Atualmente, a lei 7.713/88 estabelece diversas hipóteses de isenção do imposto de renda nos incisos de seu artigo 6º, no que diz respeito aos rendimentos recebidos por pessoas físicas.
O PL 799/20, apresentado na sessão do Senado Federal de 20/3/2020, visa acrescentar um novo inciso, o qual garante a isenção para "a renda das pessoas efetivamente atingidas pelo covid-19 (coronavírus), e dependentes, conforme regulamento editado pela Receita Federal, nos termos da lei".
Diante desta proposta de alteração legal, cabe relembrar que os Entes Federativos não apenas possuem a competência legislativa para criar medidas de cunho arrecadatório; há, também, o poder (quiçá, o dever) de instituir ações de natureza extrafiscal. Tome-se, por exemplo, o instituto da isenção.
Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 619)1, ao tratar do caráter extrafiscal das isenções, leciona o seguinte:
"O mecanismo das isenções é um forte instrumento de extrafiscalidade. Dosando equilibradamente a carga tributária, a autoridade legislativa enfrenta as situações mais agudas, onde vicissitudes da natureza ou problemas econômicos e sociais fizeram quase que desaparecer a capacidade contributiva de certo segmento geográfico ou social."
É público e notório que o coronavírus (covid-19) está instabilizando, radicalmente, a saúde financeira de diversos brasileiros, especialmente aqueles inseridos em setor econômico cujo funcionamento é inerente à criação de aglomerações.
No Estado de Goiás, por exemplo, aos 13 de março de 2020, o decreto estadual 9.633/20 – alterado pelos decretos estaduais nºs 9.637 e 9.638 de 17 e 20 de março de 2020 - determinou a suspensão, por 15 (quinze) dias, dos seguintes fatos sociais:
I - todos os eventos públicos e privados de quaisquer natureza;
II- visitação a presídios e a centros de detenção para menores;
III - visitação a pacientes internados com diagnóstico de coronavírus, ressalvados os casos de necessidade de acompanhamento a crianças;
IV - todas as atividades em feiras, inclusive feiras livres;
V - toda e qualquer atividade de circulação de mercadorias e prestacção de serviços, em estabelecimento comercial aberto ao público, considerada de natureza privada e não essencial à manutenção da vida;
VI - todas as atividades em cinemas, clubes, academias, bares, restaurantes, boates, teatros, casas de espetáculos e clínicas de estética;
VII - atividades de saúde bucal/odontológica, pública e privada, exceto aquelas relacionadas ao atendimento de urgências e emergências;
VIII - ingresso e circulação, no território do Estado de Goiás, de transporte interestadual de passageiros, público e privado, incluindo por aplicativos, proveniente de Estado ou com passagem por estado em que foi confirmado o contágio pelo coronavírus ou decretada situação de emergência;
IX - operação aeroviária com origem, escala ou conexão em estados e países com circulação confirmada do coronavírus ou situação de emergência decretada; e
X - entrada de novos hóspedes no setor hoteleiro e alojamentos semelhantes, alojamentos turísticos e outros de curta estadia; e
XI- reuniões e eventos religiosos, filosóficos, sociais e/ou associativos.
Tem-se, portanto, um cenário econômico e social que clama por medidas extrafiscais, tal como o PL 799/20!
Questiona-se, nessa linha, se a resolução 152/20, expedida pelo Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), seria suficiente para socorrer as empresas inseridas no regime fiscal do Simples Nacional.
Sem via de dúvidas, há que se parabenizar a iniciativa tomada pelo CGSN, pois a concessão de prazo para pagamento do tributo permite que o contribuinte tenha, ao menos, a oportunidade de tentar se reerguer, financeiramente, durante o prazo concedido, a fim de conseguir adimplir com sua obrigação tributária.
Essa resolução se assemelha, aliás, ao instituto jurídico denominado de "moratória", ora previsto nos artigos 152 a 155-A do Código Tributário Nacional, cuja natureza é, de igual maneira, extrafiscal, pois ambos visam prorrogar o pagamento de tributos.
A gravidade do impacto financeiro do covid-19, no entanto, incita o seguinte questionamento: o prazo de 6 (seis) meses seria suficiente para restaurar o caixa destas empresas?
A queda brusca e inesperada do faturamento tende a apontar para uma resposta negativa.
Há que se cogitar por uma medida mais efetiva, tal como a remissão do crédito tributário, no que diz respeito aos períodos afetados pelo covid-19.
A remissão configura uma das hipóteses de extinção do crédito tributário, conforme prevê o artigo 156, inciso IV do Código Tributário Nacional.
Para se aplicar tal instituto jurídico, no cenário atual do covid-19, deve-se atender aos critérios do artigo 172 do Código Tributário Nacional, caput e incisos, os quais seguem transcritos para melhor compreensão:
Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
I - à situação econômica do sujeito passivo;
II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;
III - à diminuta importância do crédito tributário;
IV - a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;
V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante. (destaques do autor)
Os critérios acima deixam claros que a remissão possui nítido caráter extrafiscal, bem como que ela é uma ferramenta jurídica apta a ser aplicada no estado emergencial que o Brasil se encontra, pois seria possível direcioná-la para os contribuintes que tiveram sua situação econômica agravada, tais como os que tiveram suas atividades suspensas pelo Estado de Goiás.
Cumpre destacar que a remissão possui previsão constitucional, no artigo 150, § 6º, portanto, não há dúvidas de que sua aplicação seria válida, tanto no meio federal, quanto nos meios estadual e municipal.
Como visto acima, a remissão é uma matéria que deve ser veiculada mediante lei específica, com isso, fica evidente que este pioneirismo deve partir do Poder Legislativo, tendo-se o PL 799/20 de exemplo.
Obviamente, não se busca aqui exaurir o tema e chegar a uma conclusão definitiva, valendo-se dessas poucas linhas.
O que se almeja, por este texto, é conscientizar a população e, principalmente, os servidores públicos, de que nossa legislação permite que o Estado adote medidas mais efetivas e impactantes para reparar o abalo econômico causado pelo covid-19.
Espera-se, com tal conscientização, que a tão onerosa "máquina pública" se movimente, em busca de ações que - atendendo aos critérios legais e constitucionais – proteja o futuro de nossa nação.
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1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método / Paulo de Barros Carvalho. 6ª ed. – São Paulo: Noeses, 2015.
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*Marcelo Ribeiro Alves é advogado, atuante na área de Direito Tributário no escritório José Humberto Advogados Associados.