A grave crise sanitária mundial decorrente da COVID-19 tem gerado inúmeros reflexos sociais, dentre eles a determinação de suspensão, adiamento ou cancelamento de eventos esportivos ao redor do mundo, incluindo, os Jogos Olímpicos, a temporada de Fórmula 1, as rodadas da Champions League e da Taça Libertadores da América, os campeonatos de tênis da ATP, com destaque para o torneio de Wimbledom, nunca antes cancelado, praticamente todos os campeonatos nacionais e estaduais de futebol, entre muitos outros.
A não realização desses eventos desportivos tem despertado uma série de consequências graves a todos os envolvidos. Por exemplo, o líder da classificação geral do campeonato paulista, Santo André, tem 21 dos 26 jogadores do elenco com contratos previstos para terminar no mês de abril e sem a receita dos jogos e sem saber quando o campeonato irá (ou mesmo se irá) voltar, a situação contratual do grupo praticamente inviabiliza uma participação competitiva nesse torneio caso ele seja retomado.
O mesmo acontece com os contratos de patrocínio. Tão logo anunciadas a suspensão dos campeonatos, a marca de azeite, Azeite Royal, até então patrocinadora dos quatro grandes clubes de futebol do Rio de Janeiro, anunciou que deixaria de contribuir, rescindindo os contratos de patrocínio.
Em razão desse fato inequívoco, imprevisível e inevitável, cujas consequências ainda são impossíveis de mensurar, diversas relações contratuais estão sendo severamente afetadas, notadamente os contratos de patrocínio, pelo qual alguém (normalmente uma instituição ou empresa) contribui, via de regra financeiramente, para um projeto em busca de publicidade de sua marca.
Com a paralisação dos eventos esportivos e a suspensão da transmissão das partidas e notícias a eles relacionados, a contraprestação dos contratos de patrocínio, que injetam valores expressivos nos clubes para potencializar a publicidade das suas valiosas marcas, deixou – e, ao que tudo indica, continuará a deixar – de ser realizada.
Essa situação tem gerado um aumento da tensão nessa relação, uma vez que os patrocinadores, que enfrentam os seus próprios problemas diante da pandemia, têm caixas cada vez mais curtas para estratégias como essas, embora imprescindíveis para as suas atividades e os próprios projetos desportivos.
Na medida em que a repercussão da COVID-19 se agrava e as restrições de aglomerações se intensificam e tendem a se prolongar no tempo, as empresas começam a perceber que devem se preparar para o pior. O desdobramento disso nos contratos de patrocínios são variados, podendo, inclusive, suscitar discussões acerca da sua suspensão, readequação ou cancelamento.
Antes, porém, de se imiscuir em discussões cujo impacto seria intenso a todos os envolvidos (clubes, atletas, organizadores, patrocinadores, etc) deve-se dar um passo atrás e proceder com duas análises distintas.
A primeira passa pela verificação de como as ações programadas e o eventual contrato de patrocínio foram afetados, organizando as ações pactuadas e os diferentes eventos por prioridade de relevância e tempo.
A segunda deve ser a compreensão que a lacuna de competições deixou um vácuo em termos de interação com os fãs, que os envolvidos devem avaliar o que pode ser feito para saná-la, ou, pelo menos, mitigá-la.
Em momentos como este, não se pode olvidar que um dos corolários do contrato de patrocínio é justamente a busca por identificação com aquela marca, que lida com sentimentos apaixonados de milhares de pessoas. Com isso, não se pode ignorar que ao mesmo tempo em que desperta numerosos e graves problemas, o contra-ataque à lacuna deixada pela suspensão dos eventos cria uma série de oportunidades capazes de gerar um senso de parceria e valor agregado que fideliza e aproxima os fãs. Os exemplos são muitos e as oportunidades vastas, passando por uma série de vídeos com os atletas, competições online envolvendo atletas, fãs e concorrentes e, para o caso de torcedores com ingressos comprados, a possibilidade de troca por merchandise do patrocinador.
Cada uma dessas estratégias busca mitigar o impacto que a COVID-19 terá sobre o contrato, que, de uma maneira ou de outra, será inevitavelmente atingido.
Ressalvadas as previsões contratuais específicas de cada negócio jurídico, uma situação extraordinária como esta tem repercussões que podem forçar a suspensão, o reajuste do contrato ou, até, na ausência de acordo entre os envolvidos, a sua extinção.
Como maneira de acomodar o impacto da COVID-19 no contrato, além de pensar em estratégias conjuntas para substituição das ações originalmente previstas e compensação dessas variações no preço (seja via diferimento do pagamento ou diminuição do valor), os envolvidos poderiam, ainda, negociar a suspensão do negócio jurídico, com a postergação do seu prazo de vigência, já que tais contratações são firmadas, via de regra, por prazos determinados ou atreladas a determinados eventos.
Não havendo ajuste, a opção que resta é justamente a mais drástica: a extinção contratual. Para essa hipótese, o Código Civil dispõe que o contrato pode ser extinto nas hipóteses dos arts. 472 (distrato), 474 (cláusula resolutiva), 476 (exceção do contrato não cumprido) e 478 (onerosidade excessiva).
O distrato seria o simples desfazimento consensual, enquanto a resilição unilateral, quando admitida em lei ou por previsão contratual, decorreria da iniciativa de apenas um dos contratantes, independente da vontade do outro. Nesse último caso, deve ser lembrada da necessidade de observância, em virtude da natureza do negócio, dos investimentos consideráveis feitos por um contratante para o seu aperfeiçoamento, que deveriam, nesse caso, ser indenizados.
A situação sob exame, em que não se pode culpar qualquer dos contratantes, afastaria a extinção do contrato com base em cláusula resolutiva por culpa ou sob a alegação da exceção do contrato não cumprido, tendo em vista que não haveria o inadimplemento culposo a justificá-las; essas hipóteses tratam da rescisão contratual, que atrai a culpa de um dos contratantes ao desfecho prematuro do negócio jurídico.
E a última forma de extinção do contrato seria pela onerosidade excessiva, isso é, quando a prestação de uma das partes se tornasse excessivamente onerosa à outra, com extrema vantagem, como ocorreria no patrocinador que tivesse que continuar ao pagamento uma prestação mensal sem a possibilidade – pela paralisação dos torneios - de veiculação de publicidade de sua marca no material esportivo de um clube de futebol.
Em qualquer uma dessas hipóteses, o patrocinador que optasse pela descontinuidade do contrato estaria, via de regra, isento do pagamento de penalidades e de perdas e danos; afinal, salvo se houver se responsabilizado nesses casos excepcionais, o contratante não responderia pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, consoante o art. 393 do Código Civil.
No futebol brasileiro, a crise decorrente da pandemia da COVID-19 não completou ainda um mês sequer. Embora seja um curto período, já afetou calendários de jogos – já muito apertados – e provocou o reexame de contratos. Apesar das Federações Estaduais prometerem – mesmo sem ter elementos para tanto – que os torneios não sofrerão descontinuidade e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e da Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol) também assegurarem, por enquanto, a realização regular das suas competições, nada está garantido.
As relações contratuais de patrocínio precisam ser imediatamente repensadas, pois a alternativa litigiosa, embora viável e, às vezes, inevitável, deve sempre ser a última a ser explorada no espectro de opções, principalmente pela natureza, custos e características dos litígios, sejam eles judiciais e arbitrais.
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*Octávio Fragata M. de Barros e Carlos Gustavo Rodrigues Reis são sócios do escritório Rennó, Penteado, Reis & Sampaio Advogados.