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Convenção arbitral e sua importância na pandemia de covid-19

A arbitragem por contar com um procedimento maleável e apresentar diversas cortes instaladas e em funcionamento no país, deve receber diversas demandas sendo uma alternativa as incertezas do período histórico em que estamos inseridos.

30/4/2020

No ordenamento jurídico brasileiro as partes podem deliberar livremente sobre o afastamento do Poder Judiciário para conhecer e por fim a determinadas lides, é o que dispõe a Lei de Arbitragem nos seguintes termos: "As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis1".

A materialização dessa possibilidade, extremamente útil em momentos de indefinição quanto ao modo de funcionamento do judiciário neste momento de pandemia que assola nosso país, se dá através da convenção de arbitragem.

Logo, tratando-se de direitos patrimoniais disponíveis, "As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral2".

Vale ressaltar que tanto o compromisso arbitral como a cláusula compromissória, desde que válidos, possibilitam a instituição da arbitragem assim como impedem a atuação do Poder Judiciário. O Código de Processo Civil é claro ao afirmar que "O juiz não resolverá o mérito quando acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência3".

Ou seja, a convenção de arbitragem e reconhecimento do juízo arbitral quanto a sua competência são prejudiciais ao mérito para o judiciário, garantindo assim segurança no procedimento de arbitragem e atribuindo soberania a suas decisões.

A cláusula compromissória e o compromisso arbitral apresentam algumas distinções, contudo uma singela e importante diferenciação se faz necessária, qual seja, a temporal. Diante da existência da cláusula compromissória não se faz necessário o compromisso arbitral.

A cláusula compromissória, como o nome sugere, decorre de um acordo de vontades dos envolvidos, contrato, assim é anterior ao surgimento da controvérsia que será submetida a arbitragem.

Nos termos da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória decorre de ato bilateral consensual através da qual as partes resolverão seus conflitos perante o juízo arbitral, em sua literalidade a norma dispõe que "A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato4".

O compromisso arbitral, por sua vez, também decorre de um ato bilateral consensual no qual as partes decidem submeter um conflito a arbitragem, entretanto a manifestação de vontade das partes pelo juízo arbitral é posterior ao surgimento da controvérsia.

Tanto que a Lei de arbitragem atesta que "O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial5".

Assim, conclui-se que tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral versam sobre matéria que será apreciada pelo juízo arbitral, contudo, a primeira trata de controvérsia futura e incerta em relação ao momento da opção pela arbitragem, ou seja, de quando se elaborou o contrato e, a segunda de controvérsia que está ocorrendo, logo o acordo de vontades que afasta a lide do Poder Judiciário surge após o início desavença e por livre deliberação das partes.

Visto por esse prisma, a distinção temporal em relação a cláusula compromissória e compromisso arbitral é de grande importância na vida prática dos juristas, de todos os profissionais do Direito, posto que tal conhecimento possibilita a adoção da arbitragem mesmo após o surgimento da controvérsia, especialmente em momentos de incerteza como os vividos neste momento.

Destaca-se que vários procedimentos podem ser seguidos pelo juízo arbitral para solucionar a lide, o que, na grande maioria das vezes, resulta em soluções céleres e efetivas para os envolvidos, distanciando-se da burocracia e das incertezas do Poder Judiciário em meio a pandemia de covid-19.

Além disso, algumas cortes, instaladas em grandes centros urbanos de nosso país, possuem sistemas informatizados, on-line, que permitem a realização do procedimento de arbitragem utilizando-se de meios remotos, sem o contato das partes ou presença dos física dos interessados no mesmo espaço. Tal possibilidade é de grande importância frente ao isolamento social e o distanciamento social impostos pelos órgãos de saúde e pelo Estado, além de garantir a população fácil acesso ao juízo arbitral.

O que de concreto se observa no cenário mundial envolvendo a pandemia e o universo do Direito e seus meandros é uma grande incerteza, insegurança jurídica e indefinição em relação ao custo social e econômico do fato natural que reflete no cotidiano de todas as pessoas.

O Direito enquanto ciência social aplicada sofre com a alteração do meio social, o que se constata através da modificação das relações de trabalho, contratuais, administrativas e na forma como o homem se relaciona com o Estado.

Na tentativa de acompanhar essa realidade, como nosso sistema é o positivado, civil law, está acontecendo uma enchente de novas normas em nosso ordenamento jurídico, provocando grande incerteza tanto no Direito Material como no Direito Processual, o que interfere diretamente no Poder Judiciário, em seu modo de atuar e resolver os conflitos.

Através da resolução 313, de 19 de março de 2020, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, estabeleceu, no âmbito do Poder Judiciário, regime de Plantão Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo coronavírus – covid-19, o que acarretou a suspensão dos prazos processuais e incerteza para os jurisdicionados.

Ressalta-se ainda que tal medida, prevista na resolução citada, foi prorrogada até o dia 15 de maio de 2020 através da resolução 314, de 20 de abril de 2020 do CNJ. Destaca-se ainda que os Tribunais tem autonomia para ampliar esses prazos ou criarem novas medidas para contenção da pandemia, o que reflete na efetividade dos procedimentos e na resposta dada a sociedade.

Frente a essa realidade outros métodos de resolução de conflitos devem ganhar força, visto que mais simples, direitos e efetivos, como a mediação e a arbitragem.

A arbitragem por contar com um procedimento maleável e apresentar diversas cortes instaladas e em funcionamento no país, deve receber diversas demandas sendo uma alternativa as incertezas do período histórico em que estamos inseridos. Vale ressaltar que, nos temos da norma que a regulamenta, "A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes"6, assim a instabilidade normativa pode ser contornada se houver concordância dos envolvidos.

__________

1 Artigo 1º da lei 9.307 de 23 de setembro de 1996.

2 Artigo 3º da lei 9.307 de 23 de setembro de 1996.

3 Artigo 485, inciso VII, da lei 13.105 de 16 de março de 2015.

4 Artigo 3º da lei 9.307 de 23 de setembro de 1996.

5 Artigo 9º da lei 9.307 de 23 de setembro de 1996.

6 Artigo 2º da lei 9.307 de 23 de setembro de 1996.

__________

*Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior é pós-doutor em Direito Constitucional na Itália, advogado, professor universitário, sócio-fundador do escritório SME Advocacia. Conselheiro da OAB/GO, presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO, membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB Nacional e árbitro da CAMES.



*Tiago Magalhães Costa é especialista em Direito Civil e Processual Civil, advogado, professor universitário, sócio-fundador do escritório SME Advocacia. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO e vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/GO.

 

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