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Vale a pena cogitar um regime extraordinário para as concessões e PPS em tempos de covid-19?

Um regime extraordinário e transitório – como aqui proposto – pode auxiliar no incremento da segurança jurídica e, principalmente, nos aspectos substantivos e materiais para que esse “salvamento” das concessões ocorra da melhor maneira possível, com prestígio da cultura negocial e relacional nos negócios públicos de infraestrutura

15/4/2020

No dia 3 de abril de 2020, a Comissão de Direito Público da OAB-RJ promoveu relevante debate a respeito dos efeitos da pandemia do covid-19 sobre o equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos, mais especificamente dos contratos concessionais de infraestrutura1.

Na oportunidade, tivemos a honra de debater com os professores Bruno Navega e Egon Bockmann Moreira, dentre outros relevantes temas, a possível introdução, no cenário nacional, de uma regulamentação geral (medida provisória) capaz de fornecer arcabouço jurídico impulsionador de um desejável cenário de consensualidade, que concluiu-se fundamental para dar soluções justas e eficientes aos inevitáveis impactos econômicos da crise sanitária vivida, sobretudo no tocante a contratos de infraestrutura.

Para os fins do presente trabalho, vale dizer que o debate, realizado em ambiente informal e fraterno, apresentou dois entendimentos.

De um lado, a desnecessidade de um regime jurídico específico para viabilizar negociações, ainda que em situações extraordinárias, considerado o cenário normativo atualmente existente, mais precisamente a partir de uma cláusula geral de negociação extraída do art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (com alterações promovidas pela lei 13.655/18)2.

No lado oposto, foi apresentada a tese que, embora sem afastar a possível e válida utilização dos espaços existentes no cenário normativo atual, defendeu o caráter positivo da introdução de um regime de direito público específico para dar sustentação e incentivar a criação de um ambiente propício a negociações, que certamente exigirá alto grau de criatividade e inovação num cenário sombrio de escassez de recursos público e privados, no período pós-crise sanitária.

A segunda linha de pensamento, da qual fomos defensores, parte de objetivos semelhantes aos encontrados no PLS 1.179/203, de autoria do senador Antônio Anastasia, por meio do qual se busca introduzir um Regime Jurídico Emergencial Transitório das relações jurídicas de direito privado durante o covid-19.

O projeto de lei tem como características: a) suspensão de prazos prescricionais; b) restrição à realização de assembleias e reuniões presenciais; c) limita a resolução de contratos por onerosidade excessiva; d) suspende aplicação do arrependimento por compra previsto no CDC; e) fixa a prisão domiciliar para débitos com pensões alimentícias; f) suspende preceitos específicos do direito da concorrência; e g) adia a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, dentre outros aspectos.

A despeito das possíveis críticas pontuais ao projeto de lei (que não serão objeto de enfrentamento), consideramos que nele há uma premissa positiva, capaz de ser transplantada para o direito administrativo da infraestrutura: a de que situações extraordinárias, sobretudo no campo do equilíbrio econômico de contratos administrativos, devem ser substancialmente juridicizadas, ainda que pela introdução de regime especial e transitório.

Ao longo do presente texto, que tem por única finalidade provocar reflexões iniciais em contexto de incerteza (e naturalmente muitas dúvidas), apresentaremos alguns fundamentos para a apontada juridicização, em caráter geral, de aspectos materiais da intransponível necessidade de adaptação de contratos de infraestrutura aos efeitos de crises e eventos extraordinários que rompam a base objetiva de negócios jurídicos celebrados pelo poder público e que, para tanto, necessitem de um cenário propício para soluções consensuais e cooperativas entre atores públicos e privados.

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1 A íntegra do evento se encontra disponível em: Clique aqui .

2 Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.” Disponível em: Clique aqui Acesso em 07.04.20.

3 Projeto de lei 1.117, de 2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (covid-19). Disponível em Clique aqui. Acesso em: 06.04.20.

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*Flavio Amaral Garcia é professor de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas. Sócio do Escritório Juruena e Associados. Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

*Rodrigo Zambão é professor de Direito Administrativo. Sócio do Escritório Juruena e Associados. Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

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