Se tem assistido, com olhos apreensivos, as dramáticas consequências vivenciadas nos mais diversos setores da vida como decorrência da pandemia do coronavírus. A sociedade brasileira, surpreendida com a assombrosa velocidade de disseminação do inimigo invisível a olhos nus, na linha da tendência mundial, sente de perto os impactos ocasionados pelas providências governamentais que visam a mitigação dos danos, com base em medidas de contenção de aglomerações e, tanto quanto possível, da propagação do vírus, sob pena de gerar o apregoado colapso do sistema de saúde.
Com números cada dia mais alarmantes, a ordem continua sendo o isolamento, como em várias outras partes do mundo, de modo que não se deve sair às ruas sem que haja necessidade imprescindível; shoppings centers encontram-se com as portas fechadas; creches e escolas movimentam-se no sentido de prestar o serviço de educação via plataformas digitais; viagens e eventos são adiados, quando não cancelados; e a atividade laboral passa a ser executada, sempre que possível, em sistema home office.
Trata-se de situação de dimensões jamais experimentadas, em que se vislumbra, de um lado, providências coativas dos Poderes Públicos com fins de evitar o avanço fugaz da doença, com restrições e suspensões temporárias do funcionamento de diversas atividades. Por outro lado, vê-se a adoção de comportamentos voluntários,1 estimulados por especialistas e amplamente veiculados na mídia, reduzindo a circulação de pessoas nas ruas. O mercado de consumo sofre um achatamento e é marcado por incertezas.
No cenário de crise, o consumidor se vê rodeado de impedimentos de ordem física aos bens cujo acesso antes era quase irrestrito, esbarrando a casuística em novos e corriqueiros desafios. Com isso, desenvolvem-se e aprimoram-se alternativas várias que visam responder às demandas do consumo no momento de instabilidade. Os fornecedores se veem premidos da necessidade de se amoldar à nova realidade, para fins de garantir a rentabilidade da atividade desenvolvida e, ao mesmo tempo, suprir as necessidades dos consumidores de modo satisfatório.
Especialmente nas relações contratuais, o esforço é de que se recorra às ferramentas disponíveis do Direito Civil, cuja base principiológica, lastreada na solidariedade social e, sobretudo, na boa-fé objetiva e na função social, conclama as partes ao dever de diálogo, em busca de renegociação, antes de se empregar remédios mais drásticos, como a revisão, resilição ou resolução contratual. Nas relações de consumo, convém destacar a necessidade de estrita observância dos ditames protetivos esculpidos no Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990), com alicerce na tábua axiológica extraída da Constituição da República, que, inclusive, nos arts. 5o, XXXII e 170, V, erigiu a proteção do consumidor à cláusula pétrea do sistema jurídico brasileiro.
A rigor, ainda que os problemas produzidos pela pandemia apresentem origem comum, deve-se apartar, também em momentos de euforia, os contratos paritários daqueles de consumo. Nesses últimos, protege-se o sujeito vulnerável no mercado de consumo, com o objetivo de compensar essa vulnerabilidade, reequilibrando as relações jurídicas e assegurando o respeito estrito a` qualidade de vida e a` integridade psicofísica dos consumidores. O atual momento demanda a intermediação de soluções aptas a minimizar custos e perdas de consumidores e fornecedores, tanto quanto seja viável.
Circulam, nessa direção, propostas doutrinárias e atos normativos com o escopo de oferecer respostas às contendas atuais no âmbito das relações de consumo, dentre os quais noticia-se o PL 1.179/2020, de autoria do Senador Antonio Anastasia, apresentado pela relatora Senadora Simone Tebet, que se propõe a estabelecer o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET).
Vale dizer, a iniciativa de elaborar lei que discipline as relações de direito privado durante o período de pandemia é louvável. Além de garantir traço democrático às soluções propostas, evitando-se cauísmos e arbitrariedades, tem o mérito de afastar oportunismos, muito comuns em momentos de crise. No âmbito do citado projeto de lei, que tramita na Câmara dos Deputados, é possivel vislumbrar medidas pontuais – embora bastante significativas – de interferência nas relações de consumo, mormente no que tange ao direito de arrependimento, consagrado no art. 49 do CDC.
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