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A crise mundial do coronavírus – Consequências e medidas possíveis no âmbito das relações de trabalho

O controle do coronavírus é uma situação excepcional, de responsabilidade de todos, e que pode autorizar uma ordem de liberalidade do empregador para que os trabalhadores executem suas tarefas durante esse período em suas residências.

20/3/2020

O mundo foi atingido por uma pandemia que, além de ceifar vidas, está alterando as formas de relacionamento pessoal e profissional em razão das medidas não medicamentosas para que a transmissão seja combatida.

Em especial, as relações de trabalho estão recebendo grande impacto, com a decretação de quarentena e isolamento em diversos países. No Brasil, apesar da quarentena ainda não ter sido adotada foi editada a lei 13.979/20 para regulamentar as medidas de combate à pandemia, dentre elas a quarentena e o isolamento.

No §3º do art. 3º da referida lei há disposição dirigida às relações do trabalho, tendo o Brasil optado pela adoção da falta justificada. A falta justificada, a rigor, não tem conceito legalmente definido já que o artigo 473 da CLT trata de direito a faltas sem o prejuízo do salário, identificando alguns casos em que isto pode ocorrer, sem prejuízo de legislações esparsas sobre a matéria.

Apesar da mensagem do projeto de lei 23/20 que originou a lei 13.979/20 não esclarecer o assunto, o conceito de falta justificada ali tratado para fins de evitar um contrassenso na relação dos trabalhadores e empregadores com o Estado.

Isto porque, nos casos de trabalhadores doentes haveria o direito à remuneração nos 15 (quinze) primeiros dias e a cobertura do auxílio doença no tempo restante, equivalendo a dizer que o Estado passaria a dividir com os empregadores o ônus dos afastamentos tal como ocorre em qualquer caso de enfermidade.

Diversamente, nas ausências de trabalhadores que não se encontram doentes, mas atingidos pelas medidas de quarentena e isolamento, o trabalhador seria remunerado pelo empregador, inclusive em período superior aos 15 (quinze) primeiros dias, importando em assunção de encargo muito maior.

Considerando que essas medidas podem adotar o caráter massivo, atingindo uma enorme coletividade e até mesmo toda a população, como ocorreu na Itália, os empregadores certamente entrarão em grave crise financeira e ainda terão que arcar com um ônus de pagamento dos salários superior àquele que arcariam nos casos dos empregados doentes, que seria limitado a 15 (quinze) dias.

É um ônus socialmente justificável embora para alguns possa ser considerado desmedido e que boa parte dos empregadores não teria como suportar.

Por outro lado, deixar os empregados sem a remuneração do período também implica em grave crise social pelo mesmo motivo, ou seja, o caráter massivo que as medidas podem adotar. Aliás, pode gerar também grave crise de consumo pois sem os salários uma grande massa de pessoas reduzirá ainda mais o consumo que, normalmente, já será afetado pela impossibilidade física das compras.

O melhor seria que o Governo dividisse esse encargo com os empregadores, criando modelo semelhante ao do auxílio doença, no qual os empregadores remunerariam por um período e a partir daí entrariam em benefício, podendo, para tanto, utilizar-se da figura, utilizada em outros países, do desemprego parcial, com regras próprias para empregados colocados em situação de quarentena.  Assim, o fundo do seguro desemprego poderia ser uma opção, reduzindo o custo das empresas.

Seria uma forma de preservação das empresas, sem prejuízo aos empregados, visando uma colaboração de todos com a sanidade financeira do país.

A par dessas considerações de política legislativa e do conceito de que falta justificada não se confunde com falta remunerada do artigo 473 da CLT, a maior parte da jurisprudência deve se inclinar, em razão da aplicação do princípio protetivo, pela equiparação dos conceitos e estabelecer o direito do empregado à ausência remunerada ao trabalho como decorrência das medidas de quarentena, epidemia e exames obrigatórios.

Porém, somente as faltas decorrentes dessas medidas expressamente determinadas pelo Governo é que estariam ao abrigo do § 3º do art. 3º da lei 13.979/20. É certo que já existem pacientes em isolamento e a eles o disposto nesse artigo é aplicável.

Mas o que realmente preocupa é a quarentena, pois ela atingirá pessoas de forma indeterminada. Ainda não chegamos a esse ponto e, portanto, ainda não há aplicação do disposto no § 3º do art. 3º da lei 13.979/20, senão para casos isolados.

É importante lembrar que, caso sejam remunerados os dias de afastamento e eles sejam superiores a 30 (trinta) dias, haverá a perda do período aquisitivo incompleto de férias, na forma do inciso II do art. 133 da CLT, reiniciando-se novo período depois do retorno do empregado.

Ainda sobre  os efeitos de uma possível quarentena sobre o contrato de trabalho, a fim de evitar esse encargo excessivo, é salutar que os empregadores busquem, desde logo, formas alternativas de prestação de serviços ou de interrupção dos mesmos.

A medida mais óbvia e adequada para as atividades intelectuais é o trabalho à distância, denominado de home office. Esta possibilidade não deve  ser confundida com a alteração da natureza do contrato de trabalho para teletrabalho que representa uma alteração estrutural no contrato e que apresenta requisitos específicos na lei, como o aditivo contratual, por exemplo.

O controle do coronavírus é uma situação excepcional, de responsabilidade de todos, e que pode autorizar uma ordem de liberalidade do empregador para que os trabalhadores executem suas tarefas durante esse período em suas residências.

Não é muito diferente da determinação para execução de tarefas externas para empregados que, comumente, as executam internamente. Portanto, para a adoção do home office neste momento de crise não há necessidade dos requisitos estritos previstos para o teletrabalho.

Outra possibilidade, mais relacionada àqueles trabalhos que não podem ser realizados fora do ambiente de trabalho, como nas grandes plantas industriais, são as férias, quer seja adiantando-se férias individuais, quer seja pela concessão de férias coletivas.

Neste ponto convém desprezar os requisitos formais decorrentes da comunicação antecipada desses eventos 30 (trinta) dias para férias individuais e 15 (quinze) dias para as coletivas), pois a  emergência, pública e notória, de âmbito nacional, de saúde pública e com velocidade de propagação não se coaduna com regras de proteção individual stritu senso.

Outro instrumento que também pode ajudar é a adoção do banco de horas, mormente nas precauções que estão sendo tomadas fora do âmbito de quarentena e isolamento, a partir de iniciativas salutares das próprias empresas. Assim, podem as empresas passar a adotar, por exemplo, horários diferenciados de trabalho desde logo, visando melhores condições de transporte e diminuindo o risco de contágio, com a utilização do banco de horas ou, até mesmo, da compensação mensal que pode ser feita por acordo tácito, na forma do § 6º do artigo 59 da CLT.

A adoção do lay off também pode ser uma opção, porém a necessidade de norma coletiva representaria um entrave à sua operacionalização ante a dificuldade da própria negociação decorrente da restrição às reuniões.

Assim, as medidas mais plausíveis são efetivamente o home office, o adiantamento de férias ou o banco de horas, principalmente neste período em que a quarentena não está declarada pelo Governo.

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*Paulo Sérgio João é advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio fundador do escritório Paulo Sérgio João Advogados.

*Sandro Vieira de Moraes é advogado, especialistas em Direito do Trabalho e sócio fundador do escritório SGMP Advogados.

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