No dia 26 de março de 2020, o Ministério da Economia publicou a IN n. 28, que veda “o pagamento de adicionais ocupacionais de insalubridade, periculosidade, irradiação ionizante e gratificação por atividades com Raios X ou substâncias radioativas para os servidores e empregados públicos que executam suas atividades remotamente ou que estejam afastados de suas atividades presenciais pela aplicação do disposto na Instrução Normativa nº 19, de 2020” (art. 5º).
Esse ato, que determina o corte arbitrário dos adicionais ocupacionais durante todo o período em que os servidores públicos federais estiverem submetidos ao regime de trabalho remoto – instituído exclusivamente em virtude da pandemia do novo coronavírus – é manifestamente ilegal.
Por trabalharem cotidianamente expostos a condições excepcionais em seus ambientes de trabalho, uma considerável parcela de servidores faz jus à percepção dos adicionais ocupacionais, que não podem ser suprimidos no presente estado de calamidade pública.
O cumprimento remoto da jornada de trabalho não constitui justificativa para suspender o pagamento dos adicionais ocupacionais durante o período de isolamento imposto pela pandemia do novo coronavírus.
Em outra instrução normativa editada pelo próprio Ministério da Economia, foi feita a expressa ressalva de que “a adoção de quaisquer das medidas previstas no caput [de prevenção, cautela e redução da transmissibilidade] ocorrerá sem a necessidade de compensação de jornada e sem prejuízo da remuneração” (art. 6º-A, § 2º, da IN n. 21/2020).
Ao suspender os adicionais ocupacionais dos servidores afastados do cumprimento presencial de suas funções, a IN n. 28/2020 contrariou expressamente essa norma anterior, editada com o propósito de salvaguardar a situação fragilizada dos agentes públicos.
A lei n. 8.112/90 garante, nos arts. 68 e seguintes, o direito à percepção de adicionais calculados sobre o vencimento do cargo efetivo àqueles servidores que laborem sob condições excepcionais.
Para regulamentar a percepção desses adicionais, foi editado o decreto n. 97.458/89, que permitiu que, durante os afastamentos legais considerados como de efetivo exercício, os servidores continuassem a receber essas parcelas.
Dentre esses afastamentos, merecem destaque a licença maternidade, a licença para tratamento de saúde e as férias, períodos nos quais o servidor não exerce suas atribuições funcionais e tampouco permanece submetido às circunstâncias extraordinárias
Nota-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro não impõe como requisito para a percepção dos adicionais ocupacionais a exposição absoluta e perene do servidor às condições excepcionais.
Ora, se até mesmo quando os servidores estão afastados do exercício de suas atribuições, o ordenamento garante a percepção dos adicionais ocupacionais, não é razoável e proporcional que a Administração Pública determine a supressão dessa parcela enquanto os servidores permanecem desempenhando regularmente suas funções, ainda que remotamente.
A postura adotada pelo Ministério da Economia é incongruente a ponto de possibilitar a existência de tratamento nitidamente anti-isonômico entre servidores lotados numa mesma unidade, conforme demonstra a seguinte situação exemplificativa:
- Servidor 1: foi diagnosticado com o novo coronavírus (Covid-19), está em gozo de licença para tratamento de saúde, parou de exercer suas funções e permanece recebendo o adicional ocupacional;
- Servidor 2: observou integralmente as medidas de isolamento recomendadas pelo Ministério da Saúde e pela OMS, está cumprindo sua carga horária regular em regime de trabalho remoto, continua prestando seus serviços públicos essenciais e sofreu o corte do adicional ocupacional.
A imposição do cumprimento da jornada de trabalho em regime remoto ocorreu por circunstância completamente alheia à vontade dos servidores públicos. Muitos deles, inclusive, desejavam continuar exercendo suas atribuições presencialmente, mas foram impedidos de agir dessa maneira, em virtude do fechamento obrigatório dos postos de trabalho.
Por não terem ingerência sobre as decisões de cúpula adotadas pelo Poder Executivo e apenas respeitarem as recomendações divulgadas pelas autoridades máximas em saúde pública (Ministério da Saúde e OMS), os servidores não podem suportar o prejuízo representado pela supressão dos adicionais ocupacionais, já que permanecem exercendo suas atividades.
Esse corte remuneratório representa grave decesso na quantia utilizada pelos servidores para o sustento próprio e de seus dependentes, especialmente em um quadro de grave crise sanitária e econômica, como o que estamos inseridos atualmente.
Por forças dos fundamentos expostos, caso a medida ilegal adotada pelo Ministério da Economia não seja revista, certamente será anulada pelo Poder Judiciário.
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*Paulo Vitor Liporaci Giani Barbosa é bacharel em Direito pela Universidade de Brasília, pós-graduado em Gestão de Negócios pelo Insper e sócio fundador do Paulo Liporaci Advogados.