O registro de marcas tridimensionais (3D) passou a ser admitido em nosso país em maio de 19971, com a entrada em vigor da atual Lei da Propriedade Industrial 9.279/96 (LPI). Contudo, apesar de já terem se passado 22 anos, ainda não são muitos os pedidos de registro para marcas 3D que conseguiram alçar a condição de registro. Daí a dúvida: será que o INPI tem sido rigoroso demais em suas análises ou será que a finalidade dessa proteção ainda não foi bem compreendida pelo mercado? É o que veremos no decorrer deste artigo.
Inicialmente, é preciso mencionar que, além da forma tridimensional, as marcas podem ser registradas nas seguintes apresentações: nominativa, mista e figurativa. As nominativas são aquelas que se apresentam em letras de fôrma, sem qualquer estilização. As mistas são as que possuem uma grafia estilizada e/ou são acompanhadas de desenhos ou de figuras. Por seu turno, as figurativas, como o próprio nome indica, são aquelas constituídas apenas por figuras. Especificamente sobre esta última forma, é importante esclarecer que marcas formadas por uma única letra ou por um algarismo isolado (0 a 9) são consideradas “figurativas” para fins de registro2. Por último, as marcas tridimensionais são aquelas constituídas por qualquer forma plástica de objeto que seja distintiva, i.e., que seja capaz de se distinguir das demais; que não seja necessária nem comumente utilizada em seu segmento de mercado, nem esteja essencialmente atrelada a uma função técnica3.
De modo a ilustrar esses conceitos, escolhemos as marcas O BOTICÁRIO4, DOVE5 e CIALIS4, pois elas possuem registro para cada uma das quatro formas de apresentação:
Tendo assim exemplificado quais são as quatro formas de apresentação passíveis de registro como marca no Brasil, podemos retornar à pergunta apresentada inicialmente: será que o INPI tem sido rigoroso demais em suas análises ou será que a finalidade dessa proteção ainda não foi bem compreendida pelo mercado?
Na realidade, a grande maioria das marcas que reivindicam proteção para a forma 3D tem por objetivo proteger o layout do produto ou da embalagem e não sua forma tridimensional. Com efeito, por meio de uma breve pesquisa na base de dados do INPI e também em duas bases de dados comerciais1, foi possível verificar que existem diversos pedidos de registro para marcas 3D constituídos por formas de produtos e de embalagens absolutamente comuns em seus respectivos segmentos, mas com reivindicação para proteção de cores (isoladas ou combinadas), bem como de nomes, frases e/ou desenhos6. Abaixo quatro exemplos de marcas depositadas na forma 3D, cujos pedidos de registro se encaixam nessa descrição e já foram indeferidos pelo INPI:
Ora, se o objetivo da marca 3D é proteger a forma distintiva de um produto ou de uma embalagem, caixas quadradas ou retangulares, frascos cilíndricos, latas redondas ou formas comuns de comprimidos não poderiam mesmo ser objeto de proteção tridimensional.
Isso porque a concessão de um registro para uma marca 3D confere ao respectivo titular o direito ao uso exclusivo daquela forma plástica específica, em todo o território nacional, e, consequentemente, o direito de impedir terceiros de usar a mesma forma para identificar produtos idênticos, semelhantes ou afins. Por esse motivo é que não se encontram no mercado perfumes em frascos com a forma igual aos d’O Boticário, sabonetes de outras empresas com a forma do DOVE, nem comprimidos com a forma do CIALIS, pois elas são de uso exclusivo de seus respectivos titulares, já que estão devidamente registradas como marcas 3D.
Assim sendo, o INPI não poderia mesmo ter concedido registro para formas comuns e de uso necessário, como as quatro formas ilustradas acima. Afinal, o propósito da marca 3D não é a proteção de layouts ou de identidades visuais de embalagens – ainda que possuam uma combinação de cores distintiva. Justamente por esse motivo, o pedido de registro para a lata redonda do produto MINANCORA (que é uma forma comumente usada na indústria cosmética) foi indeferido pelo INPI. Entretanto, os registros para a marca nas formas mistas abaixo ilustradas, as quais asseguram a proteção do layout da embalagem do produto, incluindo a combinação de cores, desenhos e a própria marca MINANCORA nelas constante, foram regularmente concedidos pelo Instituto:
Por fim, vale mencionar que estão igualmente excluídas da proteção tridimensional as formas que não forem “plásticas”, ou seja, formas físicas que não sejam minimamente firmes e estáveis, como as pastosas, por exemplo, ou qualquer outra de fácil deformação. Além dessas, as formas que não podem ser “dissociadas do efeito técnico”, i.e., aquelas que exercem uma função técnica, imprescindível ao funcionamento do objeto, também não podem ser registradas.
