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Meditação em tempos de crise

Um ponto que preocupa não somente em tempos de crise, mas especialmente em tais circunstâncias, é a saúde mental. O que fazer, então, para fortalecê-la?

7/5/2020

Se estivéssemos verdadeiramente aqui, não estaríamos contemplando nada que não estivesse aqui. Não seríamos tomados pela ilusão do self e por todo esse rebuliço que é necessário para seu prazer e proteção. (Steve Hagen, O budismo não é o que você pensa, 2004)

A crise do novo coronavírus (covid-19) pegou todos desprevenidos. Não parecia que uma pandemia iniciada na China pudesse chegar ao Brasil, separados por cerca de 17 mil quilômetros. Mas chegou. E chegou atingindo um número crescente de pessoas, tomando os noticiários e as redes sociais, bem como causando certa dose de pânico na população, naturalmente despreparada, sob qualquer aspecto que se cogite, para permanecer em isolamento social.

É desnecessário mais evidências, além daquelas que já estão diante de nossos olhos, para se chegar à conclusão de que a pandemia da Covid-19 deve ser levada a sério.

Um ponto que preocupa não somente em tempos de crise, mas especialmente em tais circunstâncias, é a saúde mental. O que fazer, então, para fortalecê-la?

A meditação, prática secular, é uma importantíssima ferramenta para alcançar essa finalidade.

Meditar tem a ver com treinar a consciência e ter uma percepção saudável da realidade, do aqui e agora, sem ter a fixação de eliminar pensamentos e sentimentos. A meditação, enquanto prática mental, requer do praticante a pura e simples observação dos pensamentos e sentimentos sem julgamentos, sem preconceitos. Basta, de fato, observá-los para talvez, um dia, compreendê-los.

Diferentemente do que alguns podem pensar, para meditar não é preciso se transformar em outra pessoa, muito menos ser zen. Pode ser que com o exercício constante da meditação você decida mudar algum hábito de sua vida, mas isso não é necessário para praticar. Vale lembrar que mudanças radicais são geralmente insustentáveis. Além disso, a meditação não é uma prática ligada a qualquer religião ou credo, embora esteja presente, por exemplo, no budismo.

A meditação tem mais de um método. Aqui nos interessa a meditação mindfulness, que livremente traduzida para o vernáculo pode ser entendida como atenção plena. Andy Puddicombe, fundador da Headspace Inc., companhia norte-americana voltada à meditação, explica que atenção plena é a habilidade de estar presente, de descansar no aqui e agora, com total envolvimento com o que quer que estejamos fazendo. Nesse sentido, a meditação é a melhor forma de aprender essa habilidade.

Aprender a meditar não é diferente de outras formas de aprendizado: é preciso praticar com regularidade, mas sem se exigir muito. É como aprender um esporte novo, vale dizer, no início pode parecer difícil, mas com o passar do tempo se torna mais fácil. Como dizem Mark Williams e Danny Penman, praticar meditação exige paciência e persistência.

Para viabilizar a prática, Dan Harris e Jeff Warren apresentam três instruções básicas para iniciar a prática: 1) Sente-se numa posição confortável no chão, de pernas cruzadas e mãos sobre os joelhos, ou sente-se numa cadeira, com as mãos sobre as coxas, mas sempre com a espinha dorsal reta. É possível meditar deitado, desde que você não durma. Os olhos podem estar fechados ou abertos, a depender da preferência de quem realiza a prática; 2) Empregue atenção total à sensação de sua respiração entrando e saindo. Para ajudar a manter o foco, utilize uma nota mental como “dentro” e “fora”, ou conte as inspirações e expirações de um a dez; 3) A terceira dica é a mais importante. Tão logo você tente meditar a sua mente divagará e você começará a ter pensamentos variados, alguns até mesmo bizarros. Isso é normal e invariavelmente acontecerá. A chave do jogo é ter consciência da distração e focar mais uma vez na respiração, recomeçando a prática quantas vezes forem necessárias.

Com relação ao tempo, fator que leva muitas pessoas a desistir da prática, tente meditar ao menos um minuto por dia. Isso mesmo: um minuto por dia de atenção plena pode te ajudar a enfrentar pensamentos e sentimentos ruins, inclusive aqueles derivados da crise da covid-19. Há estudos científicos que comprovam que dez minutos por dia já é uma frequência suficiente para reduzir nível de estresse e mitigar efeitos de depressão e ansiedade, por exemplo. Por mais insana que seja sua rotina de trabalho, você certamente tem de um a dez minutos por dia para cuidar da sua saúde mental. Não é preciso de muito, convenhamos.

Ademais, a meditação pode ser realizada em qualquer lugar e a qualquer momento. Para alguns, é melhor meditar pela manhã, logo após despertar. Para outros, é melhor meditar na sala do escritório, ao final do expediente. Aliás, é possível meditar enquanto lavamos as mãos, o que é extremamente recomendado para evitar a propagação do novo coronavírus. Ao ensaboá-las e enxaguá-las, você pode focar na respiração. É um gesto singelo, mas que pode ajudar – e muito, por incrível que pareça – na luta contra nosso eu interior.

Em tempos de crise causada pela pandemia viral, a meditação mindfulness nos aproxima da realidade, do presente, que é o que realmente importa. O que aconteceu no passado e o que poderá acontecer no futuro não nos pertence e não está sob nosso domínio. De outra sorte, o aqui e o agora podem ser controlados e cabe a nós fazer o possível para torná-los uma experiência positiva. A ferramenta para isso é focar na respiração num momento de silêncio, de paz interior.

A fim de incentivar a prática em tempos de crise, aplicativos conhecidos de meditação, com versão em português para Android e Apple, ofereceram ao público geral, de forma gratuita, acesso a algumas de suas sessões de meditação guiada. São exemplos disso Headspace (“Weathering the Storm”) e Ten Percent Happier (“Coronavirus Sanity Guide”). É louvável também a atitude do Moved By Mindfulness, primeiro estúdio de meditação do Brasil, situado na cidade de São Paulo. O referido estúdio vem disponibilizando sessões gratuitas e ao vivo de meditação guiada pelo aplicativo de comunicação Zoom, permitindo aos interessados uma experiência única nesse momento de isolamento.

Faz-se, ao final, um apelo aos leitores. Aos céticos, permitam-se tentar meditar: não lhes custará nada, há instrumentos disponíveis para auxiliá-los e poderá lhes trazer ganhos para toda a vida. Aos que já praticam, reforcem a meditação diária para que não deixem a mente os levar para longe.

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*Gustavo Favero Vaughn, associado de Cesar Asfor Rocha Advogados, em São Paulo.

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