O Governo Federal editou, em 1º de abril de 2020, a MP 936/2020 que, entre outras alternativas de enfrentamento da crise decorrente da pandemia de covid-19, autoriza que empresas e empregados ajustem, por meio de negociação individual ou coletiva, conforme a faixa remuneratória, a redução da jornada de trabalho com consequente diminuição dos ganhos remuneratórios totais do empregado e/ou a suspensão do contrato de trabalho.
Para os trabalhadores que, hoje, (a) recebam até R$ 3.135,00 ou que (b) tenham nível superior e aufiram mais do que R$ 12.202,12 de remuneração, a MP 936/2020 explicitamente permite a implementação da redução de jornada e salário ou da suspensão contratual por meio de acordo entre empresa e trabalhador. O ajuste individual também é tido, pela MP 936/2020, como meio válido de implementação de uma redução de jornada de 25%, nesta hipótese não importando o patamar remuneratório.
Ou seja, apenas para uma parte dos trabalhadores é exigida, pela MP 936/2020, a negociação coletiva para que haja redução de jornada e salário e/ou suspensão do contrato de trabalho, durante o período de crise e observados os limites temporais específicos das alternativas tratadas.
A validade dessas disposições já é objeto de controvérsias. É juridicamente defensável, porém, com excelentes razões, a validade de acordos individuais para a implementação dos instrumentos ora discutidos.
Sob essa perspectiva, as circunstâncias excepcionais que vivemos lastreiam a autorização legal aqui discutida, ainda mais quando as medidas integram um programa estatal de combate aos efeitos da crise, com aporte de recursos públicos e acréscimo de garantia ao contrato de trabalho (por meio de temporário aumento dos custos de uma possível demissão sem justa causa). Não se devem perder de vista, ainda, para reforçar os argumentos, os reduzidos limites temporais das medidas, a exigência de manutenção do salário-hora e a imposição de ciência prévia dos entes sindicais quanto aos ajustes.
É um dado de realidade que o estado de calamidade hoje vivido apontaria, como possível alternativa a medidas como aquelas ora debatidas, o simples desemprego em massa, muito provavelmente com inadimplemento de verbas rescisórias em larga escala, situação que seria socialmente desastrosa. Uma análise pautada em critérios jurídicos de necessidade, idoneidade, proporcionalidade e razoabilidade poderá, portanto, resultar nesse juízo de constitucionalidade das soluções em tela.
Não se deve, porém, perder de vista que a discussão judicial desses acordos individuais referidos ocorrerá em demandas futuras, individuais ou coletivas, quando então, distantes do calor da hora, certamente serão invocados o princípio da proteção ao trabalhador e a garantia de irredutibilidade salarial, dentre outros.
Aliás, antes ainda que a MP 936/2020 contasse com vinte e quatro horas de existência, já se teve notícia do ajuizamento, pelo partido Rede Sustentabilidade, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363 contra seus dispositivos, distribuída ao ministro Ricardo Lewandowski. Na ação, conforme informa o site do STF, a Rede argumenta que a medida afronta os princípios constitucionais antes mencionados, violando ainda os princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho e as Convenções 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tratam da negociação coletiva.
Não é possível, hoje, antever, com razoável segurança, qual será, ao final, o entendimento prevalecente em controvérsias acerca do tema. E, mesmo quando se conhecer essa interpretação jurídica dos fatos, terão ocorrido decisões individuais definitivas em vários sentidos.
Não é demais lembrar, ainda, que a autorização de que ora se trata está expressa em medida provisória, espécie normativa caracterizada pela instabilidade. Importante não perder de vista, então, ao deliberar sobre a estratégia empresarial de sobrevivência em face desta crise sem precedentes, que a MP pode ser alterada pelo Congresso Nacional e que, inclusive, perca sua eficácia pela simples superveniência de caducidade.
Por esses motivos, a recomendação enfática que se faz é no sentido de que as empresas invistam tanto quanto possível (e ainda mais um pouco...) em obterem autorização por norma coletiva para que implementem a redução de jornada e salário ou a suspensão dos contratos de trabalho. Primeiro, porque é indiscutível a validade constitucional das medidas quando fundadas em disposição coletiva. Segundo, considerando que a previsão em norma coletiva suplantaria até mesmo a instabilidade da medida provisória. Terceiro, porque apenas por meio de norma coletiva se poderá alcançar solução que abarque todos os trabalhadores da empresa. Quarto, finalmente, porque a autorização em norma coletiva afastará o risco de discussão individualizada da ocorrência de vícios de consentimento nos casos concretos.
O momento exige prudência e rejeita voluntarismo ou aventuras.
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*César Caúla é sócio de Mello Pimentel Advocacia e Procurador do Estado e Pernambuco.