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Irregularidades no Programa Especial de Parcelamento da Fazenda Pública do Estado de São Paulo

Identifica-se grandes vantagens ao contribuinte que intenta aderir ao PEP, pois são atraentes os percentuais que reduzem as multas e os juros.

17/3/2020

Em dezembro do ano de 2019, o governo do Estado de São Paulo publicou o decreto 64.564/19, que instituiu um novo Programa Especial de Parcelamento (PEP), permitindo aos contribuintes com dívidas acumuladas de ICMS pagarem suas pendências – de fatos geradores ocorridos até 31 de maio de 2019 – dispensando-se o recolhimento de parte dos juros, multas punitivas e multas moratórias incidentes.

Em primeira e perfunctória análise, identifica-se grandes vantagens ao contribuinte que intenta aderir ao PEP, pois são atraentes os percentuais que reduzem as multas e os juros supramencionados. Não obstante, o decreto estadual 64.564/19 máscara entre os seus artigos ilegalidades de matérias que outrora foram objeto de litígios judiciais entre os contribuintes e a Fazenda Estadual. Estamos nos referindo aos acréscimos financeiros descritos no art. 1º, inciso II, alíneas “a”, “b” e “c”.

Artigo 1º - Fica instituído o Programa Especial de Parcelamento - PEP do ICMS, que dispensa o recolhimento, nos percentuais indicados a seguir, do valor dos juros e das multas punitivas e moratórias na liquidação de débitos fiscais relacionados com o ICM e com o ICMS decorrentes de fatos geradores ocorridos até 31 de maio de 2019, inscritos ou não em dívida ativa, inclusive ajuizados, desde que o valor do débito, atualizado nos termos da legislação vigente, seja recolhido, em moeda corrente:

(...)

II - em até 60 (sessenta) parcelas mensais e consecutivas, com redução de 50% (cinquenta por cento) do valor atualizado das multas punitiva e moratória e 40% (quarenta por cento) do valor dos juros incidentes sobre o imposto e sobre a multa punitiva, sendo que na liquidação em:

a) até 12 (doze) parcelas, incidirão acréscimos financeiros de 0,64% (sessenta e quatro centésimos por cento) ao mês;

b) 13 (treze) a 30 (trinta) parcelas, incidirão acréscimos financeiros de 0,80% (oitenta centésimos por cento) ao mês;

c) 31 (trinta e um) a 60 (sessenta) parcelas, incidirão acréscimos financeiros de 1% (um por cento) ao mês.

Ao passo que tais percentuais não parecem tão expressivos, o fato é que eles estão acima do patamar que é permitido pelo ordenamento pátrio. Não foi por acaso que essa questão foi objeto de acirrada discussão no órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, na arguição de inconstitucionalidade 001636-82.2017.8.26.0000. Na ocasião, o Egrégio Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 100, §3º e 7º, da lei estadual 6.374/89, com redação dada pela lei 13.918/09, pois contrariavam a lei federal 9.250/95. Os artigos supramencionados considerados inconstitucionais impunham aos contribuintes juros moratórios na ordem de 0,13% ao dia.

O entendimento da aludida arguição de inconstitucionalidade pautou-se no que foi outrora decidido pelo RE 183.907 e pela ADI 442, nos quais consolidou-se o entendimento de que os Estados membros não podem fixar índices de correção monetária e juros superiores aos fixados pela União para o mesmo fim. Assim, se a União faz uso da taxa SELIC para corrigir os numerários das dívidas tributárias, não cabem aos Estados membros impor aos seus contribuintes percentuais superiores aos praticados pela União.

Voltando a ilegalidade identificada no decreto 64.564/19, em que pese a Fazenda Estadual ter aplicado a taxa SELIC para correção do valor da dívida no passado, não houve a projeção desse mesmo entendimento para o futuro, pois os percentuais praticados são superiores à atual taxa SELIC para os acréscimos financeiros do parcelamento. Sendo assim, o Decreto está alheio ao entendimento consolidado do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Supremo Tribunal Federal.

O fato é que o Estado outorga benefícios aos contribuintes, minorando o valor das multas e juros oriundos do inadimplemento, mas, ao mesmo tempo, impõe os acréscimos financeiros para os contribuintes que desejam realizar o parcelamento do seu débito. Com efeito, na prática, não há benefício algum aos contribuintes; há, na verdade, um mascaramento da realidade financeira da operação.

Juridicamente argumentando, o Estado – com essa conduta legislativa -, novamente viola o princípio da proibição ao confisco, impondo aos contribuintes condições de pagamentos dos seus tributos que estão alheias aos objetivos lícitos arrecadatórios. Em outras palavras, o Estado se transforma em uma espécie de instituição financeira, utilizando-se da matemática dos juros para arrecadar numerários de forma ilícita sobre os contribuintes.

Ademais, não há lógica jurídica em aplicar métodos dissonantes de cobrança entre os juros moratórios e os acréscimos financeiros para os fins arrecadatórios. As “taxas” de uma mesma operação financeira – assim entendidas no jargão comum – devem guardar idênticos percentuais, seja paras as multas, seja para os acréscimos financeiros. Afinal, o objetivo da multa e do acréscimo financeiro é exatamente o mesmo, isto é, remunerar o capital em decorrência do decurso do tempo.

Entender de modo diverso inauguraria nova discussão jurídica alheia àquela travada na arguição de inconstitucionalidade 001636-82.2017.8.26.0000, dando-se azo a um hipotético diapasão entre os juros e acréscimos financeiros cobrados.

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*Matheus Meneghel Costa é sócio da Agnaldo Costa Advogados, especialista em direito empresarial pela FGV, especializando em direito tributário pelo IBET.

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