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A pandemia jurídica das tutelas provisórias

Aumento no número de pedidos demanda estratégia processual sólida para o deferimento de medidas urgentes.

8/4/2020

A disseminação do novo Coronavírus tem desencadeado impactos sem precedentes na história humana. A reclusão em quarentena, o fechamento de fronteiras e o isolamento de cidades são apenas alguns dos fatores que geraram enorme abalo na economia global. 

Os mais diversos setores foram afetados pela pandemia, fato que demandou medidas extremas de vários órgãos e autoridades. A comunidade jurídica não fugiu à regra: Inúmeras instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e os Tribunais de Justiça se viram forçados a adotarem medidas de contenção e restrição, como o cancelamento de eventos e reuniões.

Com o agravamento da situação em todo o território brasileiro e as novas orientações de segurança estabelecidas pelas autoridades de saúde, no último dia 19/03 o presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Dias Toffoli, expediu a Resolução nº 3131. Esta estabelece o Plantão Extraordinário para o Poder Judiciário (com exceção ao Supremo Tribunal Federal e à Justiça Federal), visando a uniformização dos serviços, a prevenção ao Covid-19 e a garantia do acesso à justiça nesse período atípico. 

Além de determinar a paralisação dos trabalhos presenciais, a resolução suspendeu todos os prazos processuais até o dia 30/04. Ocorre, contudo, que a referida suspensão não obsta a prática de atividades jurisdicionais de urgência, como a realização de alguns pedidos de busca e apreensão e a apreciação de tutelas provisórias.

O Código de Processo Civil tratou de regular as tutelas provisórias nos arts. 294 a 311 do Livro V de sua Parte Geral. As tutelas provisórias são aquelas necessárias nos casos em que a duração do processo e a espera pela tutela principal satisfativa pode gerar prejuízo, ou risco de prejuízo, a uma das partes. 

A demora na prestação jurisdicional cria uma situação injusta, visto que o atraso na análise do pedido reverte-se em vantagem ao litigante que não está com o direito em risco. É em função desta desvantagem que as técnicas de sumarização do procedimento, como as tutelas provisórias, são tão importantes. As tutelas provisórias fundamentam-se em evidência ou urgência. Ante as circunstâncias contemporâneas, o presente artigo se propõe a analisar a tutela de urgência.  

Para obter uma tutela provisória de urgência cabe a parte interessada demonstrar a probabilidade do seu direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). Preenchidos tais requisitos, é reservado ao magistrado conceder, ou não, a tutela, que poderá ter natureza cautelar ou antecipatória. Quando antecipada, a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente (inaudita altera parte) ou após audiência prévia de justificação. 

A definição da natureza da tutela concedida cabe ao magistrado, por meio de seu “Poder Geral de Cautela” (PGC). O PGC é garantido pela redação do art. 297, e consiste na discricionariedade do juiz para determinar as medidas que considerar mais adequadas para a devida efetivação da tutela, de modo que sua decisão não está restrita apenas ao deferimento ou indeferimento dos pedidos efetuados. 

A análise feita pelo magistrado nestes casos não é de certeza, mas de verossimilhança, pois é necessária a demonstração que o direito invocado está em risco e que é plausível o deferimento integral ou modulado da tutela pleiteada.

A atual conjuntura em que o mundo se encontra indica um provável crescimento exponencial, ao menos no curto prazo, do número de requerimentos de tutelas provisórias de urgência. Isso pois a situação “facilita” a obtenção dos requisitos necessários, especialmente no que tange ao periculum in mora.

Diante de tal cenário, os advogados precisam estar preparados e instruídos quanto a persecução desse tipo de medida e, assim, proporcionarem o melhor patrocínio possível a seus clientes. Para tanto, o conhecimento e a utilização de estratégias processuais apresentam-se como elementos cruciais na litigância contenciosa, e podem ser um diferencial importante para a obtenção de uma tutela provisória de urgência.  

Primeiramente, os procuradores devem estar cientes que o sistema jurídico brasileiro visa garantir às partes um resultado que lhes seja útil, evitando que uma sentença inaproveitável seja proferida. Nesse sentido, existem diversas situações onde as tutelas de urgência, conservativas ou satisfativas, acabam por se confundir, ainda que existam diferenças substanciais entre suas definições. Por tal razão o CPC permite que o magistrado entenda pela fungibilidade das tutelas, uma vez que estas visam justamente servir como providência para combater a demora na prestação jurisdicional e o risco ao resultado do processo.

