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Da queda, um passo de dança: nasce o Supremo digital

Na prática, o STF, sob a presidência do ministro Dias Toffoli, fez, daquilo que poderia ser uma queda imposta pelo coronavírus, um passo de dança, na expressão do ministro Carlos Ayres Britto, em alusão a Fernando Sabino.

23/3/2020

“Nada é mais poderoso do que a ideia cujo tempo chegou”, disse Victor Hugo.

O uso da inovação tecnológica no âmbito dos Poderes é “uma ideia cujo tempo chegou”. E chegou como costuma acontecer no Brasil, aos trancos e barrancos.

Com a explosão do coronavírus (COVID-19), o Estado teve de se reinventar. Nós também. Estamos diante de um típico “problema brasileiro”. E a Constituição, no art. 218, §2º, dispõe que “a pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional”.

Pesquisa tecnológica entendida como qualquer iniciativa privada ou estatal que, ao final, realize a teleologia desse tipo de comando, que nada mais é do que introduzir na comunidade inovação tecnológica capaz de amenizar o sofrimento das pessoas.

Muito recentemente, a Suprema Corte dos Estados Unidos, num ato histórico, adiou as sustentações orais de mais de uma dúzia de casos. Tudo fruto do coronavírus. Nada igual ocorreu desde a epidemia da gripe espanhola, em 1918.

No Brasil, fizemos diferente. Reconhecemos que, segundo a Constituição, a inovação tecnológica serve para resolver os “problemas brasileiros”. Somos a nação das urnas eletrônicas, da deliberação judicial em ambiente virtual, da transmissão ao vivo das sessões do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Em um gigante de mais de 210 milhões de pessoas, mais de 70% delas estão conectadas à internet. Era nosso dever oferecer algo de inovador para o mundo. E nós oferecemos.

Enquanto o Senado Federal debatia o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 88/2020, aprovando o estado de calamidade pública numa sessão online1, um feito em nossa história, o STF, dias antes, anunciava uma série de medidas para adequar sua rotina e assegurar a garantia da inafastabilidade da jurisdição durante a pandemia.

A Suprema Corte, além de ter convertido as duas sessões plenárias semanais em apenas uma sessão a cada 15 dias, entendeu por ressignificar a própria noção de colegialidade como locus de promoção física do discurso judicial de cúpula, ao alterar o art. 21-B do seu Regimento Interno (Emenda Regimental 53/2020) e ao consolidar tais alterações nas resoluções 642/19 e 669/2020, assim como no Procedimento Judiciário 10/2020.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que, na sessão administrativa do pleno do dia 18/3/2020, votou por manter as sessões presenciais de julgamento, o STF permitiu que “todos os processos de competência do Tribunal poderão, a critério do relator ou do ministro vistor com a concordância do relator, ser submetidos a julgamento em listas de processos em ambiente presencial ou eletrônico, observadas as respectivas competências das Turmas ou do Plenário” (art. 21-B do RISTF).

O relator ou o ministro vistor, desde que em sintonia com o relator, incluirá em lista para julgamento das sessões presenciais ou virtuais processos de todas as classes, inclusive recurso extraordinário com repercussão já reconhecida pelo Plenário Virtual.2

Haverá uma numeração anual das listas em ordem crescente e sequencial para cada relator3, disponibilizadas no sítio eletrônico do STF.4 Será divulgada no andamento processual a informação sobre a inclusão dos processos em listas.5

As listas presenciais não julgadas serão remanejadas para a sessão subsequente.6 Já os processos constantes de listas presenciais de competência do Pleno com pedido de sustentação oral requerido após a publicação da pauta de julgamento constarão de calendário em data previamente designada pelo Presidente.7 Nos processos de competência do Pleno e das Turmas que não estiverem nessas listas, mas que forem objeto de julgamento em sessão física, os advogados poderão, caso queiram, realizar sustentação oral por videoconferência, devendo, para tanto, inscrever-se utilizando formulário eletrônico disponibilizado no sítio do STF até 48 horas antes do dia da sessão8

Quanto ao julgamento dos casos incluídos em lista virtual, esses serão realizados semanalmente e terão início às sextas-feiras, respeitado o prazo de 5 dias úteis entre a data da publicação da pauta no Diário de Justiça, com a divulgação das listas no sítio eletrônico do STF, e o início do julgamento.9

O relator poderá retirar do sistema qualquer lista ou processo antes de iniciado o julgamento10. Isso poderá ocorrer, por exemplo, quando houver pedido de destaque feito por qualquer ministro ou por qualquer das partes, desde que requerido até 48 horas antes do início da sessão e desde que, no caso das partes, seja deferido pelo relator.11

Caso ocorra o destaque, o relator retirará o processo de pauta de julgamentos eletrônicos e o encaminhará ao órgão colegiado presencial competente, com publicação de nova pauta, ocasião em que o julgamento será reiniciado.12

Questão de especial relevo é a participação da advocacia. Como sabemos, as tribunas do STF são o local onde se realiza o art. 133 da Constituição, segundo o qual “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Tentando preservar esse comando, o STF dispôs que, nas hipóteses de cabimento de sustentação oral previstas no regimento interno, fica facultado à Procuradoria-Geral da República, à Advocacia-Geral da União, à Defensoria Pública da União, aos advogados e demais habilitados nos autos, encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico, após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento virtual.13 A disposição inclui o direito de sustentação oral dos amici curiae.

