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A importância do Judiciário e da advocacia em meio à crise ocasionada pela pandemia

Resta ilustrada a importância que tem assumido o Poder Judiciário em meio às intempéries ocasionadas pela pandemia, devendo-se observar, por outro viés, que nenhuma dessas importantes decisões teria sido possível sem a participação ativa da advocacia.

6/4/2020

Passados mais de 30 anos desde a (re)democratização do Brasil, o Poder Judiciário tem se mostrado uma ferramenta extremamente valiosa na superação de crises das mais variadas ordens (econômicas, políticas, sociais, etc).

Sem dúvida, essa virtuosa ascensão institucional e as valiosas contribuições dela decorrentes somente foram viabilizadas por meio da promulgação da Carta Constitucional de 1988, que assegurou ao Judiciário a possibilidade de exercer com autonomia e independência seu papel essencial na efetivação dos direitos sociais e no cumprimento da lei, a quem deve se submeter não apenas a sociedade civil, mas também o Estado, enquanto instrumento para o alcance do bem coletivo.

Na mesma ordem de ideias, considerando a máxima de que o juiz não pode agir de outra forma que não de ofício, a advocacia igualmente tem assumido um papel ímpar em todo esse processo, funcionando como importante veículo dos clamores sociais e, assim, tornando-se realmente indispensável à administração da justiça (artigos 133 da CF e 2º do Estatuto da OAB).  

Desde meados de fevereiro, com a chegada do novo coronavírus (covid-19) ao Brasil e a inevitável instalação de uma crise de saúde pública totalmente inédita, acompanhada de uma crise econômica cujos impactos ainda não são totalmente conhecidos, a atuação do Judiciário, provocado por uma advocacia sempre atenta e participativa, mais uma vez tem sido imprescindível para manutenção da ordem e garantia do equilíbrio institucional do país.

Nesse sentido, há diversos exemplos que podem ser citados, dentre os quais destacamos alguns que tem tido maior impacto nos últimos dias.

Do ponto de vista de equilíbrio de contas públicas e adoção de medidas de proteção à saúde pública, convém citar as reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que, atentas ao impacto negativo da pandemia na arrecadação de tributos estatais, determinaram a suspensão da cobrança de dívidas de diversos estados da federação (Espírito Santo, Alagoas, Pará, São Paulo, Paraná, Bahia, Paraíba, Acre, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Pernambuco) com a União.

O intuito é possibilitar que os recursos não utilizados no pagamento das dívidas federais sejam aplicados em medidas locais de prevenção, contenção e combate ao novo vírus, na medida em que, nas palavras do ministro Moraes, "a pandemia de covid-19 (coronavírus) é uma ameaça real e iminente, que irá extenuar a capacidade operacional do sistema público de saúde, com consequências desastrosas para a população, caso não sejam adotadas medidas de efeito imediato" (ACO 3374)1

Em outra esfera de atuação, o Judiciário tem operado para coibir os excessos dos demais Poderes, que, a despeito de estarem engendrando grandes esforços no enfrentamento da crise, podem acabar excedendo a esfera da razoabilidade e até mesmo da constitucionalidade.

Foi o que entendeu o ministro Luís Roberto Barroso em decisões cautelares que proibiram a veiculação de campanha publicitária com o mote "O Brasil Não Pode Parar", nas ADPFs 668 e 669, ajuizadas, respectivamente, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos e pela Rede Sustentabilidade.

Para o ministro, a campanha – veiculada por canais oficiais do governo federal na semana passada, conclamando a população a retomar as suas atividades e, por conseguinte, transmitindo-lhe a impressão de que a pandemia não representa grave ameaça à saúde pública – contrariam as orientações da Organização Mundial da Saúde, do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina e da Sociedade Brasileira de Infectologia, além de ir na contramão das medidas que vem sendo adotadas por autoridades sanitárias de todo o mundo.

O ministro Barroso ressalta a "incidência dos princípios da prevenção e da precaução (artigo 255, CF), que determinam, na forma da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, na dúvida quanto à adoção de uma medida sanitária, deve prevalecer a escolha que ofereça proteção mais ampla à saúde"2.

Vale ressaltar que não apenas o STF tem atuado em meio à crise gerada pela pandemia. As cortes estaduais também têm cumprido seu papel. Em recente decisão da 7ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal (processo 0702361-25.2020.8.07.0018), foi deferida tutela de urgência para determinar que o Governo do DF suspenda a exigibilidade de certidão negativa de débitos fiscais para apreciação de financiamento solicitado por empresa de avicultura3.

A Justiça do Trabalho, por sua vez, tem procurado garantir que os trabalhadores envolvidos em serviços considerados essenciais (artigo 3º do decreto 10292/20) tenham sua saúde e integridade preservadas. Em decisão proferida pela 9ª Vara do Trabalho de Brasília (processo 0000267-43.2020.5.10.0009), foi determinado à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos que comprove, em até 15 dias, que distribuiu a seus funcionários álcool em gel 70%, papel toalha e sabonete líquido como forma de prevenir o contágio pelo novo coronavírus, além de comprovar o efetivo afastamento de empregados incluídos no grupo de risco4.   

Nessa esteira, resta ilustrada a importância que tem assumido o Poder Judiciário em meio às intempéries ocasionadas pela pandemia, devendo-se observar, por outro viés, que nenhuma dessas importantes decisões teria sido possível sem a participação ativa da advocacia.

Não por acaso, a OAB enviou ofício à Presidência da República, na semana passada, solicitando a inclusão da advocacia privada no rol de atividades e serviços considerados essenciais no contexto de enfrentamento à nova pandemia. A pretensão da OAB é alargar a abrangência do decreto 10292/2020, que faz referência tão somente às atividades exercidas pela advocacia pública, deixando de fora a privada, cujo trabalho, nas palavras da Ordem, "é elementar para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, no tocante à obtenção da prestação jurisdicional, que, se não alcançada, coloca em perigo a sobrevivência, a saúde e a segurança da população"5.

Os esforços de todos os Poderes, bem como os mais diversos entes públicos e privados têm sido todos direcionados para promover uma atuação coordenada, que possibilite a superação deste momento de crise da melhor forma possível, sempre preservando a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos essenciais da República.

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1 Íntegra da decisão. 

5 Íntegra do ofício

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*Gabriela Nazareth Veloso Ribeiro é advogada do escritório Trindade & Reis Advogados Associados


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