“Como se sabe, bem pouco é o prestígio de que desfruta o contencioso administrativo fiscal no Brasil. Historicamente, restou configurado certo preconceito da comunidade, decorrente da suposição de que, sendo integrante da organização administrativa, esse setor poderia sofrer ingerências do Poder Executivo, com consequente comprometimento do livre convencimento dos julgadores e da própria decisão.
Mas, como decorrência da marcha excessivamente lenta do Poder Judiciário e, pela praticidade e gratuidade do funcionamento, o controle jurisdicional administrativo ocupou o seu espaço institucional e, hoje, faz parte do cotidiano dos processos fiscais e previdenciários.”.1
Para o professor Hugo de Brito Machado (2000, p. 203), “a finalidade do Contencioso Administrativo consiste precisamente em reduzir a presença da Administração Pública em ações judiciais. O Contencioso Administrativo funciona como um filtro”. Igual raciocínio se aplica para o Contencioso Administrativo Trabalhista, ora aqui estudado.
Com efeito, coube à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) discipliná-lo no seu Título VII. Na regra celetista, preceitua o artigo 628 que, salvo exceções, toda vez que o auditor fiscal do trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal, deve-se lavrar auto de infração, sob pena de responsabilidade administrativa. Cumpre aqui não confundirmos auto de infração, com a multa administrativa propriamente dita.
A autuação não gera de imediato a consolidação do débito, tampouco propicia a sua inscrição em dívida ativa. Concretiza apenas o início do procedimento destinado à apuração da infração e, se for o caso, a aplicação das penalidades administrativas pertinentes (LOPES FILHO, 2018).
Já a medida provisória 905/19 criou o requisito da desterritorialização no § 1º do artigo 634 da CLT. É dizer, a análise de defesa administrativa do auto de infração, sempre que os meios técnicos permitirem, será feita por outro auditor fiscal do trabalho, necessariamente de outra unidade federativa.
A propósito, para maiores esclarecimentos acerca da temática, fica a dica da leitura de e-book digital recém lançado pela ESA OAB/SP, com o título “Nova Reforma Trabalhista: Aspectos Práticos da MP 905”, o qual aborda o novo Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, já atualizado com a portaria 950/20.2
Tal dispositivo entrará em vigor noventa dias após a data de publicação da MP 905/19. Com isso, o auditor que analisa a defesa administrativa não deve ser da mesma regional onde o auto de infração foi lavrado.
Entrementes, ao mesmo tempo em que o novo procedimento garante uma maior imparcialidade ao sistema, em sentido contrário pode dificultar a prova testemunhal.
Isso porque o artigo 632 da CLT menciona que o autuado pode apresentar documentos e requerer a produção das provas que lhe parecerem necessárias à elucidação do processo, cabendo à autoridade competente julgar a pertinência e a necessidade de tais provas.
Significa dizer que o autuado pode requerer a audiência de testemunhas no contencioso administrativo trabalhista, respeitando-se aqui a ampla defesa e contraditório garantidos pelo artigo 5º, inciso LV, da CF/88, onde se estabelece que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
No entanto, não é raro a autoridade administrativa indeferir a produção de prova testemunhal, sob o argumento de que as testemunhas apenas confirmariam a versão do autuado, seu empregador. Aliás, em muitos casos, isso pode acarretar a propositura de ação perante a Justiça do Trabalho.
Neste sentido, temos uma decisão da 3ª Vara do Trabalho de Barueri/SP, nos autos do processo 1000348-70.2015.5.02.0203:
“Contudo, a regra geral é que toda pessoa pode ser testemunha, de modo que, não seria razoável torná-la suspeita para depor pelo simples fato de ser empregado da empresa autuada.
Acredita-se que o julgador tenha capacidade de discernir se o testemunho está sendo tendencioso a favorecer seu empregador ou não.
Caberia, assim, a parte demandada a valoração da prova oral produzida no processo administrativo fiscal por ocasião de seu julgamento e não o indeferimento, de plano, da oitiva de testemunhas, pelos motivos explanados.”.
A par disso, infere-se que com o requisito da desterritorialização fica dificultada ainda mais a oitiva de testemunhas, pois o auditor que analisará a defesa será necessariamente de outra unidade da federação que não aquela onde o auto foi lavrado, ficando vedada qualquer possibilidade das testemunhas serem ouvidas na unidade regional local da lavratura do auto de infração.
Enfim, são esses alguns dos desafios a serem enfrentados pela nova inspeção do trabalho com o advento da MP 905/19.
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BERMAN, Vanessa Carla Vidutto. Processo administrativo fiscal previdenciário. São Paulo: LTr, 2009.
LOPES FILHO, Abel Ferreira. Manual de Direito Administrativo do Trabalho.
São Paulo: LTr, 2018.
MACHADO, Hugo de Brito. Mandado de segurança em matéria tributária. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2000.
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1 Prefácio, pág. 13. In: BERMAN, Vanessa Carla Vidutto. Processo administrativo fiscal previdenciário. São Paulo: LTr, 2009.
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*Abel Ferreira Lopes Filho é professor de Direito Administrativo do Trabalho em cursos de pós-graduação e auditor fiscal do trabalho no Ministério da Economia
*Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor em cursos jurídicos e de pós-graduação. Palestrante em eventos corporativos nas áreas Jurídica e de relações trabalhistas e sindicais. Instrutor de treinamentos “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada em cursos de capacitação profissional na área jurídica trabalhista, com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.