Migalhas de Peso

Cuidado com o que fala, principalmente com o que escreve

Em linguagem jurídica, “o ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, para que ele se aperfeiçoe faz-se mister que essa vontade, efetivamente, se externe livre e consciente”.

28/4/2020

Em determinada atividade diz-se que: “Quem não saber ler, vê figura. Logo, vale o que está escrito”. A intenção parece natural, porém desafia um raciocínio lógico e objetivo. Conhecer a figura é importante para identificar o objeto, sendo que o que está descrito comprova o objetivo da proposta.

Feito isso, vamos ao que interessa.

Em linguagem jurídica, “o ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, para que ele se aperfeiçoe faz-se mister que essa vontade, efetivamente, se externe livre e consciente” (magistério do saudoso civilista Silvio Rodrigues).

Se essa vontade não ocorre, falta o elemento primordial do ato jurídico, que, por isso mesmo, logicamente, não pode prevalecer. E mais. Se a vontade traz em seu bojo um defeito que a vicia, o ato por ela aparentemente gerado é suscetível de ser desfeito.

Aqui a reflexão é no sentido de alertar para o fenômeno da manifestação da vontade, seja verbal seja escrita, bem como as suas consequência no mundo exterior. Falar é um direito individual; escrever também. Todos podem falar e escrever o que bem entender.

A questão é quanto a responsabilidade pelo que se fala e escreve.

No campo do Direito Penal temos as figuras da culpa, do dolo e do erro. Diz que errar é humano. Todavia, até que ponto eles podem sofrer exclusão de ilicitude?

Segundo a doutrina comparada, o que distingue um vício do outro (erro e dolo) é que no primeiro o engano advém espontaneamente, enquanto no segundo ele surge provocado (Leon Henri e Jean Mazeuad).

A definição do inesquecível autor do antigo Código Civil – Clóvis Bevilácqua -, bem demonstra: “Dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato, que o prejudica, e aproveita o autor do dolo ou a terceiro”.

Ficou claro que a intenção do ato é prejudicar, não importando se a manifestação é verbal ou escrita. O importante é que a manifestação cause o dano. É evidente que o erro pode ser involuntário (defeito de consentimento) ou provocado (dolo).

Aqui também poderíamos falar dos efeitos jurídicos do silêncio. O silêncio também se constitui em uma manifestação da vontade voluntária. No entanto, se a lei obriga a manifestação, o silencio pode importar em concordância.

Em tempo modernos temos visto diversas manifestações nas redes sociais; imprensa; televisão etc. É importante ressaltar que a todo ato ou fato praticado e dito em sua direção, ou sobre a sua pessoa, outorga o direito de defesa em sendo contrário. Isso é o direito de defesa.

A manifestação escrita fica registrada em papel. Todavia, a fala acaba por muitas das vezes, perder-se no tempo, salvo se gravada. Se for gravada a prova fica materializada, em que pese o direito da dúvida sobre o seu conteúdo e a sua veracidade.

De sorte que, o direito de manifestação de pensamento ou opinião encontra seu limite na lei e nos costumes. Quem fala e/ou escreve deve ter em mente que poderá haver manifestação em sentido contrário objetivando provas e esclarecimentos. Daí, a carga de responsabilidade pelo que se fala e escreve deve ser sopesada na hora de se produzir a opinião ou relatar um fato.

Quanto aos efeitos danosos do ato, quando não resolvida a questão por conciliação, o caminho certamente será o do Poder Judiciário.

VIVA A DEMOCRACIA!!!

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*José Carlos Manhabusco é advogado sênior da banca Manhabusco Advogados.

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