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Os impactos do covid-19 para a iniciativa privada nos contratos administrativos

O momento pede que destinemos nossos esforços e recursos na defesa da vida e no combate a expansão do covid-19, sem que nos esqueçamos da relevância da preservação da atividade econômica, que será essencial para a retomada da normalidade da vida em sociedade após o isolamento social.

16/4/2020

O alastramento da covid-19 pelo Brasil tem dado ensejo a uma série de medidas por parte da Administração Pública da União Federal, Estados e Municípios, que afetarão as relações com a iniciativa privada, cabendo neste difícil momento a adoção de providências que priorizem a manutenção da vida e da saúde pública.

Medidas de preservação da atividade econômica também tem sido objeto de atenção do Poder Público, considerando que após o período de expansão da covid-19, virão as fases de estabilização e retração do contágio com o retorno às atividades normais da sociedade.

Os desafios e dificuldades a serem enfrentados durante esse interregno terão, portanto, implicações nos contratos administrativos e nas demais atividades desenvolvidas pelo Poder Público. A postura mais prudente para a iniciativa privada neste momento é o conhecimento das regras adotadas para os próximos meses e seus desdobramentos futuros, com vistas a colaborar com o interesse público dentro de parâmetros de possibilidade e razoabilidade.

Apresentamos nos itens abaixo alguns comentários e reflexões sobre os impactos da lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 (lei 13.979/20) no regime das contratações administrativas sem a pretensão de esgotar os assuntos. 

A lei 13.979/20 foi promulgada para dispor sobre as medidas para enfrentamento das situações de emergência de saúde pública decorrentes da expansão de contágio da covid-19 em território brasileiro. O diploma legal veicula regras sobre questões organizacionais e sanitárias, cabendo destaque para nossa analise seus aspectos contratuais, como por exemplo, a nova forma de dispensa de licitação e outros tópicos que se encontram nos seus arts. 4 a 4-I.

Afirma o art. 4º da lei que é dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública relacionada ao covid-19, em caráter temporário e apenas enquanto perdurar o estado de excepcionalidade. As contratações ou aquisições deverão ser disponibilizadas em site oficial, contendo, no que couber, informações sobre o nome do contratado, o prazo contratual, valores envolvidos, dentre outros dados.

É possível ainda, a contratação de fornecedores e prestadores de serviços que estejam em situação de inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, da única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

Importante destacar, também, que a aquisição de bens e a contratação de serviços para atender a situação de crise não se restringe a equipamentos novos, sendo possível o dispêndio de recursos públicos com aparelhos usados, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido.

Um dos pontos que merece bastante atenção por parte dos gestores estatais e dos particulares é o relacionado à instrução processual com termo de referência e projeto básico simplificados, com a possibilidade de dispensa de estimativa de preços, e mesmo naqueles casos em que esta seja realizada, é possível a contratação com valores superiores naquelas situações de oscilações ocasionadas por variações de mercado, desde que seja inserida a devida justificativa nos autos. Trata-se de medida que privilegia os princípios da solidariedade e de preservação da vida sobre a economicidade.

Nos casos restrição de mercado, a Administração Pública pode excepcionalmente e mediante justificativa no processo, dispensar a apresentação da documentação de regularidade fiscal e trabalhista e o cumprimento de requisitos de habilitação, ressalvada a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS.

Os contratos regidos pela lei terão prazo de duração de até (6) seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública.

Temos, assim, uma legislação bastante flexível em termos de contratações públicas, circunstância que pede especial atenção tanto por parte dos agentes públicos envolvidos nas atividades de combate a pandemia de covid-19, quanto dos particulares fornecedores e prestadores de serviços.

Por óbvio estaremos diante de situações calamitosas em que a preservação da vida não permitirá o gasto de dias, ou mesmo horas, para trâmites burocráticos de contratação, e confiamos que os órgãos de controle farão esse exame no uso dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, caso a caso. Mas outras situações podem levar a equívocos interpretativos arriscados sob o aspecto legal.

