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Considerações sobre a nova lei de Franquias e as locações em shopping centers

Até a uniformização jurisprudencial, acredita-se que as contendas entre shoppings x franqueadores x franqueados se acirrarão, seja pela adaptação de novas cláusulas contratuais, a criação de novas contraprestações pecuniárias, o conflito de normas (antinomia entre lei de locação x lei de franquia) ou o exercício dos direitos recém estabelecidos.

27/2/2020

Em 27 de dezembro de 2019 foi publicada no Diário Oficial da União a lei 13.966, já denominada de “Nova Lei de Franquias” por ter revogado a antiga lei 8.955/94 que dispunha sobre o sistema de franquia empresarial.

De acordo com o artigo 10, a Nova Lei de Franquias entrará em vigor após decorridos 90 (noventa) dias da publicação oficial, logo, os efeitos só serão produzidos a partir de 26/03/2020 (quinta-feira).

Além de alterações especificas referentes ao modelo de negócios de franquia, o novo marco regulatório promoveu mudanças importantes também na Lei de Locações, o que pode impactar diretamente a operação dos shoppings centers.

Neste primeiro artigo serão abordadas (a) a legitimidade do franqueador para propor ação renovatória e (b) a possibilidade de o valor do aluguel da sublocação ser superior ao aluguel da locação originária.

(i) Legitimidade do franqueador para propor ação renovatória.

Atualmente, a legitimidade para propositura de ação renovatória quando há sublocação total é, em regra, do sublocatário, por força do disposto no artigo 51, §1º, da Lei de Locações1.

A nova Lei de Franquia, porém, confere legitimidade também ao sublocador/franqueador para demandar o locador em ação renovatória.

Claramente, a finalidade do dispositivo é proteger os franqueadores contra eventual desídia/inadimplência do franqueado/locatário que possa acarretar a perda do ponto comercial.

Proposta a ação, sublocador e sublocatário não poderão ser excluídos por ocasião da renovação ou prorrogação do contrato, salvo nos casos de inadimplência dos contratos locatícios ou do contrato de franquia, conforme dispõe o artigo 3º.

Art. 3º  Nos casos em que o franqueador subloque ao franqueado o ponto comercial onde se acha instalada a franquia, qualquer uma das partes terá legitimidade para propor a renovação do contrato de locação do imóvel, vedada a exclusão de qualquer uma delas do contrato de locação e de sublocação por ocasião da sua renovação ou prorrogação, salvo nos casos de inadimplência dos respectivos contratos ou do contrato de franquia.

A proibição de excluir o sublocador ou sublocatário dos contratos, salvo nos casos de inadimplência dos respectivos contratos, dá a falsa impressão de que se o sublocatário estiver adimplente, mas o sublocador estiver inadimplente, aquele poderá demandar do locador e renovar o contrato.

Porém, essa não parece ser a melhor interpretação.

Se o sublocatário propuser a ação renovatória, mas o locatário estiver inadimplente em relação ao locador, este poderá suscitar tal fato no curso da ação renovatória para impedir a renovação do sublocatário. Do contrário, admitir-se-á que o sublocatário se sub-rogue no contrato original tornando-se locatário, subvertendo o disposto no artigo 15 da Lei de Locações2.

É possível que desse ponto surjam discussões sobre a compatibilização das duas leis, porém, o entendimento de prevalência da lei de locações pelo critério da especialidade ressalta como mais acertado.

Evidente que se restar comprovado o conluio entre locador e locatário – num cenário em que este “deixa de cumprir o contrato” em período próximo a renovação – para excluir o sublocatário da locação, a prática implicará severas indenizações aos que tenham agido com má-fé.

Logo, a interpretação que se entende deva ser atribuída ao dispositivo é de que, caso o sublocador não tenha ajuizado a ação renovatória, o sublocatário poderá fazê-lo contra o locador e sublocador, e não poderá ser excluído pela desídia do sublocador, em consonância com o art. 71, parágrafo único da Lei de Locações3.

Por outro lado, o direito à renovação conferido ao franqueador tem impactos na livre disposição do mix, na medida em que o salão comercial poderá perdurar por muito tempo como base de determinada franquia, com sucessivas mudanças de sublocatários.

Agora, portanto, o engessamento do espaço comercial pode partir de duas frentes: locatário/sublocador e sublocatário.

A concessão desse direito de proteção ao ponto comercial favorável ao franqueador, que intensifica a limitação de livre disponibilidade do espaço, obviamente é quantificável, e pode comportar a exigência de contraprestação pecuniária pelos empreendedores, como, por exemplo, uma taxa de autorização de sublocação a franqueados, além da cessão de direito de uso de infraestrutura, a ser cobrada quando do início do contrato caso os franqueadores queiram ter o direito de sublocar.

Outrossim, acredita-se que a Nova Lei de Franquias aumentará o número de sublocações nos shoppings. Com isso, possivelmente o disposto no artigo 16 da Lei de Locações4 se tornará mecanismo mais frequente no contencioso locatício do setor.

