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A função extrafiscal do ICMS

O que poucos sabem é que existe a função extrafiscal dos tributos, criado especialmente para prestigiar situações consideradas valiosas do ponto de vista social, político ou econômico para a sociedade. Neste artigo, saiba mais sobre a extrafiscalidade do ICMS.

19/2/2020

No sistema tributário brasileiro, a principal fonte de renda dos entes federativos (União, os Estados o Distrito Federal e os Municípios) decorre da tributação, compreendendo como função primordial a atividade de arrecadação de recursos financeiros para financiar as despesas públicas.

No entanto, alguns tributos possuem função que ultrapassa o caráter meramente arrecadatório, e por este motivo são classificados como tributos extrafiscais. Essa função diferenciada tem o objetivo de proteger direitos constitucionalmente garantidos, podendo intervir até mesmo em relações privadas, tudo para preservar situações sociais, políticas ou economicamente relevantes para o bem comum.

Por meio da extrafiscalidade, o papel da tributação também incorpora a função de modular o comportamento dos sujeitos tributários, com o intuito de incentivar um determinado comportamento do contribuinte ou até mesmo desmotivá-lo a exercer tal conduta, visando o atendimento às finalidades sociais, econômicas e outras de interesse público.

Para explicar uma das formas de como a função extrafiscal do tributo pode se manifestar no sistema tributário brasileiro, utilizemos a essência do ITR (Imposto Territorial Rural) que adquire uma exação mais onerosa quando se trata de propriedade inexplorada ou de baixa produtividade. Neste caso, a cobrança mais custosa não tem meramente a função de enriquecer os cofres públicos, mas sim de incentivar o respeito ao princípio da função social da propriedade e desincentivar terras improdutivas.

O fenômeno da extrafiscalidade é corriqueiramente encontrado em alguns impostos, tais como o citado ITR (Imposto Territorial Rural), o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) e o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação).

Assim, pormenorizando o estudo, no que se refere a função extrafiscal do ICMS há previsão de que pode se manifestar por meio do princípio da seletividade, constitucionalmente previsto no artigo 155, §2º, inciso III.

Por meio do princípio da seletividade do ICMS o legislador adotou o mecanismo da variação de alíquota, seja diminuindo seu percentual visando a valorização das operações consideradas essenciais, ou aumentando a porcentagem nas operações consideradas supérfluas. Isto é, o critério para a fixação da alíquota ocorre na razão inversa da imprescindibilidade das mercadorias ou serviços. Neste raciocínio, se as mercadorias ou serviços forem essenciais, a alíquota do ICMS devido será mais baixa ou em alguns casos até zeradas.

Neste sentido, se o Estado deseja controlar ou desincentivar o uso de determinados produtos utilizando-se do ICMS, como é o caso do tabagismo, ou considera uma mercadoria supérflua, como um colar de diamantes, a proposta da seletividade é aumentar a alíquota do ICMS. No entanto, quando se tratar de produtos alimentícios essenciais, tais como o arroz e feijão, a solução é diminuir ou zerar a alíquota do ICMS, a fim de que as mercadorias se tornem mais acessíveis à coletividade.

Há que se ponderar também que o ICMS assume função extrafiscal quando o Estado outorga regimes simplificados de tributação aos pequenos empresários ou quando desonera a tributação de ICMS envolvendo exportação de mercadorias. Verifica-se que em todos os casos há um objetivo, seja econômico, social ou político, que se busca resolver por meio da redução da tributação auferida pelo ICMS.

Deste modo, em meio a tanto descontentamento da população brasileira em relação a alta carga tributária, a extrafiscalidade representa um método mais efetivo para visualizar a aplicação da função social do tributo, especialmente do ICMS, pois com a concessão de incentivos ou isenções para determinadas mercadorias e serviços tem-se como mais esclarecida a intenção da arrecadação de cada estado, com a adoção de medidas que realmente impactam no desenvolvimento da sociedade.

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*Bárbara Cardoso é advogada.

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