No contexto da pandemia do covid-19, o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem adotado papel ativo e divulgado diretrizes à sociedade, empresas e trabalhadores, em coerência com sua função constitucional.
Em 14.3.2020, foi veiculada a nota técnica conjunta 02/2020 – PGT/CODEMAT/CONAP (nota técnica 02/20) voltada a orientar como procuradores devem agir para auxiliar as empresas, sindicatos e trabalhadores. Entre as medidas elencadas, há a recomendação para que as empresas flexibilizem as jornadas de trabalho de empregados expostos a risco muito alto, alto ou médio de infecção. O MPT recomenda ainda que as empresas sigam planos de contingência adotados por autoridades locais, permitindo ausência do trabalho, trabalho à distância ou distanciamento dos empregados dentro do ambiente de trabalho. Outra orientação é a aproximação dos procuradores com autoridades sanitárias e gestores locais de saúde, com o objetivo de que acompanhem de perto todas as medidas orientadoras e fiscalizatórias adotadas.
Os procuradores informam que poderão realizar visitas e inspeções em locais de trabalho e também receber denúncias de descumprimento dos procedimentos de contenção ao covid-19 no ambiente laboral, o que poderá ensejar diversas medidas, dentre elas o ajuizamento de ações civis públicas.
O MPT editou também a nota técnica conjunta 04/2020 PGT/COORDIGUALDADE/CODEMAT/CONAETE/CONAFRET/CONAP (nota técnica 04/20) em reação às medidas governamentais de contenção do covid-19 para trabalhadores domésticos, cuidadores ou aqueles que sejam vinculados a empresas ou plataformas digitais de serviços de limpeza ou de cuidado. A nota técnica 04/20 recomenda o fornecimento de luvas, máscara e óculos de proteção a profissionais, além da utilização de álcool gel (70%), quando não for possível a dispensa do comparecimento. Há recomendação ainda de que trabalhadores domésticos sejam dispensados com remuneração assegurada, no período em que vigorarem as medidas de contenção da pandemia.
No dinamismo e incerteza que o momento traz, o MPT divulgou, em complemento, uma série de outras recomendações, alinhadas às notas técnicas emitidas, para empresas (recomendação 3515/20, recomendação 3561/20, recomendação para trabalhadores de alto risco, recomendação para trabalhadores de risco moderado, entre outras).
Para além de medidas propositivas, já são notadas questões concretas de judicialização e pontos de investigação tendentes a desencadear litígios. No estado de São Paulo, o MPT divulgou uma nota (de 26.3.2020) em que informa ter recebido ao menos 500 denúncias contra empresas que estariam descumprindo as normas de combate ao avanço da pandemia do covid-19, expondo os seus trabalhadores a risco. As denúncias variam desde relatos de não disponibilização de máscaras ou álcool em gel e ausência de informações sobre os procedimentos de prevenção até relatos de desrespeito ao distanciamento mínimo entre os indivíduos no ambiente de trabalho.
As denúncias foram recebidas entre o período de 1º a 24 de março e se referem ao estado de São Paulo. De acordo com o MPT, as infrações estão relacionadas a decretos de autoridades municipais e estadual, que limitaram a operação de diversos setores da economia, permitindo unicamente atividades consideradas essenciais, a exemplo do decreto Federal 10.292/20, publicado em 26.3.2020.
Ainda, em 25.3.2020, a título ilustrativo, o MPT ajuizou1 em Mogi das Cruzes/SP ação cautelar contra empresa de telemarketing por alegadamente expor seus empregados ao risco desnecessário de contaminação pelo covid-19. A ação busca, de forma urgente, que a empresa seja impedida de manter empregados em ambiente de trabalho com aglomeração de pessoas. Há defesa de que os empregados devem trabalhar com distância mínima de dois metros entre os postos de trabalho, que devem ser higienizados a cada troca de turno, entre outras medidas. De acordo com o procurador que representa o MPT na ação, a empresa mantém os cerca de 500 empregados trabalhando em ambientes fechados e não haveria respeito à quarentena estabelecida pelo Governo do Estado de São Paulo.
Por sua vez, no estado do Rio Grande do Sul, o MPT já notificou oito setores econômicos e empresas em geral para que observem as medidas de saúde no trabalho, sob o fundamento de proteção aos trabalhadores, redução dos prejuízos econômicos e manutenção do emprego e da renda. O MPT alega que, no estado do Rio Grande do Sul2, entre 16.3.2020 a 23.3.2020, teria recebido mais de 100 denúncias relativas a direitos desrespeitados em virtude da pandemia. Entre as irregularidades, estariam a falta de material para higienização e fornecimento de EPIs, o compartilhamento de ferramentas de trabalho, entre outros. Há notícias também de muitos inquéritos abertos em caráter de urgência.
