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Coronavírus e a suspensão dos prazos de atendimento pela ANS

Com base nos acontecimentos em outros países, sabemos que em breve precisaremos de todos os leitos liberados para aqueles que realmente necessitarem.

23/3/2020

O avanço da transmissão do SARS-COVID-19 instalou um clima de tensão mundial, modificando a rotina de todas as pessoas. Essa crise transcende a área da saúde e algumas medidas já são tomadas para minimizar os impactos, inclusive ao próprio sistema de saúde.

Em 12 de março de 2020, a ANS publicou a decisão da DICOL suspendendo parte dos efeitos da RN 259/11, que dispõe sobre a garantia de atendimento dos beneficiários de planos de saúde, popularmente conhecida como RN dos prazos para atendimento.

A decisão suspende os efeitos da RN 259 para internações eletivas e internações em hospital-dia, quando na fase de mitigação do Plano de Contingência do Ministério da Saúde. Muitas dúvidas surgiram com essa condição, já que a produção normativa em saúde pública pode ser bastante intrincada. Para compreender o fundamento jurídico dessa decisão da ANS, é preciso entender o processo para declaração de Emergência de Saúde Pública no Brasil.

A Organização Mundial de Saúde - OMS declarou em 30 de janeiro de 2020 a Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional - ESPII em razão do surto de Corona vírus. Em 06 de fevereiro de 2020, no Brasil foi publicada a lei 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Corona vírus responsável pelo surto de 2019.

A decisão tem como base na decreto 7.616/11, sobre a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN, editado em meio à crise das microcefalias.

Em continuidade à lei 13.979/20, o Ministério da Saúde publicou o Plano de Contingência, com as principais orientações quanto às posturas diante da infestação da virose no país.

O nível de resposta de Emergência De Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN, caracteriza-se quando da declaração pela Organização Mundial de Saúde – OMS ou primeira ocorrência de transmissão local do vírus. E nesse nível de resposta há duas fases. A primeira fase é chamada fase de contenção. A segunda fase, é denominada fase de mitigação e se inicia com registro acima de 100 casos identificados, com medidas para evitar casos graves e óbitos.

A decisão da ANS se pauta exatamente na fase de mitigação. Enquanto esse texto é escrito, já temos no Brasil mais de 200 casos confirmados, com transmissão comunitária confirmada nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, além, é claro, da declaração da OMS quanto ao ESPII. Restam assim demonstrados todo os textos normativos que validam a decisão e atribuem os efeitos a que ela se propõe.

Diante do cenário internacional de evolução da doença, em que se verifica a necessidade de utilização dos leitos hospitalares para os doentes mais graves, a decisão da ANS faz muito sentido. Ficando assim entendido que o intuito da lei é reservar os leitos de hospitais para aqueles que forem acometidos com a nova virose, e também demonstrado que toda a estrutura normativa para a decisão é válida e encontra-se vigente, questiona-se se realmente desde a confirmação da fase de mitigação seria razoável a operadora praticar a suspensão dos prazos da RN 259.

Sabemos que, por motivos que não iremos abordar aqui, as decisões da ANS são questionadas judicialmente e podem ter seus efeitos afastados. Por isso, seria prudente que em localidades em que não há número elevado de casos de pessoas infectadas, ou qualquer outro motivo que venha pressionar a rede hospitalar, reavaliar a aplicação da suspensão trazida pela decisão. Fica o questionamento se faria sentido aplicar a suspensão dos prazos da RN 259, em flagrante prejuízo aos beneficiários, sem que haja real necessidade, não sendo demonstrável a insuficiência da rede hospitalar em localidades em que não há casos da virose registrada.

A meu ver, a decisão não é uma carta branca para as operadoras adiarem as internações, mas sim uma medida governamental excepcional em um quadro de emergência que o mundo enfrenta. Com base nos acontecimentos em outros países, sabemos que em breve precisaremos de todos os leitos liberados para aqueles que realmente necessitarem. Até lá, é possível manter a rotina que as operadoras já vêm praticando com maestria.

Desta forma, fica o alerta que a aplicação da decisão é imediata, já que estamos na fase da mitigação. E a suspensão dos efeitos da RN 259 somente se aplica para os casos de internação hospitalar e internação em hospital dia. Porém, fica aqui o convite ao exercício do senso de solidariedade e de coletividade de cada um.

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*Lidiane Mazzoni é advogada.

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