE OBRA. ASSISTÊNCIA MÉDICA.

Os dispêndios com equipamentos de proteção individual (EPI) fornecidos a trabalhadores alocados pela pessoa jurídica nas suas atividades de produção de bens ou de prestação de serviços permitem a apuração de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep na modalidade insumo, de acordo com o art. 3º, inciso II da Lei nº 10.637, de 2002.

[...]

Os dispêndios com equipamentos de proteção individual (EPI) fornecidos a trabalhadores alocados pela pessoa jurídica nas suas atividades de produção de bens ou de prestação de serviços permitem a apuração de créditos da Cofins na modalidade insumos, de acordo com o art. 3º, inciso II da Lei nº 10.833, de 2003.

[...]

SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA AO PARECER NORMATIVO COSIT/RFB Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2018, PUBLICADO NO DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO DE 18 DE DEZEMBRO DE 2018.3 (Grifos nossos);

NÃO CUMULATIVIDADE. CRÉDITO. INSUMO. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. UNIFORME.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.221.170/PR, no âmbito da sistemática do art. 543-C do CPC (art. 1.036 do CPC/2015), delimitou o conceito de insumo, para fins de apuração de créditos decorrentes da sistemática não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep.

Em razão do disposto no art. 19 da Lei nº 10.522, de 2002, na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014, e na Nota SEI nº 63/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF, a RFB encontra-se vinculada ao referido entendimento.

Os equipamentos de proteção individual (EPI) fornecidos a trabalhadores alocados pela pessoa jurídica nas atividades de produção de bens ou de prestação de serviços podem ser considerados insumos, para fins de apuração de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep.

[...]

Os equipamentos de proteção individual (EPI) fornecidos a trabalhadores alocados pela pessoa jurídica nas atividades de produção de bens ou de prestação de serviços podem ser considerados insumos, para fins de apuração de créditos da Cofins. [...]4 (Efetuamos destaques).

Finalizando, o caráter primordial revelado na utilização de máscaras, luvas e álcool em gel em função do surgimento do novo coronavírus (covid-19), resulta no reconhecimento dos citados itens como equipamentos de proteção individual (EPIs) nos mais diversos ambientes laborais, uma vez que, atualmente, são indispensáveis à preservação da segurança e da proteção da vida das pessoas. Desse modo, atentando-se para o posicionamento expresso do Fisco em relação à possibilidade de creditamento das contribuições sociais (PIS e Cofins) nas hipóteses de gastos efetuados pelo contribuinte no que diz respeito aos equipamentos de proteção individual (EPIs), seria ilógico e incongruente qualquer entendimento do órgão fiscalizatório que não o de reconhecer este direito (creditamento) ao contribuinte no tocante à aquisição de máscaras, luvas e álcool em gel.

______

1 REsp 1.221.170/PR, STJ, Primeira Seção, Relator(a): Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgamento em 22.02.18, publicação em 24.04.18.

2 São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Amazonas, Bahia e Distrito Federal são alguns dos exemplos de estados que decretaram obrigatoriedade ao uso de máscara fora das residências das pessoas, conforme matéria do Portal Uol, intitulada “Após decretos, veja em quais cidades o uso de máscara é obrigatório”. Disponível clicando aqui. Último acesso em 13.05.20.

3 Solução de Consulta COSIT 2, de 10 de janeiro de 2020, publicada em 27.01.20.

4 Solução de Consulta COSIT 183, de 31 de maio de 2019, publicada em 11.06.19.

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*Guilherme Molina é especialista em Direito Tributário pela PUC-SP, especialista em Regulatory Compliance pela University of Pennsylvania - Law School (Penn Law), membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, e sócio do escritório Molina & Reis Sociedade de Advogados.

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