Sobre essas proibições, abaixo estão três exemplos de formas que tiveram seus pedidos de registro como marca 3D indeferidos pelo INPI. A primeira, à esquerda, é irregistrável pelo fato de o objeto não possuir formato estável, apresentando consistência pastosa e extremamente maleável13. Por seu turno, a forma do centro não pode ser registrada como marca 3D, pois o bico borrifador é essencial ao funcionamento do produto14. Já o frasco à direita, além de sua forma não possuir qualquer distintividade, o copinho que cobre a tampa é comumente utilizado por diversas empresas no segmento farmacêutico. Portanto, todas as três formas são irregistráveis como marca 3D, com base na proibição contida no citado art. 124, XXI, da LPI:
Como se verifica, se a forma plástica do produto ou da embalagem que se visa proteger como marca não é distintiva, mas seu layout e/ou sua combinação de cores sim, a proteção adequada será sob as formas mista e/ou figurativa. Apenas para as formas plásticas que sejam distintivas, fujam do lugar comum e que não sejam determinadas por qualquer função técnica, a proteção como marca 3D deve ser solicitada.
Parece complicado e, de certa forma (sem qualquer trocadilho), realmente é! Justamente por isso a atenção com o depósito dessas marcas deve ser dobrada, tanto para não desperdiçar tempo e dinheiro dos requerentes, mas, principalmente, para não utilizar, desnecessariamente, o precioso tempo dos Examinadores com análises de marcas simplesmente irregistráveis na forma da lei.
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1 O Código da Propriedade Industrial (Lei nº 5.772/71), que vigorou até 1997, previa expressamente, no inciso 7, do art. 65, que “formato e envoltório de produto ou mercadoria” não eram registráveis como marca. Já a atual Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96 (LPI) proíbe apenas o registro como marca “[d]a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico” (art. 124, XXI).
2 De acordo com a proibição constante no art. 124, VI, da LPI, pois a ninguém pode ser dado o direito ao uso exclusivo de uma letra ou de um algarismo, isoladamente, mas tão somente à estilização a eles aplicada.
3 Fonte: Clique aqui. 4 Titular: Botica Comercial Farmacêutica Ltda 5 Titular: Unilever N.V.
4 Titular: Eli Lilly and Company
5 LDSoft (Clique aqui) e HC Office (Clique aqui)
6 N.B. As imagens das marcas tridimensionais obtidas das citadas bases de dados foram restauradas por um Designer Industrial especializado, de modo que pudessem alcançar a resolução necessária para a sua publicação em veículo impresso, mas sem que tenha havido qualquer alteração perceptível na forma original das marcas tal como submetidas a registro.
9 Pedido de Registro nº 824048040 – indeferido e arquivado10 Pedido de Registro nº 904736890 – indeferido em 2016, sem interposição de recurso11 Pedido de Registro nº 824504569– indeferido e arquivado12 Pedido de Registro nº 822548070 – decisão de indeferimento mantida em grau de recurso
13 Exemplo semelhante (do mesmo titular) ao constante do Manual de Marcas do INPI. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 07.11.2019.
14 Soluções técnicas e melhorias funcionais são protegíveis por meio de patentes de invenção e de modelo de utilidade, desde que atendam aos requisitos previstos na LPI, mas jamais por marcas.
15 Pedido de Registro nº 821388924– indeferido e arquivado 16 Pedido de Registro nº 822204649 – decisão de indeferimento mantida em grau de recurso 17 Pedido de Registro nº 828676186– decisão de indeferimento mantida em grau de recurso
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*Deborah Portilho é advogada e Parecerista especializada na área de Propriedade Intelectual, Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pela Academia do INPI e com MBA em Marketing pelo Ibmec/RJ; professora de Direito de Propriedade Intelectual da pós-graduação (LL.M.) em Direito Corporativo do Ibmec/RJ e Ibmec Parcerias; Coordenadora dos cursos de Direito da Moda / Fashion Law do CEPED UERJ e da ESA-OAB/RJ; sócia-diretora da D.Portilho Consultoria & Treinamento em Propriedade Intelectual; presidente da Comissão de Direito da Moda da OAB/RJ (CDMD); membro do Conselho Consultivo e de Ética da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI), membro da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI e do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB.