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O Tribunal de Justiça de São Paulo decide pela reforma de decisão que negou liminar diante da situação emergencial do covid-19 em relação comercial

Em abril de 2019, as partes celebraram Contrato de Cessão de Quotas de empresa para comercialização de açaí na cidade de Assis/SP, pela qual Camila Cassemiro de Oliveira (“agravante”) adquiriu a participação societária pertencente à Aline Alves de Lima (“agravada”).

7/5/2020

Em 5 de abril de 2020, o desembargador Cesar Ciampolini, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, entendeu por conceder, parcialmente, a liminar requerida1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu a liminar pleiteada por Camila Cassemiro de Oliveira em face de Aline Alves de Lima, que tinha como objetivo o diferimento do pagamento de parcelas vincendas para os meses de abril, maio e junho de 2020 do Contrato de Cessão de Quotas.

Em abril de 2019, as partes celebraram Contrato de Cessão de Quotas de empresa para comercialização de açaí na cidade de Assis/SP, pela qual Camila Cassemiro de Oliveira (“agravante”) adquiriu a participação societária pertencente à Aline Alves de Lima (“agravada”), pelo valor de R$ 125.000,00, que seria pago em 25 (vinte e cinco) parcelas mensais de R$ 5.000,00.

A agravante alegou que, em razão da pandemia ocasionada pela doença do coronavírus covid-19, o prefeito de Assis publicou decreto que, entre outras medidas, restringiu funcionamento de estabelecimentos considerados não essenciais, o que impactou o faturamento da empresa de comercialização de açaí e, consequentemente, a habilidade de pagamento das parcelas vincendas. Diante desses fatos, a agravante requereu, em caráter liminar, o diferimento do pagamento de parcelas vincendas para os meses de abril, maio e junho de 2020.

Em primeira instância, a liminar foi indeferida, tendo Camila Cassemiro de Oliveira interposto o agravo de instrumento, cuja decisão é aqui comentada.

Em despacho sobre o pedido de antecipação da tutela pretendida, o desembargador relator analisou o caso à luz da teoria da imprevisão, postulada nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

A teoria da imprevisão tem cabimento nos contratos desde que haja um fator imprevisível; ausência de estado moratório; dano em potencial (desequilíbrio contratual) e excessiva onerosidade de uma das partes e de extrema vantagem de outra. Muitas vezes, derruba o pactuado pelas partes. Nesse sentido, o relator enquadrou – sem adentrar-se aos conceitos de caso fortuito ou força maior – a situação gerada pela pandemia do coronavírus como “acontecimento extraordinário e imprevisível”, na dicção do art. 478 do Código Civil, autorizando a revisão contratual.

O relator cita Cunha Gonçalves2 ao explicar que a teoria da imprevisão só deve ser aplicada quando:

(1º) se tratar de contrato de execução de longo prazo, com prestações sucessivas, segundo condições existentes e previsíveis; (2º) “as novas circunstâncias ultrapassem muito do que razoavelmente se podia prever ao tempo do mútuo consenso dos contraentes, quer elas tenham sobrevindo subitamente, ou com excessiva rapidez, quer tenham resultado duma gradual e paulatina alteração das condições econômicas ou sociais, atingindo, não um certo contraente, mas todos os contratos da mesma natureza, celebrados com análogas cláusulas”; (3º) os contratos não sejam de natureza aleatória, como os de Bolsa de Valores

Nesse sentido, tendo em vista que (I) o Contrato de Cessão de Quotas trata-se de contrato de execução de longo prazo, com prestações sucessivas, (II) a atual pandemia ultrapassou o razoável do que se podia prever ao tempo que o Contrato fora celebrado e (III) o Contrato de Cessão de Quotas não possui natureza aleatória (não diz respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir é assumido por um dos contratantes), entendeu-se por bem aplicar a teoria da imprevisão e deferir a parcial antecipação da tutela. Ficou determinado, então, que o valor total das três parcelas indicadas (abril, maio e junho deste ano), fosse pago em dez prestações mensais, com primeiro vencimento em 15 dias após a publicação da decisão, devidamente atualizado pelos índices da tabela prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme previsto no contrato.

Vale ressaltar que esta foi a primeira decisão proferida por um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo frente à situação de calamidade pública que se encontra no Brasil, envolvendo uma relação comercial. A decisão não pontuou questões atinentes a caso fortuito ou força maior, restringindo-se à teoria da imprevisão. Em análise ao Contrato de Cessão de Quotas, verificou-se que inexiste cláusula de revisão ou rescisão e/ou suspensão por caso fortuito ou força maior.

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1 Autos 2061905-74.2020.8.26.0000.

2 Luiz da Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. IV, tomo II, 2ª ed. portuguesa e 1ª ed. brasileira, págs. 757/758.

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*Elora Neto Godry Farias é advogada do escritório Veirano Advogados.

 

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