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A legalidade e aplicabilidade da demissão imotivada coletiva, prevista no art. 477-A da CLT, em tempos de pandemia

Em verdade, a pergunta fundamental não é apenas se pode ou não pode aplicar. A previsão é legal e validade jurídica é indiscutível. Contudo, referido questionamento deve ser acompanhamento do DEVER ou não de proficuidade da demissão em massa.

2/4/2020

Desde a vigência da reforma trabalhista (lei 13.467/17), o artigo 477-A da CLT é objeto de inúmeros questionamentos, no que se refere, inclusive, à sua legalidade formal e material, eis que considerado por muitos juristas e doutrinadores como inconstitucional.

Prevê o referido diploma que as dispensas imotivadas coletivas serão equiparadas às dispensas imotivadas individuais, não necessitando, assim, de autorização prévia da entidade sindical ou celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo para a sua efetivação e concretização.

Antes da referida previsão, não havia no regramento jurídico pátrio infraconstitucional regulamentação acerca da dispensa coletiva.

Referido tema ganhou destaque jurídico quando a emblemática Embraer, no ano de 2009, dispensou mais de 4 mil trabalhadores ao amanhecer do dia, tendo, à época, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região declarado como abusiva a dispensa. Com posterior análise pelo Tribunal Superior do Trabalho, foi fixado o entendimento de que a demissão em massa, diante das graves consequências econômicas e sociais dela decorrentes, deveria previamente ser submetida à negociação com o sindicato dos trabalhadores, não com o objetivo de proibi-la, mas para que se tentasse previamente encontrar mecanismos que diminuam seus impactos para a sociedade.

Contudo, como já destacado, atualmente dispomos de regramento próprio e legal que expressamente prevê a permissão para a realização da demissão imotivada em massa, que dispensa qualquer autorização prévia sindical, já que equiparadas em sua espécie e modalidade às dispensas imotivadas individuais, ou seja, devem ser executadas apenas considerando o poder diretivo do empregador, não havendo proibição legal.

E nos dias atuais temos a aplicabilidade ordinária do referido dispositivo, diante da crise econômica decorrente da pandemia do covid-19, já sendo objeto de ações judiciais em todo o território nacional, com determinações de nulidade do ato de dispensa praticado pela empresa, reintegração dos funcionários demitidos e multa por novos atos1. Afinal, pode ou não pode ser aplicado o art. 477-A?

Em verdade, a pergunta fundamental não é apenas se pode ou não pode aplicar. A previsão é legal e validade jurídica é indiscutível. Contudo, referido questionamento deve ser acompanhamento do DEVER ou não de proficuidade da demissão em massa.

Refutamos categoricamente as decisões legais que determinam a nulidade da demissão em massa procedida com fundamento apenas na suposta inconstitucionalidade do art. 477-A, ou que ainda apliquem o entendimento jurisprudencial anterior - já ultrapassado - de necessidade prévia de autorização. O texto legal é claro acerca da dispensabilidade do ente sindical de classe. Acerca do caráter inato do regramento, necessário frisar que as reclamações trabalhistas individuais não constituem meio hábil e legal para análise da constitucionalidade de regra infraconstitucional, afinal, não se trata de ação declaratória de constitucionalidade.

É inegável, contudo, que a análise empresarial a ser adotada deverá indiscutivelmente levar em conta que o trabalho é meio necessário e honroso à obtenção da subsistência, para "uma vida digna e decorosa", como brilhantemente pontuado no Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais2. A Constituição Federal, por sua vez, assumiu a proteção do emprego contra a dispensa arbitrária; arrolou o direito ao trabalho como direito social; elencou como princípio fundamental da república "os valores sociais do trabalho", bem como conferiu limites ao exercício da atividade econômica, os quais devem observar a proteção à existência digna da pessoa, justiça social e atendimento à função social.

Todavia, proibir a iniciativa privada de proceder com a demissão imotivada, com a manutenção formal do emprego, não implica na conservação do pagamento de salários, sendo incompatível, portanto, com a conferência de dignidade aos trabalhadores e sustento de suas famílias. Por determinação legal oriunda de atos e decretos dos municípios e estados, inúmeras empresas tiveram suas atividades paralisadas, e a consequência lógica e imediata da ausência de fluxo de caixa mínimo é a não honradez no pagamento dos custos de manutenção, a exemplo de salários.

Como dito, a previsão legal está em vigência e não deve ser obstaculizada sob o fundamento de inconstitucionalidade/ausência de requisitos legais. Contudo, o momento não é o da aplicação indiscriminada, ou proibição arbitrária, com adoção de medidas extremas ou aplicação de sanções altíssimas, ao ponto de fulminar a atividade econômica. E sim de união de esforços e planejamentos econômicos e financeiros, cujo trabalho deve ser exercido em conjunto pelos órgãos judiciais, legislativos e executivos, além da iniciativa privada e da classe de trabalhadores, com adoção de medidas anticíclicas para tentar mitigar os efeitos econômicos da pandemia, protegendo a saúde e capacidade financeira nacional.

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1 Decisão proferida nos autos do processo 0000399-37.2020.5.12.0012, em trâmite perante o Tribunal Superior do Trabalho.

2 Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, ratificada pelo Brasil em 25.09.1992.

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*Raissa Dantas é coordenadora jurídica do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados, especialista em Direito e Processo do trabalho, Master Business Administration em Gestão Empresarial e em Marketing Internacional (em curso).

 

 

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