Como exemplo da litigiosidade já existente, é possível citar decisão3 da 4ª Vara do Trabalho de Criciúma/SC que, a pedido do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados, Frangos, Rações Balanceadas, Alimentação e Afins de Criciúma e Região, determinou a paralisação integral das atividades das empresas JBS e Seara. A decisão foi adiante cassada via mandado de segurança4, porquanto o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região considerou que as atividades exercidas são essenciais. Infelizmente não é possível descartar exposição ou contágio humano ao covid-19. Um grupo de pesquisadores da Universidade Harvard estimou que entre 40% e 70% de toda a população mundial deve ter resultado positivo para novo vírus em algum momento5.
Respeitadas vozes dissonantes, parece-nos que, salvo exceções6 cujo ônus de prova se reconhece não será simples, a contração de covid-19 não tem natureza de doença ocupacional. É um mal da humanidade. Foi a diretriz, a nosso juízo correta, da MP 927/20, editada pelo Governo Federal. Tal qual, o PL 702/20, ainda em trâmite, volta-se a dispensar apresentação de atestado médico para justificar falta de trabalhador infectado por coronavírus ou que teve contato com doentes.
É salutar o papel do MPT na avaliação do meio ambiente de trabalho e que exerça seu papel constitucional na defesa dos empregados. Mas é preciso conjugar a proteção ocupacional com o cenário sem precedente. É preciso cuidado e parcimônia para que, na atuação constitucional, cientes todos de que por vezes será preciso buscar saídas criativas e flexíveis, ainda assim não se desborde para medidas que extrapolem campo legal, regulamentar ou factível, em especial para atividades não sujeitas à paralisação porque havidas por essenciais7. Soluções mediadas, aplicáveis especificamente a circunstâncias concretas, sem fórmulas universais, são preferíveis e recomendadas.
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1 Disponível aqui. Acesso em 27.3.2020, às 13h03min.
2 Disponível aqui. Acesso em 27.3.2020, às 13h02min.
3 "(...)PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO PLANTÃO JUDICIÁRIO ACC 0000157-46.2020.5.12.0055 AUTOR: STI CARNES DER FRANGOS RACOES BAL ALIM AFINS CRIS REG RÉU: SEARA ALIMENTOS LTDA, JBS AVES LTDA. Vistos etc.Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados, Frangos, Rações Balanceadas, Alimentação e Afins de Criciúma e Região ajuizou em face de Ação Coletivaa e, postulando, em caráter liminar, a concessão de tutela eara Alimentos Ltda JBS Aves Ltda de urgência, visando a paralisação das atividades dos réus, ou, sucessivamente, a redução das atividades das empresas, dentre outras medidas. Fundamenta os pleitos nos riscos que os trabalhadores enfrentam, decorrentes da crise do coronavírus. Nesta data o Senado aprovou o decreto de calamidade pública por coronavírus, observando-se que já aprovado anteriormente na Câmara, de maneira que não há necessidade de maiores delongas com relação aos elevadíssimos riscos que a população brasileira enfrenta, especialmente os trabalhadores em situações de contato, como é o caso dos empregados dos réus.Para a concessão de tutela de urgência, é necessário que reste caracterizada a verossimilhança do direito, através de prova inequívoca, e que haja fundado receio de dano irreparável. Todos presentes, pois é consabido que os empregados dos réus trabalham em turnos, que chegam a aglomerar a média de 600 deles, como bem observa a entidade sindical, o que, sem dúvida, os submete a risco inexigível. Diante do exposto, e determino a urgente intimação dos réus para defiro a tutela de urgência que, a partir do dia 21 03 2020, paralisem integralmente as atividades de suas linhas de produção, sem prejuízo da remuneração, no âmbito da representação sindical." Disponível aqui. Acesso em 27.3.2020, às 13h21min.
4 (...)No caso da indústria frigorífica, é indene de dúvidas, inclusive porque consenso popular, que ela integra esse grupo, uma vez que desempenha importantíssima função destinada à alimentação da população em geral, expressamente reconhecida como um dos direitos sociais pelo art. 6º da CRFB. Logo, goza de prestígio legal diferenciado, de acordo com o inciso III do art. 10 da lei 7.783/1989, que protege a distribuição e comercialização de alimentos (a manutenção da atividade de comercialização de alimentos pressupõe implicitamente a manutenção da atividade de industrialização, sob pena de o comércio de alimentos ficar inviabilizado). (...)Visto isso, exsurge que todo o conjunto normativo, há mais de trinta anos, tem classificado como atividade essencial a produção, distribuição e comercialização de gêneros alimentícios, entre os quais inclui-se o setor frigorífico. Merece destaque também o fato de a atividade frigorífica sujeitar-se a normas sanitárias rigorosas. Uma delas é a NR-36, que trata da segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados. O item 36.9.4 dedicou-se à proteção contra os agentes biológicos e, o 36.10, aos vestuários e equipamentos necessários ao conforto e ao controle da exposição ao risco. Disso deflui que o ambiente de trabalho dos seus empregados não favorece a circulação de vírus.." Disponível aqui. Acesso em 27.3.2020, às 13h25min.
5 Disponível aqui. Acesso em 27.3.2020, às 10h07min.
6 "Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal."
7 MP 927/20 e decreto 10.292/20
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*Alexandre Outeda Jorge é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Ariane Gomes dos Santos é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Dérick Mensinger Rocumback é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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