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Impactos do covid-19 nos contratos de EPC

Dentre os setores que foram diretamente impactados pela crise deflagrada pelo covid-19, traz-se à análise o da infraestrutura e construção, cujos arranjos contratuais são mais complexos, contemplam grandes investimentos financeiros e envolvem múltiplos agentes.

29/4/2020

As incertezas decorrentes da pandemia do coronavírus (covid-19) têm impactado as relações econômicas em escala global.

No Brasil, os governos introduziram diversas medidas para conter a propagação do vírus, como o lockdown e a paralisação de atividades e serviços não essenciais. Esse cenário apresenta reflexos no cumprimento de obrigações contratuais, que pode ser prejudicado pela atual paralisação das atividades das partes, de fornecedores ou também pela escassez de insumos e materiais.

Dentre os setores que foram diretamente impactados pela crise deflagrada pelo covid-19, traz-se à análise o da infraestrutura e construção, cujos arranjos contratuais são mais complexos, contemplam grandes investimentos financeiros e envolvem múltiplos agentes.

Para a consecução de projetos de infraestrutura de grande porte, muito se utiliza o EPC – Engineering, Procurement and Construction como instrumento de contratação, para regular a forma de execução do empreendimento, os prazos, o preço, as condições técnicas e comerciais do projeto, os materiais e insumos a serem fornecidos, os seguros e garantias e as responsabilidades e riscos assumidos pelas partes – a maioria deles, há que se dizer, pelo contratado, também nomeado epecista.

Ainda que não seja possível precisar todos os prejuízos causados pela crise do covid-19 nos projetos de infraestrutura contratados na modalidade EPC, os inadimplementos contratuais, os pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos e até mesmo de resolução já são alguns dos efeitos previstos.

Muito se fala sobre o inadimplemento contratual por caso fortuito ou força maior, previsto no art. 393 do Código Civil1. O dispositivo legal indica que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. O conceito de caso fortuito ou força maior está disposto no parágrafo único desse artigo, ao determinar que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

A aplicação do instituto não será, todavia, automática e irrestrita, e dependerá da análise individual de cada contrato e dos efetivos impactos do covid-19 nas obrigações pactuadas. Além disso, é importante lembrar que o devedor que estiver em mora responderá pela impossibilidade da prestação, embora resultante de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso – é o que dispõe o art. 399 do Código Civil2.

Por sorte, os contratos de EPC costumam prever, de forma detalhada, o procedimento para se invocar o caso fortuito ou força maior, se aplicável, sendo usual a obrigatoriedade de apresentação de notificação ao contratante e a prestação de informações a ele quanto às consequências temporais e financeiras daquele evento na contratação em questão, para que as partes possam negociar eventuais ajustes contratuais. Os impactos temporais costumam ser ajustados pelo dono da obra, em atenção ao pleito (claim) de revisão do cronograma de execução tempestivamente apresentado pelo epecista. As consequências financeiras, por sua vez, tendem a ser suportadas pelas partes, nas proporções por elas sofridas.

São esperados, também, claims relacionados a alterações de custos originalmente pactuados na contratação – o chamado reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. O cabimento desse pleito dependerá não só da alocação de riscos constantes de cada instrumento, como também da comprovação, pelo epecista, dos impactos do evento aqui tratado nos custos de matéria-prima, de mão de obra, de improdutividade e indiretos. Ainda que não se possa precisar a extensão do prejuízo sofrido em cada um dos custos aqui citados, deve o contratado, de toda forma, registrar o pleito, para que, em momento oportuno, seja apurado o valor do prejuízo.

A propósito, engana-se quem pensa que o “simples” cumprimento da regulação contratualmente prevista para invocar o instituto de caso fortuito ou força maior e pleitear o reequilíbrio econômico-financeiro é suficiente para sanar os potenciais impactos decorrentes da crise do covid-19 nos contratos de EPC. A bem da verdade, espera-se muito mais das partes contratantes.

O epecista e o dono da obra devem ainda, mutuamente, mitigar os efeitos oriundos do evento de caso fortuito ou força maior e evitar que tais efeitos sejam agravados. Embora o dever de mitigar os danos não esteja expressamente previsto na legislação brasileira, ele nada mais é que uma reflexo da regra geral de boa-fé prevista no art. 422 do Código Civil3. Nos projetos de engenharia afetados pelo covid-19, cogita-se como forma de mitigar os prejuízos de custo, prazo e rentabilidade, exemplificativamente, (I) a suspensão parcial ou total da obra, caso a sua continuidade seja excessivamente onerosa, (II) por outro lado, a continuidade dos serviços diretamente não afetados pela crise, se possível, como forma evitar o atraso ainda maior no cumprimento do cronograma de execução da obra, (III) a concessão de benefícios e criação de comitês de gestão de crise e (IV) a conduta legal e cooperativa das partes. A análise específica de cada contratação indicará as melhores e mais adequadas soluções para o enfrentamento da crise e cumprimento do contrato.

Além disso, devem as partes documentar adequadamente todas as evidências relevantes envolvendo os prejuízos sofridos, sejam elas notificações, atas de reunião (virtuais ou presenciais) ou registros em diários de obras, assinados por representantes do dono da obra e do epecista.

Em vista de todas as variáveis apresentadas fica demonstrada a necessidade do estudo individual de cada contratação, a fim de que sejam observadas, dentre outras, (I) as consequências financeiras e temporais decorrentes da crise do Covid-19 no projeto de infraestrutura, (II) a possibilidade de invocação da cláusula de caso fortuito e força maior e do pleito de reequilíbrio econômico-financeiro – caso o devedor não esteja em mora com as suas obrigações, (III) as alocações de riscos e (IV) as alternativas para mitigar os prejuízos de custo, prazo e rentabilidade das partes contratantes, em respeito à boa-fé que lhes é esperada no âmbito daquele contrato. 

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1 Código Civil, artigo 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

2 Código Civil, artigo 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

3 Código Civil, artigo 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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*Luiza Porcaro P. da Costa é advogada bacharel em Direito pela PUC Minas, com atuação em Contratos e Consultoria Empresarial no Tolentino Advogados

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