Passados 2 (dois) anos do trânsito em julgado do Recurso Extraordinário (RE) 330.817, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a imunidade tributária aos e-books e aos suportes destinados à sua leitura (como os e-readers), o plenário do Tribunal aprovou a edição de súmula vinculante sobre o tema1.
Em julgamento concluído no plenário virtual, em 14.4.2020, o STF, por unanimidade, aprovou a publicação da súmula vinculante 57, com a seguinte redação: "[a] imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias".
A edição da súmula vinculante traz maior segurança jurídica aos contribuintes, pois existem importantes efeitos práticos que devem ser considerados. Mesmo após a publicação da decisão proferida no RE 330.817, ainda existia a necessidade de judicialização do tema.
O alcance da imunidade tributária sobre os leitores de livros eletrônicos ("e-readers") foi amplamente debatido pelo plenário e expressamente afirmado tanto no voto condutor como na ementa do acórdão proferido no RE 330.8172. Naquela ocasião, o plenário do STF deixou claro que a imunidade se aplicaria aos e-readers, ainda que possuíssem funcionalidades acessórias.
Após o julgamento, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional editou a nota SEI 37/2018/CRJ/PGACET/ PGFN-MF, por meio da qual procurou refletir o entendimento adotado pelo STF. Apesar disso, esse entendimento não havia sido refletido pela autoridades fiscais e procuradorias estaduais.
Assim, as empresas, que comercializam os leitores de livros eletrônicos, ainda encontravam resistência por parte das autoridades fiscais, em adotar o entendimento do STF (deixando inclusive de expedirem atos normativos nesse sentido) por ocasião do desembaraço aduaneiro e/ou da comercialização desses leitores eletrônicos no mercado interno.
Em muitos casos, as autoridades fiscais insistem na alegação de que a mero acesso à internet, mesmo que limitado à busca por títulos e download de capas de livros, também afastaria a imunidade dos e-readers. Isso acabava prejudicando a aplicação da imunidade tributária na importação, pois esses argumentos acabavam sendo utilizados para desenquadrar os e-readers e, consequentemente, cobrar os impostos na operação, com a incorreta argumentação de se tratarem de aparelhos multifuncionais (como, por exemplo, a tablets, smartphones, notebooks e outros).
A aprovação da súmula vinculante põe fim a essa discussão. O voto do relator (ministro Dias Toffoli), deixa claro o entendimento de que a imunidade tributária alcança os e-readers, ainda que estejam equipados com funcionalidades acessórias, pois "eles funcionam como o papel dos livros tradicionais impressos e o propósito é justamente mimetizá-lo".
Outro ponto também a ser destacado é que ao analisar o tema, a decisão do STF faz referência apenas a imunidade dos impostos, a teor do que dispõe o texto constitucional (artigo 150, inciso VI, alínea "d"). Entretanto, vale a observação de que o racional adotado pela decisão também deveria ser utilizado para exonerar as empresas ao pagamento do PIS e da COFINS.
No caso de PIS e COFINS, a legislação estabelece a alíquota zero tanto na importação quanto na receita proveniente da comercialização no mercado interno de livros e a eles equiparados (definidos na lei 10.753/033). Portanto, a lógica utilizada pelo STF -- de que o e-reader funcionaria como o papel dos livros – deveria ser utilizada nos casos em que se disputa a aplicação da alíquota zero PIS e COFINS.
Como a exoneração do PIS e da COFINS foi feita por uma norma infraconstitucional, argumentos como aplicação literal do dispositivo são levantados pelas autoridades fiscais. Por outro lado, nota-se que o objetivo da legislação foi de exonerar a tributação PIS e da COFINS aos livros e readequar as normas infraconstitucionais a diversos princípios constitucionais, dentre eles o direito à educação (artigo 205 da Constituição Federal) e o da cultura (artigo 215 da Constituição Federal).
Esse argumento fica ainda mais claro nas emendas 55 e 59[4], apresentadas pelos deputados Federais Pedro Corrêa e Luiz Carlos Hauly, na ocasião da publicação da MP 206/2004, posteriormente convertida na lei 11.033/04 (que estabeleceram a alíquota zero de PIS e COFINS para livros).
Portanto, a decisão do STF tem muitos impactos positivos e todo o seu racional deve ser aplicado tanto aos casos em andamento quanto para as atividades de importação e comercialização desses leitores de livros eletrônicos. Esperamos que, desde já, a definição desse tema traga maior segurança jurídica e as autoridades fiscais deixem de criar obstáculos para comercialização dos leitores de livros eletrônicos.
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1 Proposta de súmula vinculante (PSV) 132.
2 "(...) 6. A teleologia da regra de imunidade igualmente alcança os aparelhos leitores de livros eletrônicos (ou e-readers) confeccionados exclusivamente para esse fim, ainda que, eventualmente, estejam equipados com funcionalidades acessórias ou rudimentares que auxiliam a leitura digital, tais como dicionário de sinônimos, marcadores, escolha do tipo e do tamanho da fonte etc. Esse entendimento não é aplicável aos aparelhos multifuncionais, como tablets, smartphone e laptops, os quais vão muito além de meros equipamentos utilizados para a leitura de livros digitais".
3 artigo 8º, § 12º, inciso XII e artigo 28, inciso VI da lei 10.865/04.
4 "A presente proposta visa a corrigir uma grande injustiça com a educação do Brasil.
Como é de conhecimento geral, grande parte do conhecimento adquirido pelos professores da sociedade brasileira em geral depende da importação de livros e periódicos, para que possamos assimilar os conhecimentos desenvolvidos externamente, sobretudo nesse mundo globalizado.
Assim, a medida estabelece a isenção das contribuições para livros e periódicos, permitindo que a sociedade aufira os conhecimentos produzidos no exterior (...)"
(Emenda 00055, de 11.8.2004)
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*Luiz Roberto Peroba é sócio de Pinheiro Neto Advogados.
*Leonardo A. B. Battilana é associado de Pinheiro Neto Advogados.
*André Torres é associado de Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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