Muito se tem falado e discutido a respeito das consequências da pandemia do coronavírus na economia mundial e, particularmente, na brasileira. O binômio saúde/economia caminha lado a lado e interligado umbilicalmente ao sistema estrutural do governo. Não são frentes estanques e sim integradoras. No caso, porém de desagregação, como acontece no distanciamento social estabelecido no rol das medidas preventivas de combate ao covid-19, traz, de um lado, benefícios no resguardo da saúde, mas, por outro, inevitáveis prejuízos para a atividade financeira e econômica.
Mas se a economia brasileira vinha caminhando com sobriedade e visíveis sinais de recuperação, a saúde, pelo contrário, jazia abandonada num leito de UTI, com parcos e limitados recursos. Bastou a retirada do véu para se sentir a profundidade das incorrigíveis e devastadoras chagas do sistema.
Percebeu-se, sem qualquer dificuldade, como a triste morte anunciada, que a rede hospitalar pública se apresentava como indefesa anã diante do tsunami do vírus, foi envolvendo e arrastando os países mais ricos, flagelando-os com um número incalculável e expressivo de mortes, sem respeitar os limites de idade.
Daí que, de forma urgente, num toque mágico de recursos, que há muito deveriam ter sido alocados, foram ampliados e adaptados muitos hospitais, além das construções de hospitais de campanha e tendas hospitalares para atendimentos de casos de média e alta complexidade. Também, na mesma velocidade, abriu-se canal de comunicação com vários países para aquisição de insumos, instrumentos e aparelhos necessários.
Sem falar, ainda, da acelerada corrida para pesquisas envolvendo seres humanos - até então adormecidas num país que conta com excelentes profissionais - para buscar medicamentos novos ou combinando a eficácia e conjugação de outros existentes, além da leitura do genoma estrutural do covid-19, pesquisas com células-tronco, vacinas e outros mais.
Por fim, a própria população brasileira, a uma única voz, num ritual que campeou por todo país, saudou com aplausos merecidos os profissionais da saúde que, muitas vezes sem o equipamento de proteção individual (EPI), tão necessário que a muitos derrubou, assistia com toda dedicação os pacientes, desde aqueles que se encontravam contaminados recentemente, como os afunilados no estertor da morte.
Entre o acudir a saúde humana e a economia, pelo menos neste momento mais crucial, conforme se vê das cautelas propagadas pela Organização Mundial da Saúde, é de prevalecer a primeira opção. Do contrário, da junção da abertura da dupla proteção, cria-se um círculo vicioso e sem fim que provocará constantes segregações em razão da proliferação direta do vírus. A pessoa saudável vai exercer sua profissão, assumir seu trabalho ou incrementar seu comércio ou negócio, no contato com outras pessoas pode adquirir o vírus e passa a ser mais um agente propagador, colocando em risco a saúde de muitas outras pessoas, em uma progressão infinda.
Na realidade - essa é a intenção das autoridades de saúde e sanitaristas - o objetivo é impedir a propagação do vírus e a disseminação da doença ao mesmo tempo, no pico de sua infestação, porque a primeira baixa a ser anunciada será a do próprio sistema de saúde, que ainda não está suficientemente preparado para atender uma pandemia desta grandeza. O discurso médico no caso em questão é tamanho que não cabe nem antítese. Encerra, em si mesmo, a síntese.
É certo que se trata de uma situação anômala. Apesar de quase toda estrutura estar sendo providenciada nesta oportunidade, falta ainda o olhar organizacional, aquele que vai estabelecer a modulação necessária de atendimento e recuperação. O que não foi edificado antes com folga é penalizado agora pela precipitação.
Do ponto de vista bioético, no entanto, a resposta é uma só. A situação gerada pela pandemia, afetando a vida das pessoas e com reflexos diretos na saúde pública, passa a ser também um tema bioético em sentido amplo, de vital importância. Assim, a dinâmica imposta pela Organização Mundial da Saúde aconselhando o confinamento em massa nada mais é do que um procedimento de preservação da vida, uma das metas da Bioética.
Pode-se até dizer que se busca um resultado multidimensional em que o cidadão se compromete a se manter segregado, em razão do benefício significativo que lhe será proporcionado e, também, por ser uma medida justa, visto que adquire especial relevo quando este benefício for compartilhado por toda comunidade.
Há o tempo da convivência coletiva, espaço insubstituível do homem gregário. E o tempo de segregação temporária necessária, como o presente.
É a história da humanidade.
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