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Covid-19 ("coronavírus"): Reflexos e desafios societários

A avaliação da exposição ao risco e dos efetivos reflexos societários da pandemia de coronavírus, assim como do cabimento e da forma de implementação das alternativas previstas nas normas aludidas acima, dependem da verificação da situação em concreto de cada sociedade.

7/4/2020

A pandemia do coronavírus e sua alta taxa de infectividade levaram o Poder Público a fixar normas restritivas para o fluxo de pessoas e para reuniões em grupo. Nessa linha, para além dos efeitos jurídicos imediatos da pandemia, destacam-se seus impactos indiretos nas atividades econômicas e humanas.

O exercício da liberdade associativa e a celebração de contratos de sociedade têm por pressuposto o convívio entre pessoas, o que pode se dar de forma física, mediante a participação em assembleias ou reuniões, ou não-física, mediante a  divulgação e verificação de informações relevantes para o acompanhamento da empresa ou através da realização de reuniões não presenciais.

Trata-se de questões importantes, que permeiam os debates societários há anos e que, com o recente surto do coronavírus (e de sua quarentena), têm sido objeto de especial atenção. Com efeito, a aludida pandemia impacta tanto o convívio físico entre sócios ou associados, como os procedimentos pertinentes à elaboração e divulgação de documentos e informações, com repercussão direta na organização corporativa e nas atividades societárias e contábeis.

Em resposta, são notadas recentes e fundamentadas iniciativas normativas, dentre as quais destaca-se a edição da MP 931, que alterou disposições societárias do Código Civil e da Lei das Sociedades Anônimas.

Dentre seus principais reflexos, ressalta-se a prorrogação por até 7 meses, contados do término do exercício social, do prazo para que sociedades anônimas, limitadas e cooperativas, cujo exercício social se encerre entre 31.12.19 e 31.03.20, realizem sua assembleia geral ordinária de 2020. A MP também autorizou que o conselho de administração ou a diretoria, possa, independentemente de reforma do estatuto social, declarar dividendos. Além disso, os prazos de gestão foram prorrogados até a assembleia geral ordinária e, salvo disposição diversa, caberá ao conselho de administração deliberar, ad referendum, assuntos urgentes de competência da assembleia geral.

A nova norma estabelece ainda a possibilidade de realização de assembleias ou reuniões sem a presença física dos envolvidos, fixando a possibilidade do sócio ou acionista participar e votar à distância, nos termos da regulamentação do DREI1 ou, em se tratando de companhias abertas, da CVM.

Além disso, a MP 931 estabeleceu regras mais flexíveis para a atribuição de efeitos retroativos a atos sujeitos a arquivamento perante as Juntas Comerciais e a suspensão da exigência de arquivamento prévio para emissões de valores mobiliários e para outros negócios jurídicos. Ademais, durante o exercício de 2020, a CVM pode prorrogar prazos da lei 6.404/76 para companhias abertas, inclusive quanto à data de apresentação de suas demonstrações financeiras.

Nesse mesmo sentido, a autarquia editou: (I) Ofício Circular SNC/SEP 02/20, recomendando que as demonstrações financeiras e proposta da administração ressaltem os impactos econômico-financeiros advindos da pandemia; (II) a deliberação CVM 848, de 25.03.20, que prorrogou prazos com vencimento em 2020 previstos na regulamentação da CVM; e (III) a deliberação CVM 489, de 31.03.20, que adiou o prazo de entrega de importantes informações periódicas das companhias abertas.

Sob a perspectiva societária e o viés crítico sobre o cenário atual e pós-pandemia, a edição dessas normas traz conclusões importantes.

A primeira delas é a de que aguardadas inovações normativas foram finalmente editadas, sobretudo quanto à possibilidade de realização de reuniões ou assembleias digitais e de voto e participação à distância de sócios. Todavia, a agilidade com que a medida foi editada não deve ser interpretada como carta branca para que qualquer sociedade a implemente, sem riscos.

E aqui surge a segunda, mas não menos relevante, percepção sobre o tema. Tais regras, apesar de eficientes e bem estruturadas, podem acentuar disparidades no ambiente societário, principalmente no que diz respeito à desejada transparência e atualidade das informações divulgadas e à efetiva participação dos envolvidos no procedimento de tomada de decisões societárias.

Ao excepcionar ou prorrogar normas de participação societária e de divulgação de informações e ao possibilitar encontros virtuais, acerta-se por abrir caminho ao avanço tecnológico e por adaptar-se ao cenário atual, permitindo às empresas concentrar esforços nos temas emergentes da pandemia e no ajuste de suas informações, para divulgarem informações completas e atualizadas. Entretanto, é essencial que tais normas não representem retrocessos para as sociedades e seus sócios, de modo que seja assegurada ampla transparência e eficiente participação de todos os interessados nas reuniões e assembleias.

Mais do que nunca, em um cenário de incertezas como o atual, é importante que o sistema de “freios e contrapesos” societário funcione de maneira eficaz, com ampla divulgação de informações completas e atualizadas e assegurando o direito de participar e de fiscalizar por parte de sócios e investidores, seja através da implementação das aludidas novidades normativas ou da manutenção, ainda que dilatada no tempo, dos procedimentos tradicionais de participação societária e de transparência.

Portanto, em última análise, a avaliação da exposição ao risco e dos efetivos reflexos societários da pandemia de coronavírus, assim como do cabimento e da forma de implementação das alternativas previstas nas normas aludidas acima, dependem da verificação da situação em concreto de cada sociedade. Sendo assim, é recomendável a apuração caso a caso desses impactos e a composição de estratégia adequada e multidisciplinar, sem perder de vista a efetiva participação e transparência junto a sócios e investidores.

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1 O tema está em audiência pública até o dia 06.04, sendo objeto do Edital 2/20 | Consulta Pública 2/20.

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*Claudio Miranda é advogado do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

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