Na pesquisa do Direito Administrativo do Trabalho, pode-se perceber os principais gargalos do contencioso administrativo trabalhista brasileiro, o que resulta na produção de constantes reflexões voltadas a enfrentar tais problemas.
A MP 905/19 atualiza vários dispositivos celetistas neste aspecto, porém elencamos aqui propostas que não constam do seu texto.
Foram analisadas proposições legislativas, a estrutura do contencioso administrativo trabalhista em outros países, a forma de funcionamento de outros órgãos de julgamento administrativo e o processo judicial.
Adicionado a farta pesquisa empírica, os estudos empreendidos tornaram evidente que são necessárias alterações nas regras materiais e processuais do sistema brasileiro de inspeção do trabalho.
Tendo-se como diretriz principal o artigo 5º, inciso LV, da CF/88, onde se estabelece que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, apresentamos quatro propostas de alteração normativa, sem prejuízo de outras que possam surgir.
O Título VII da CLT trata da fiscalização do trabalho e do processo administrativo trabalhista, principais temas do chamado Direito Administrativo do Trabalho.
Como se sabe, a Inspeção do Trabalho está prevista na Constituição Federal, artigo 21, inciso XXIV, e em norma internacional ratificada pelo Brasil, no caso, a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho.
Eis um resumo das proposições:
Auto de advertência
Sem dúvida o chamado critério da dupla visita é uma expressão da função de prevenção e assessoramento da inspeção do trabalho, apesar do mandamento expresso no artigo 3º da lei de introdução às normas do direito brasileiro, o qual preceitua que ninguém pode se escusar de cumprir a lei alegando que não a conhece.
No entanto, melhor seria se o legislador tivesse adotado a disciplina do auto de advertência do direito português (LOPES FILHO, 2019), onde o agente de inspeção do trabalho não faz apenas uma visita graciosa de orientação, mas sim, ao constatar uma irregularidade de menor gravidade, aplica o auto de advertência, que, por razões óbvias, não tem repercussão pecuniária, mas se configura numa punição que inclusive pode servir para caracterizar a reincidência posteriormente.
O auto de advertência tem forte tradição na inspeção laboral em Portugal. Constitui-se em sua primeira linha de intervenção, privilegiando a função pedagógica, de informação e orientação, reservando a função sancionatória para uma intervenção subsidiária.
Porém, o campo de aplicação do auto de advertência é, na prática, exíguo, já que a opção está reservada às infrações classificadas como leves e das quais não tenha ainda resultado prejuízo grave para os trabalhadores, para a administração do trabalho e para a seguridade social.
O auto de advertência tem uma natureza peculiar, pois representa um sinal de uma presumida ilegalidade nas práticas laborais.
Prazos em dias úteis
Perdeu-se a oportunidade de se estabelecer a contagem dos prazos, para o contencioso administrativo trabalhista, em dias úteis como é a prática processual, valendo ainda a regra de dias corridos (CALCINI, 2020).
O artigo 775 da CLT estipula a contagem de prazos processuais em dias úteis, com a exclusão do dia do início e a inclusão do dia do vencimento, assim como prevê o artigo 219 do Código de Processo Civil em vigor.
Note-se que a contagem em dias úteis diz respeito apenas aos prazos processuais, estabelecidos no Título X da CLT, permanecendo em dias corridos os prazos do Direito Administrativo do Trabalho.
Cumpre destacar que o contencioso administrativo não é apenas um conjunto de procedimentos, mas um instrumento de efetivação de valores constitucionais (LOPES FILHO, 2018), e, mais, tendo como diretriz o artigo 5º, inciso LV, da CF/88, a contagem dos prazos no âmbito administrativo não deveria ser distinta do judicial.
Circunstâncias atenuantes
A MP 905/19 inova ao criar um regramento para punição das infrações sujeitas a multa de natureza variável e para as infrações sujeitas a multa de natureza per capita.
No primeiro caso se observará o porte econômico do infrator, já no segundo caso serão observados o porte econômico do infrator e o número de empregados em situação irregular.
Combinado a isso, estabelece, como nas infrações de trânsito, graus que variam de leve a gravíssima.
Empresas individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, empresas com até vinte trabalhadores e os empregadores domésticos, todos terão tratamento diferenciado.
Entrementes, ato do Poder Executivo federal irá considerar as circunstâncias agravantes elencadas para fins de aplicação das multas administrativas por infração à legislação trabalhista, estabelecendo aplicação em dobro da penalidade nos casos específicos.
Necessária essa atualização normativa, porém poderiam ser consideradas também circunstancias atenuantes (sistema fechado com rol taxativo), como, por exemplo, a implantação efetiva de um sistema de compliance trabalhista pelo empregador, dentre outras medidas que comprovem a boa-fé e esforço em cumprir a legislação do trabalho, ou mesmo um sistema de atenuantes inominadas (sistema aberto), onde a punição poderia ser atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior à infração, embora não prevista expressamente em lei (CALCINI, 2020).
Recurso de ofício limitado por parâmetro de valor
O legislador perdeu a oportunidade de disciplinar melhor o recurso de ofício previsto no artigo 637 da CLT, afinal, na regra atual, todas as decisões pela improcedência ou procedência parcial dos autos de infração, por exemplo, deve a autoridade regional recorrer de ofício para a instância superior.
O artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF/88, estabelece que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Visando prestigiar tais princípios, melhor seria se houvesse um parâmetro de valor monetário, onde até esse determinado valor o processo não subiria de ofício (CALCINI, 2020).
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CALCINI, Ricardo et al. Nova Reforma Trabalhista: Aspectos Práticos da MP 905. São Paulo: ESA SP PUBLICAÇÕES, 2020.
LOPES FILHO, Abel Ferreira. Inspeção do Trabalho. São Paulo: JH Mizuno, 2019.
LOPES FILHO, Abel Ferreira. Manual de Direito Administrativo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2018.
*Abel Ferreira Lopes Filho é professor de Direito Administrativo do Trabalho em cursos de pós-graduação e auditor fiscal do trabalho no Ministério da Economia.
*Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor em cursos jurídicos e de pós-graduação. Palestrante em eventos corporativos nas áreas Jurídica e de relações trabalhistas e sindicais. Instrutor de treinamentos “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada em cursos de capacitação profissional na área jurídica trabalhista, com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.