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O contrato de seguro e a pandemia da covid-19

É necessário enfatizar que as seguradoras, desde sempre, trabalharam com a previsibilidade dos riscos e, com maior relevância, nos seguros de pessoas, notadamente o de vida ou, para ser mais preciso, com a incidência da morte certa de todos os segurados da respectiva carteira.

8/4/2020

O seguro de pessoas tem grande importância nos dias atuais pois decorre da defesa humana em ter garantia contra o risco da perda de patrimônio, da saúde e da própria vida.

O Código Civil estabelece no art. 757, que o contrato de seguro é aquele em que o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.

Por se tratar de um contrato sinalagmático, uma vez que há obrigações recíprocas entre as partes, ou seja, para o segurado a obrigação de pagar o prêmio pela garantia estabelecida pelo segurador, e para este de prestar a respectiva garantia de pagamento a indenização ou capital segurado na ocorrência do sinistro. É certo também, que o segurador tem o direito de receber o prêmio e não tem o dever de devolvê-lo se não ocorrer o sinistro, já que suportou o risco como é do próprio contrato aleatório.

Nesse particular, é necessário enfatizar que as seguradoras, desde sempre, trabalharam com a previsibilidade dos riscos e, com maior relevância, nos seguros de pessoas, notadamente o de vida ou, para ser mais preciso, com a incidência da morte certa de todos os segurados da respectiva carteira. (POLIDO, Walter A. Contrato de seguro e a atividade seguradora no Brasil: direito do consumidor. São Paulo: Roncarati, 2015, p. 13 e 17).

Contudo, tendo em vista a Pandemia do Covid-19 e ocorrendo o óbito do segurado em decorrência dessa doença, poderão surgir diversas discussões no âmbito do Poder Judiciário diante de eventual negativa de cobertura com fulcro na disposição contida na  Circular SUSEP n. 440, de 27 de junho de 2012, que dispõe sobre regras infralegais complementares para o seguro de pessoas, na forma do art. 36, b, do Decreto-Lei n. 73, de 21 de novembro de 1966, estabelecendo no seu art. 12, “d” a exclusão do risco em casos de epidemia ou pandemia declarada por órgão competente.

Como medida para evitar que familiares fiquem desamparados em decorrência de fatalidades causadas pela covid-19, o senador Randolfe Rodrigues apresentou o Projeto de Lei (PL) 890/20 que inclui na cobertura de seguros de vida óbitos decorrentes de epidemias ou pandemias.

A proposta altera o art. 798 do Código Civil determinando que o segurador não pode recusar pagamento do seguro, ainda que na apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado decorrer de infecção por epidemias ou pandemia.

A redação proposta é a seguinte:

“Art. 798-A. O segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que da apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da infecção por epidemias ou pandemias, ainda que declaradas por órgão competente.”

Para o senador, “mesmo que se trate de uma reduzida letalidade, a doença ainda causa enormes riscos e aflições às pessoas envolvidas, o que justifica a sua proteção por seguros privados. Mesmo com essa dramática crise sanitária a nível mundial, que coloca em verdadeiro risco a vida de milhares de seres humanos, as pessoas também se encontram sujeitas a um incabível risco patrimonial”- Fonte: Agência Senado

Nesse quadrante e ainda não tendo ocorrido alteração legislativa, o Judiciário quando da análise do caso concreto não poderá se furtar da aplicação do princípio da Boa-Fé objetiva que norteia toda e qualquer relação contratual, devendo ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o momento histórico e econômico.

Por fim, é certo que o princípio da Boa-Fé objetiva contido na cláusula geral do art. 422 do Código Civil e também diante da sua função interpretativa estabelecida no art. 113 do mesmo diploma legal, servirá de baliza para que o Judiciário, uma vez que o estabelecido para as questões de Pandemia não deve seguir a mesma lógica para a situações em que o segurado comete suicídio nos dois primeiros anos de vigência da apólice em que há exclusão expressa da cobertura como já está disciplinado no art. 798 do Código Civil. 

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* Paulo César Tavella Navega é sócio e advogado cível da Pedroso Advogados Associados e Professor de Direito Civil do Centro Universitário de Paulínia- UNIFACP.

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