A existência de um Decreto estadual ou municipal declarando situação de emergência não é um salvo conduto genérico para contratações emergenciais com base no art. 24, IV da lei 8.666, de 21 de junho de 1993. É preciso que esteja efetivamente configurada uma situação de calamidade para a realização desta modalidade de contratação. Inclusive, a lei 13.979/20 em seu art. 4-B presume que para as contratações realizadas sua égide estão atendidas as condições de (I) situação de emergência; (II) necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; (III) existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e (IV) limitação da contratação às parcelas necessárias ao atendimento da situação de emergência.

Por fim, apesar de não se tratar de contratação, mas de instituto de direito administrativo que manifesta em sua plenitude o poder de império unilateral do Estado, o art. 3, VII da lei 13.979/20 permite a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, com pagamento posterior de indenização.

O art. 3, VIII confere, também, a autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde estes sejam registrados por autoridade sanitária estrangeira, e estejam previstos em ato do Ministério da Saúde.

Portanto, a flexibilização das contratações no regime da lei 13.979/20 são temáticas, limitadas e temporárias, exigindo especial atenção dos gestores e operadores do direito.

O aumento dos casos de pessoas infectadas e de óbitos pelo covid-19 levará a impactos diretos nos contratos administrativos, tanto pelo Poder Público quanto pela iniciativa privada. Iremos nos deparar, portanto, com casos em que empresas terão dificuldade em executar os escopos por dificuldade na obtenção de insumos e materiais necessários ao desenvolvimento das atividades pelos particulares, como na escassez de recursos para a adimplemento das obrigações pelo erário.

Não há qualquer celeuma interpretatória para se constatar que o advento do covid-19 é uma circunstância superveniente inesperada, ou em outra interpretação, circunstância superveniente previsível, mas de consequências incalculáveis. Para esta análise especificamente basta que tenhamos em mente que se trata de um fato não previsto originalmente que poderá levar a mora parcial ou total do contrato, sendo retardador, dificultador, ou mesmo obstáculo instransponível a continuidade da execução do escopo até seu exaurimento natural: sua conclusão.

Este cenário pode levar por um lado à pretensão de aplicação de penalidades por parte do Poder Público em razão de alguma dificuldade de execução dos contratos, que no juízo da Administração Pública, seja passível de reprimenda. Por outro lado, é preciso que as empresas tenham em mente que o covid-19 pode ser encarado como fator de rompimento do equilíbrio econômico financeiro contratual, o qual deve ser preservado por força direta da Constituição Federal e dos diversos diplomas legais que regulamentam as contratações públicas.

As situações praticas serão das mais diversas a exigir redobrados cuidados por todos os envolvidos, Poder Público contratante, iniciativa privada e órgãos de controle, com vistas a conciliar a indispensável defesa da sociedade no combate ao covid-19, as futuras medidas de controle das despesas que serão realizadas e a preservação das empresas e da atividade econômica.

Cabe destacar, também, que as contratações deverão observar as formalidades já existentes na legislação administrativa de controle, bem como as disposições da nova lei, e somente nos casos extremos ser realizada com o mínimo de informalismo possível. É preciso ter em mente que após a superação da situação de crise todos as despesas públicas, inclusive as assumidas com base na legislação de combate ao covid-19, serão objeto de exame e controle por parte dos tribunais de contas.

Em nenhum momento tivemos revogação, total ou parcial, de quaisquer das formas de controle da despesa pública pelas controladorias internas ou pelos tribunais de contas dos estados ou da União Federal. Tampouco flexibilização dosa parâmetros de controle das cortes de contas.

Assim, é de suma importância que tanto empresários que tenham contratos em vigência, quanto aqueles que venham a firmar ajustes nestes períodos tenham atenção redobrada com o cumprimento da legislação e das condições contratuais levando-se em conta o costumeiro rigor dos órgãos de controle.

O momento pede que destinemos nossos esforços e recursos na defesa da vida e no combate a expansão do covid-19, sem que nos esqueçamos da relevância da preservação da atividade econômica, que será essencial para a retomada da normalidade da vida em sociedade após o isolamento social.

Fazemos assim as seguintes recomendações aos nossos clientes que possuam contratos administrativos em vigor, ou que venham a firmar vínculos durante o período:

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*Marcus Vinicius Macedo Pessanha é sócio coordenador da área de Direito Administrativo, Regulatório e Infraestrutura do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados.

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