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Covid-19: Já deveria haver o adiamento das eleições de 04.10.20?

Naquilo que nos interessa, é de se dizer que não há espaço para escolhas políticas que não sejam pautadas e governadas pela racionalidade científica. O estado legislativo, judiciário e executivo age por meio de um processo, que antes de ser devido, justo e adequado, é racional, eficiente, lógico

9/4/2020

Escrevo para o Migalhas no dia 08.04.20 com as informações técnicas e científicas sobre o covid-19 atualizadas na data de hoje, e, tendo em mãos o conhecimento da legislação nacional vigente sobre o assunto. Aliás, legislação esta, temporária, que também foi editada – a despeito de opiniões contrárias - com base em dados técnicos e científicos emanados da OMS.

Como ainda estamos num cenário escuro sobre a pandemia, e de certa forma tateando sobre os caminhos e soluções que devam ser tomadas, direcionados com base em algumas certezas científicas, revela-se prudente que qualquer escolha política – inclusive a que intitula este ensaio - seja feita com base em critérios racionais, lógicos e científicos.

Dentre várias reflexões que devem ser feitas AC/DC (antes e depois do covid-19) uma delas é, certamente, a renovação do movimento cienticifista, só que agora, sem o injusto baralhamento com o positivismo, e, sem a tentativa equivocada de que deveria também dominar as artes e a cultura.

Neste passo, naquilo que nos interessa, é de se dizer que não há espaço para escolhas políticas que não sejam pautadas e governadas pela racionalidade científica. O estado legislativo, judiciário e executivo age por meio de um processo, que antes de ser devido, justo e adequado, é racional, eficiente, lógico.

Se este mantra – racionalidade técnica e científica do processo de escolhas de políticas sanitárias - que está sendo levado em consideração neste momento de pandemia por quase todos os países do mundo, fosse também sempre determinante em todas as escolhas de governo, certamente que, por exemplo, nenhuma política sanitária deixaria de ter por base fundante o saneamento básico, assim como a educação seria ponto de partida de qualquer política pública.

Mas o que isso tem a ver com o adiamento/não adiamento das eleições? Tudo, eu diria. Na verdade, não somos contra o adiamento das eleições, desde que esta escolha seja feita com suporte na racionalidade mencionada alhures. Ora, por que estamos sem poder ir ao cinema, as escolas estão fechadas, os shopping lacrados, os shows cancelados, etc? Simplesmente porque há razões lógicas e técnicas para se concluir que o isolamento social é, neste momento, uma das formas de evitar o contágio desenfreado e o colapso do sistema de saúde. Tais decisões refletem escolhas políticas que não são fruto do opiniões, mas de uma imposição científica que se não for cumprida pode levar a mortes de pessoas.

Assim, para que neste momento se possa decidir se as eleições locais que estão programadas para 04 de outubro de 2020 devam ser adiadas é preciso entender, primeiro, o que é o processo eleitoral e, segundo, qual o calendário eleitoral previsto até a data mencionada acima. Sem isso, o que se tem é mera opinião particular, ponto de vista subjetivo, e, em linguagem popular, achismo.

Bem, o processo eleitoral é, já escrevemos, o conjunto de todos os atos jurídicos eleitorais concatenados e realizados em sequência lógica, sucessiva, onde o fim de um ato significa o ponto de partida de outro subsequente. O “todo” forma o processo eleitoral, mas cada ato em particular é fundamental para a sequência da cadeia. Termina um ato, começa outro. Todos no conjunto formam o processo eleitoral. Assim, por exemplo, a filiação partidária é um ato jurídico eleitoral que antecede a convenção partidária que também é ato eleitoral que antecede o registro da candidatura, que antecede a propaganda eleitoral que também é ato eleitoral, que antecede as eleições que também é ato eleitoral, etc., até se chega ao ato final que é a diplomação dos eleitos.

Já o calendário eleitoral é, como o nome indica, intuitivamente, todas as datas (dia, mês e ano) previstas pela legislação eleitoral para a realização dos respectivos atos eleitorais que, em conjunto e em sequência, formam o processo eleitoral. Assim, por exemplo, a data do ato eleitoral das eleições está marcada para o dia 04 de outubro de 2020, e, a data limite para a diplomação dos eleitos é o dia 18.12.20.

Feita esta explicação é preciso saber quais os atos eleitorais integrantes do processo eleitoral que teremos na sequência deste mês de abril, do mês de maio, de junho, julho etc. para saber, com racionalidade e segurança, se é necessário alterar a data das eleições do dia 04.10.20. Qualquer cidadão pode consultar calendário eleitoral disponibilizado pelo site do TSE onde sucintamente se identifica qual ato deve ser realizado em qual dia, mês e ano.

Atento a esta situação a atual presidente do TSE, ministra Rosa Weber, editou a portaria TSE 242/20 com a finalidade de “compilar dados e projetar os impactos da pandemia do novo coronavírus nas atividades da Justiça Eleitoral vinculadas às eleições do corrente ano, em especial quanto às condições materiais para a sua implementação”, o que será feito por meio de um grupo de trabalho cujos nomes constam da portaria 244. Por meio desta iniciativa a presidência do TSE deverá ser alimentada por informações quase que diárias sobre os problemas, as demandas, as dificuldades de organização e gestão informadas pelos TREs no âmbito de suas atuações.

Assim, lendo o calendário eleitoral de hoje em diante poderemos ver, sem sustos, que parece muito cedo e imprudente decidir ainda no mês de abril pelo adiamento das eleições.

Curiosamente, e paradoxalmente àqueles que afoitamente pedem o adiamento imediato das eleições, é importante lembrar que criticamos muito (Curso de Direito Eleitoral. Salvador: Podivm, 2018) a opção do Congresso Nacional de na última reforma eleitoral ter encurtado o tempo de campanha eleitoral apertando e condensando os prazos dos atos eleitorais (da definição dos candidatos, passando pelo registro, as impugnações, a propaganda até as eleições), pois sempre entendemos que esta redução do tempo de campanha poderia interferir na liberdade do processo de escolha, ou seja, a redução do tempo para cognição do candidato poderia aumentar a chance de o eleitor votar em alguém que não teve tempo suficiente para avaliar. Esse discurso de adiamento imediato vai de encontro a opção recente de ter encurtado o tempo de campanha eleitoral, amontoando atos importantes entre julho ao início de outubro quando ocorre o 1º turno.

Em nosso sentir, considerando os atos eleitorais previstos no calendário eleitoral para os meses de abril, maio e junho e considerando ainda o estágio de conhecimento sobre a pandemia, seguimos a linha comedida já noticiada pelo futuro presidente do TSE no começo desta semana, ministro Luís Roberto Barroso, para quem, sem descartar um possível adiamento, confirmou que ainda é cedo para traçar qualquer cenário futuro, não deixando de reiterar que uma eventual decisão cabe ao Congresso Nacional, que, acrescento, deve ser racional e lógica como todo e qualquer ato estatal.

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*Marcelo Abelha Rodrigues é pós-doutorando em Direito Processual Universidade de Lisboa. Doutor em Direito PUC-SP. Mestre em Direito PUC-SP. Professor da Graduação e Mestrado da UFES. Advogado e Consultor Jurídico do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues – Advogados Associados.

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