Ainda, a combinação do art. 296 (caput e parágrafo único) com o art. 297 (caput) garante a “não preclusão da tutela” e o poder do juiz para, a qualquer tempo, conceder uma tutela.

Logo, nesse período conturbado em que nos encontramos, é possível que em um processo em que já houve decisão referente à uma tutela provisória de urgência surja um fato novo (ligado ao Coronavírus) capaz de gerar perecimento de direito, o que garante às partes a possibilidade de requerer a reanálise da tutela (concedida ou não) pelo magistrado, o qual poderá, a seu critério, rever sua decisão “original”. 

Ocorre que tem sido corriqueira no judiciário nacional a prática da postergação da análise de tutelas provisórias (mesmo as de urgência), muitas vezes realizada de forma infundada e sem sentido. Diante do evidente prejuízo que a postergação tem frente a um pleito de urgência, importa mencionar que esse tipo de decisão é agravável, nos termos do inciso I do art. 1.015 do CPC, e dessa forma pode ser submetida à análise do Tribunal de Justiça competente, o qual poderá, a depender do corrente adotada, decidir sobre a matéria ou indicar ao juízo a quo a necessidade de decisão imediata. Tal movimento é essencial pois dá maior celeridade à apreciação da medida. 

Existe, contudo, uma explicação lógica para o grande número de postergações. Devido à alta satisfatividade que algumas tutelas podem possuir e o consequente perigo de irreversibilidade da medida concedida, por vezes muitos magistrados têm receio em deferir pedidos urgentes. Por isso, o CPC imputa aos juízes o dever de verificar a possibilidade de “dano reverso” ocasionado pelo deferimento da tutela. 

Uma vez que a concessão de uma tutela provisória gera perda a uma das partes, cabe ao magistrado sopesar a qual das partes recairá maior prejuízo, realizando uma análise bilateral da situação e visando evitar que sua decisão gere mais problemas do que soluções. 

Para evitar a postergação desse tipo de decisão é possível utilizar-se da estratégia da cumulação sucessiva de pedidos. A cumulação de pedidos de forma sucessiva consiste na realização de um pedido principal e de outros, subsidiários, com ordem de preferência, em caráter de prejudicialidade (o pedido subsidiário/posterior apenas será conhecido em caso de não conhecimento do pedido principal/anterior) e também apresenta-se como uma forma de oferecer mais segurança ao magistrado e orientar sua decisão, convencendo-o de que a concessão da medida é viável e necessária. 

Uma forma simples e didática de se vislumbrar a cumulação sucessiva de pedidos em uma tutela provisória de urgência é requerer, primeiramente, a concessão da medida de forma liminar; em caso de negativa, solicitar o agendamento de justificação prévia; e, em a caso de nova negativa, caucionar algum bem (cautela) com o intuito de garantir a reparação de eventual dano gerado à outra parte pela efetivação da tutela. 

Por fim, é crucial que a parte requerida entenda que também tem à sua disposição formas de blindar-se da tutela provisória perseguida. Além da já mencionada possibilidade do requerimento de revogação da tutela a qualquer momento do processo, é possível orientar e convencer o magistrado a não conceder a medida pleiteada oferecendo uma contra-cautela (conforme combinação do § 3º do art. 300 com o art. 302), isto é, oferecer ao juízo um bem que garanta a lide.  

Percebe-se, portanto, que existem diversos meios os quais possibilitam que advogados promovam requerimentos de tutelas provisórias de urgência extremamente consistentes. Em um ambiente onde a quantidade será regra a diferenciação pela qualidade será peça-chave para a obtenção do resultado pretendido.

No futuro incerto que nos aguarda, garantir medidas urgentes apresenta-se como mais um grande desafio àqueles que militam nos tribunais brasileiros. Certamente, o (in)deferimento de tutelas será determinado no detalhe, razão pela qual as circunstâncias favorecem os mais preparados, que possuem uma atuação consciente e planejada baseada em uma estratégia de convencimento sólida.

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1 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/Resolução-nº-313-5.pdf

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*Arthur Bobsin de Moraes é advogado na Cavallazzi, Andrey, Restanho & Araújo. Mestrando em Direito na UFSC. Especialista em Direito Administrativo pela PUC Minas. Conselheiro Estadual da Juventude de SC. Presidente da Comissão da Jovem Advocacia da OAB/SC.

*Tobias Pereira Klen é advogado na Paulo Bornhausen Advocacia. Pesquisador na área de Direito Empresarial UFSC/CNPq. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Empresarial da UFSC (GEPDE/UFSC). Membro do Núcleo de Pesquisa em Propriedade Intelectual da UFSC (NUPPI/UFSC).

 

 

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