Migalhas de Peso

É preciso autorizar substituição de depósito judicial por seguro-garantia

Espera-se que o julgadores se sensibilizem com a situação caótica e à beira de um colapso vivenciada por todos os setores da economia.

4/5/2020

Com a crise econômica causada pelo cenário pandêmico do coronavírus e pelas medidas governamentais lançadas para frear a disseminação da doença, muitas empresas têm pleiteado perante o Poder Judiciário a substituição de depósitos judiciais em dinheiro por apólices de seguro-garantia, a fim de buscar liquidez financeira e capital de giro para permanecer honrando os diversos compromissos financeiros com fornecedores, autoridades, colaboradores e sobretudo com o próprio Fisco.

O pedido de substituição da garantia encontra respaldo tanto no anseio das normas processuais vigentes em nosso ordenamento jurídico, que permite a concessão de tutelas de urgência como medida destinada a suprir necessidades em situações como a que vivemos atualmente, como também na figura de meio garantidor do Estado Democrático de Direito, considerando que surge agora a indispensável necessidade de observar garantias fundamentais para a proteção de atividades empresariais que geram receitas aos entes federativos.

Vale frisar que a substituição aqui tratada não tem por escopo o levantamento de depósitos feitos em juízo com a finalidade de deixar os procedimentos judiciais desacobertados e à mercê do retorno do país à normalidade. A mudança da garantia não ocasiona qualquer risco à solvabilidade de cobranças efetuadas pelo Fisco, sob pena de esvaziarmos a higidez de seguros-garantia legitimamente previstos como modalidade garantidora de créditos tributários pela legislação.

E ainda que se levante a existência de jurisprudência solidificada no sentido de não permitir substituir penhora em dinheiro por seguro-garantia, tal consideração não pode ganhar força na medida em que o sistema jurisdicional brasileiro permite a superação de um precedente ou entendimento jurisprudencial por meio do instituto do overruling, justamente na hipótese em que se esteja diante de um contexto fático distinto daquele anteriormente existente.

Dessa forma, permitir que os contribuintes substituam depósitos em dinheiro por títulos assecuratórios tais como seguro-garantia e fiança bancária não ofende qualquer senso de justiça, mas pelo contrário, a sua negativa em meio à crise econômica e social acometida em nível mundial é que cria uma situação insustentável e demonstra a ausência de qualquer sensibilidade para com as pessoas mais prejudicadas.

Vale destacar importantes decisões recentemente proferidas e que levaram em conta a situação peculiar atual. No âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o desembargador federal Hércules Fajoses permitiu à companhia aérea Azul (extremante afetada pela pandemia) substituição da garantia e o levantamento de valores depositados em juízo. No Superior Tribunal de Justiça, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho concedeu a uma empresa de manutenção de elevadores o direito de levantar valores para quitação de salários e encargos.

Por outro lago, causa perplexidade um caso noticiado em um importante veículo de comunicação. Trata-se da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que na contramão de medidas que vêm sendo adotadas pelo Poder Público para mitigar os efeitos da crise, atribuiu multa milionária em desfavor do Grupo Gerdau em decorrência de levantamento de depósito judicial, que havia sido deferido pelo próprio juízo e cumprido pela Caixa Econômica Federal conforme seus procedimentos internos sem qualquer influência da empresa.

A decisão revogando a medida de substituição de depósito por seguro-garantia, proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ignorou as circunstâncias do setor siderúrgico, responsável por fabricar o aço utilizado em diversas construções direcionadas ao combate à disseminação e tratamento do coronavírus.

Além disso, a atribuição de multa prejudicou o Grupo Econômico de tamanha forma que, após levar seu pleito para o Supremo Tribunal Federal e ter seu direito devidamente reconhecido pelo ministro Celso de Mello na Rcl 40.284, a eficácia da medida cautelar foi suspensa pelo próprio ministro relator após tomar conhecimento de que a contribuinte havia sido condenada em multa por litigância de má-fé por suposta tentativa de indução do juízo a erro.

Ocorre que a apresentação de reclamação pela contribuinte em face de decisão do TRF2 que reverteu a substituição da garantia se deu justamente em decorrência da matéria de fundo estar pacificada por repercussão geral. Ou seja, a Fazenda pretende litigar sem respaldo, lutando contra matéria com mérito julgado. Tanto é que o ministro Celso de Mello havia concedido medida cautelar, posteriormente suspendida em razão da indevida repercussão negativa da multa aplicada na origem.

Diante do panorama apresentado, é preciso compreender que os contribuintes não pretendem deixar os processos sem garantia, de forma que qualquer alegação nesse sentido se torna uma fantasia, pois o objetivo é tão somente substituir uma garantia que antes era dada em dinheiro para passar a ser estabelecida por meio de seguro-garantia, meio este reconhecidamente legítimo para esses fins pela legislação tributária.

Com isso, espera-se que o julgadores se sensibilizem com a situação caótica e à beira de um colapso vivenciada por todos os setores da economia, para que permitam às empresas que se socorreram ao Poder Judiciário substituírem garantias dadas em dinheiro para injetar sobre elas capital de giro e evitar danos ainda maiores pelo inadimplemento de suas obrigações financeiras.

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*Tiago Conde Teixeira é advogado tributarista, sócio do Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados e presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF.

*Artur Rodrigues Lima Teles é advogado do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF.

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