Será importante, por exemplo, estabelecer contratualmente a possibilidade de repasse – uma vez que o dispositivo legal dá a entender que só se poderia exigir o repasse quando houver demanda judicial em curso contra o sublocador/franqueador -, bem com desenvolver processos internos para acionar os sublocatários de franqueados inadimplentes a fim de agilizar o redirecionamento dos alugueis em favor do empreendedor.

A sublocação ainda depende de consentimento prévio e escrito do locador, mas, uma vez firmada a locação com o franqueador autorizando-o a sublocar, poderá ele, portanto, propor ação renovatória.

Entendimento diverso no sentido de que o franqueador poderia propor ação renovatória mesmo não tendo contrato de locação com o shopping, a par de inadmissível do ponto de vista da relatividade dos contratos e da liberdade de contratar, implicaria, no mínimo, em admitir-se a imputação da responsabilidade ao franqueador pelo preenchimento dos requisitos para propositura da ação renovatória – em especial o pagamento de todo saldo em aberto, incluindo cessão de direito de uso, taxa de transferência, mídias, etc.

(ii) O valor do aluguel da sublocação poderá ser maior que o do aluguel da locação originária.

Disposição clássica da Lei de Locações, o artigo 21 veda que o valor do aluguel da sublocação exceda o aluguel praticado na locação.

Com a entrada em vigor da Nova Lei de Franquias essa proibição comportará exceção. Quando houver relação de sublocação, o parágrafo único do artigo 3º5 prevê que o valor do aluguel a ser pago pelo franqueado ao franqueador poderá ser superior ao valor que o franqueador paga ao locador originário.

A exceção, porém, é acompanhada de duas condições:

(i) a possibilidade de sobreposição do aluguel da sublocação deve constar expressamente na Circular de Oferta de Franquia e no contrato (de franquia) e

(ii) o valor pago a maior pelo franqueado não deve implicar em excessiva onerosidade ao franqueado.

Vale notar que não se fez referência à imprevisibilidade superveniente. Basta a onerosidade excessiva. A compatibilização do conceito aberto caberá a jurisprudência e doutrina, como, por exemplo, na definição de um percentual aceitável.

Seja como for, esse destravamento é de substancial importância para os franqueadores, os quais poderão recuperar com mais eficiência eventuais investimentos destinados ao imóvel locado, além de abrir nova linha de receitas para a atividade.

Contudo, como se trata de vantagem auferida pelo franqueador em função de um ativo do locador/empreendedor, não se descura a possibilidade de se estabelecer uma contraprestação proporcional ao faturamento do sublocatário – tal como um aluguel percentual, porém, a ser paga pelo sublocador/locatário – devendo o franqueador prestar as informações necessárias ao shopping para a devida apuração, bem como incluir no contrato de sublocação a autorização do franqueado com a medição “boca-de-caixa” pelo shopping.

(iii) Conclusão

As mudanças que a nova lei de franquias provocou na lei de locações ainda serão objeto de discussão na indústria, na doutrina e na jurisprudência.

Até a uniformização jurisprudencial, acredita-se que as contendas entre shoppings x franqueadores x franqueados se acirrarão, seja pela adaptação de novas cláusulas contratuais, a criação de novas contraprestações pecuniárias, o conflito de normas (antinomia entre lei de locação x lei de franquia) ou o exercício dos direitos recém estabelecidos.

Por ora, resta ampliar o debate sobre as possíveis implicações e esperar a entrada em vigência da nova lei para que os tribunais comecem a se posicionar.

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1 Art. 51. (omissis)

§ 1º O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário. (Grifou-se)

2 Art. 15. Rescindida ou finda a locação, qualquer que seja sua causa, resolvem - se as sublocações, assegurado o direito de indenização do sublocatário contra o sublocador.

3 Art. 71. (omissis)

Parágrafo único. Proposta a ação pelo sublocatário do imóvel ou de parte dele, serão citados o sublocador e o locador, como litisconsortes, salvo se, em virtude de locação originária ou renovada, o sublocador dispuser de prazo que admita renovar a sublocação; na primeira hipótese, procedente a ação, o proprietário ficará diretamente obrigado à renovação.

4 “Art. 16. O sublocatário responde subsidiariamente ao locador pela importância que dever ao sublocador, quando este for demandado e, ainda, pelos aluguéis que se vencerem durante a lide.

5 Parágrafo único. O valor do aluguel a ser pago pelo franqueado ao franqueador, nas sublocações de que trata o caput, poderá ser superior ao valor que o franqueador paga ao proprietário do imóvel na locação originária do ponto comercial, desde que:

I - essa possibilidade esteja expressa e clara na Circular de Oferta de Franquia e no contrato; e

II - o valor pago a maior ao franqueador na sublocação não implique excessiva onerosidade ao franqueado, garantida a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da sublocação na vigência do contrato de franquia.

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*Cristiano Falcão Martins é pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Litigation pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atua nas áreas de contencioso imobiliário e arbitragem no Gustavo Padilha Advogados.

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