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Questionamento Judicial dos contratos de locação de espaços localizados em shopping centers

Dentre os temas discutidos no Poder Judiciário, existem aqueles que foram pacificados, como, por exemplo, a cobrança do “décimo terceiro aluguel”. Outros ainda carecem de uma definição, tais como a legalidade ou não da chamada “cláusula de raio ou de exclusividade territorial”, que proíbe a abertura de outra loja pelo inquilino a determinada distância do empreendimento ou em shoppings concorrentes.

4/3/2020

Dada a natureza do negócio e a relação de dependência do lojista frente ao shopping center, como regra, observamos elevado poder de negociação dos empreendedores em detrimento dos varejistas, o que os possibilita impor as condições contratuais. Se o lojista não acatar as cláusulas exigidas, simplesmente ele não ingressará no centro de compras. O poder dos shoppings é tão grande, que persiste o cenário, mesmo no atual quadro de crise econômica.

Diante deste contexto, desde o surgimento dos empreendimentos do gênero no Brasil, vislumbramos diversos questionamentos judiciais acerca de uma gama de disposições constantes nestas avenças locatícias, defendidas como abusivas pelos lojistas.

Cumpre ressaltar que, a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002, que adota os Princípios da Boa-Fé e da Função Social dos Contratos, verificamos uma mudança na tendência jurisprudencial observada quando da vigência do Codex de 1916, este mais contratualista e liberal.

Frise-se que a Lei de Liberdade Econômica não altera este quadro, considerando todo o nosso sistema jurídico. Assim, algumas cláusulas antes aceitas como válidas, passaram a ser alvo de nulidades por parte dos Juízes, na medida em que extrapolam a razoabilidade e acarretam enriquecimento ilícito.

Dentre os temas discutidos no Poder Judiciário, existem aqueles que foram pacificados, como, por exemplo, a cobrança do “décimo terceiro aluguel”. Outros ainda carecem de uma definição, tais como a legalidade ou não da chamada “cláusula de raio ou de exclusividade territorial”, que proíbe a abertura de outra loja pelo inquilino a determinada distância do empreendimento ou em shoppings concorrentes.

Quanto às vitórias dos lojistas, vale destacar quatro:

Um importante precedente do TJ/SP (Apelação 1023300-33.2016.8.26.0577) cuida da anulação da cláusula que equipara a modificação do controle societário da companhia inquilina à cessão do contrato de locação. Na prática, esta disposição tem a intenção de impedir que os sócios da pessoa jurídica locatária transfiram a sua empresa e seu estabelecimento a terceiros, sem que o shopping previamente aprove o novo sócio e não receba a chamada taxa de transferência ou interveniência (normalmente entre 6 a 15 aluguéis).

Outro ponto relevante, embora não seja unânime, é que existe jurisprudência robusta (vide TJ/SP, Apelação 0900745-28.2012.8.26.0068) no sentido de que é admitida a redução equitativa do valor da multa compensatória ao montante de três aluguéis mensais, a ser calculado proporcionalmente em função do período cumprido do contrato de locação, lembrando que são comuns nos contratos de espaços em shopping centers penalidades equivalentes a 80% ou 50% dos locativos a vencer. Outrossim, os Tribunais, inclusive o STJ (Agravo em REsp. 720.017/SC), já proferiram decisões no sentido de declarar ilegal a cumulação da multa pela rescisão antecipada do contrato pelo lojista com a devolução de descontos concedidos, vez que o fato gerador é o mesmo, configurando a prática bis in idem.

A terceira questão trata sobre ser ilegal ou não o locatário arcar integralmente com as “luvas” ou res sperata, na hipótese de acontecer a rescisão antecipada do contrato de locação (mesmo sem “justa causa”), tendo em vista que, na maioria das vezes, as avenças estipulam o pagamento total do valor a este título, inclusive com a previsão de vencimento antecipado de eventuais parcelas a vencer no caso de ocorrer a desocupação precoce do imóvel pelo lojista. Contra os precedentes antigos, foram prolatadas decisões pelos Tribunais de São Paulo TJ/SP (Apelação 1006177-19.2017.8.26.0114) e Distrito Federal (Apelação 0039522-11.2013.8.07.0001) que entenderam como abusivas estas previsões contratuais e determinaram a aplicação da devida proporcionalidade, em vista do período de tempo em que o imóvel ficou na posse do locatário.

Por fim, outra cláusula que os Tribunais vêm considerando ilícitas é aquela que permite a prorrogação unilateral do prazo para a construção do shopping center, que incidem nas situações em que o lojista celebra o contrato de locação antes da inauguração do centro de compras. Neste sentido (vide TJ/SP, Apelação 1027286-56.2016.8.26.0007, TJ/SP).

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*Daniel Alcântara Nastri Cerveira é advogado, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Consultor jurídico do Sindilojas-SP Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ. Professor dos cursos de MBA em Gestão de Franquias e do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração de São Paulo. 

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