Questão polêmica é o modo como as partes e os terceiros interessados participarão do julgamento. A sustentação oral, que poderá ocorrer por meio de áudio e de vídeo14, a depender da escolha do advogado por um ou por outro, deverá ser encaminhada em mídia digital em até 48 horas antes do julgamento. Diz o §1º, do art. 5-A da resolução 662: “O advogado e o procurador que desejarem realizar sustentação oral em processos submetidos a julgamento em ambiente eletrônico deverão enviar formulário preenchido e assinado digitalmente, juntamente com o respectivo arquivo de sustentação oral”.

A Secretaria Geral da Presidência do STF fez publicar o Procedimento Judiciário 10/2020, que, dentre outras questões, descrevem os formatos em que devem ser encaminhadas as mídias digitais de áudio e vídeo com a sustentação oral.

Iniciado o julgamento virtual15, sem qualquer pedido de destaque, com ou sem sustentação oral, os ministros poderão votar nas listas como um todo ou em cada processo separadamente. Podem: (i) acompanhar o relator, (ii) acompanhar o relator com a ressalva de entendimento pessoal, (iii) divergir do relator e (iv) acompanhar a divergência inaugurada.16

Antes da coleta dos votos, que serão computados na ordem cronológica das manifestações17, o relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual, prazo findo o qual os demais ministros terão até 5 dias úteis para se manifestar.18 Caso algum ministro não se manifeste, considerar-se-á que este acompanhou a posição do relator.19

O Presidente do STF, os Presidentes das Turmas e o relator poderão convocar sessão virtual extraordinária, com fixação de prazos específicos no ato convocatório.20

Diferentemente das sessões virtuais ordinárias, em que a sustentação oral deverá ser encaminhada até 48h antes do início da sessão, nas sessões virtuais extraordinárias o advogado poderá encaminhar sua sustentação por mídia digital até o início da sessão.

Quanto às situações omissas, a resolução 642/19, com redação dada pela resolução 669/2020, prevê que caberá ao Presidente da Corte sobre elas deliberar21, quando nem mesmo as regras regimentais pertinentes aos julgamentos eletrônicos da repercussão geral22 resolverem o impasse.

São essas as mudanças. Aqui nasce o Supremo digital, assim como, na Letônia, nasceu o governo digital em 1994. O embrião já estava lá, pois o uso de inovação tecnológica pelo STF não vem de hoje. Mesmo assim, essa intensificação corresponde à história sendo feita. Na prática, o STF, sob a presidência do ministro Dias Toffoli, fez, daquilo que poderia ser uma queda imposta pelo coronavírus, um passo de dança, na expressão do ministro Carlos Ayres Britto, em alusão a Fernando Sabino.23

Desafios forjados nas sombras tentaram nos impor o medo. Reagimos com inovação tecnológica. Assim, esses dois poderes, Legislativo e Judiciário, seguem, à luz da Constituição, levando suas mensagens adiante. Como anota o já citado art. 218, § 2º, da Constituição, a inovação tecnológica se presta a uma coisa: resolver “os problemas brasileiros”.

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1 O Sistema de Deliberação Remota (SDR) é uma solução tecnológica instituída por Ato da Comissão Diretora (ATD n. 7/2020) do Senado, para viabilizar a discussão e a votação de matérias no Senado, com capacidade de atender a sessões conjuntas do Congresso Nacional, a ser usado exclusivamente em situações de guerra, convulsão social, calamidade pública, pandemia, colapso do sistema de transportes ou situações de força maior que impeçam ou inviabilizem a reunião presencial no edifício do Congresso.

2 Art. 21-B, §1º, do RISTF c/c art. 1º, §1º da Res. 642/19, com redação da pela Res. 669/2020.

3 Art. 1º, §3º, da Res. 642/19, com redação dada pela Res. 669/2020.

4 Art. 1º, §2º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

5 Art. 1º, §4º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

6 Art. 1º, §5º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

7 Art. 1º, §6º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

8 Art.131, §5º, do RISTF.

9 Art. 2º da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

10 Art. 3º da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

11 Art. 4º, I e II, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

12 Art. 21-B, do RISTF c/c art. 4º, §1º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

13 Art. 21-B, §2º, do RISTF c/c art.5º-A da Res. 642/19, com redação da pela Res. 669/2020.

14 Art.5º-A, §3º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

15 Segundo o art. 2º, §5º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020: “O início da sessão de julgamento definirá a composição do Plenário e das Turmas”.

16 Art. 6º da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

17 Art. 2º, §6º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

18 Art. 2º, §1º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

19 Art. 2º, §3º, da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

20 Art. 21-B, §4º, do RISTF c/c art.5º-B da Resolução 642/19, com redação da Resolução 669/2020.

21 Art. 8º da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

22 Art. 7º da Resolução 642/19, com redação dada pela Resolução 669/2020.

23 Brasil: da queda ao passo de dança.

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*Saul Tourinho Leal é advogado sênior de Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.






*Leonardo P. Santos Costa é advogado júnior de Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

 

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