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Sociedades cooperativas e direito do trabalho

O direito do trabalho surgiu diante de uma necessidade humanitária de se regulamentar as relações de trabalho entre empregados e empregadores, visando à proteção daqueles, tendo em vista que, a partir da Revolução Industrial, os trabalhadores passaram a se expor a indignas e desumanas condições de trabalho, sem direito a jornadas compatíveis, salário mínimo e outros direitos fundamentais.

4/12/2003

Sociedades cooperativas e direito do trabalho

 

Claudia Brum Mothé*

 

O direito do trabalho surgiu diante de uma necessidade humanitária de se regulamentar as relações de trabalho entre empregados e empregadores, visando à proteção daqueles, tendo em vista que, a partir da Revolução Industrial, os trabalhadores passaram a se expor a indignas e desumanas condições de trabalho, sem direito a jornadas compatíveis, salário mínimo e outros direitos fundamentais.

 

Os trabalhadores, então, passaram a se reunir, dando nascimento a organizações sindicais e ao próprio direito coletivo do trabalho, exigindo do Estado proteções mínimas com relação às condições de labor.

 

Na atualidade, todavia, o clamor social volta-se para a chamada necessidade de modernização do direito do trabalho, ocasionada pelo processo de globalização mundial da economia, que também está sendo vivenciado pelo Brasil, parecendo-nos necessário admitir que o direito do trabalho no Brasil já vem sendo flexibilizado.

 

Na trilha da chamada modernização do direito do trabalho, a Lei nº 8.949/94, publicada no Diário Oficial de 9 de dezembro de 1994, acrescentou ao artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) o parágrafo único. Essa alteração, em princípio salutar, por objetivar estimular a modalidade de trabalho cooperativado, sem vínculo empregatício, ocasionou, em contrapartida, certos casos de cooperativas fraudulentas, em desrespeito às garantias trabalhistas e aos valores do direito do trabalho.

 

Dessa forma, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego vêm atuando no sentido de investigar e de coibir, tanto quanto possível, a propagação das cooperativas ditas fraudulentas, especialmente em se tratando de terceirização de atividade-fim do tomador dos serviços.

 

Assim, certo é que o falso cooperativismo vem sendo coibido pelo Judiciário trabalhista, motivo pelo qual o legítimo cooperativismo deve ser revestido de todas as formalidades legais e cautelas devidas. Este tipo de cooperativismo, em princípio, usufrui da proteção legal. Nesse sentido, qualquer atividade empresarial (meio e fim) realizada por meio de cooperativa, deve estar atenta ao disposto pelos artigos 2°, 3° e 9°, da CLT.

 

Nessa linha de raciocínio, e com o propósito de minimizar os chamados riscos trabalhistas no ramo de atividade desenvolvido por cooperativas, deve-se procurar adotar o critério da ausência, entre os cooperativados, dos requisitos previstos pelo artigo 3º da CLT, quais sejam a pessoalidade, a habitualidade, a dependência econômica e a subordinação hierárquica.

 

Deve-se procurar, ainda, manter presentes, na relação de cooperativismo, todos os requisitos legitimadores da atividade da cooperativa, a exemplo da autonomia dos cooperativados na direção do trabalho, fixando os seus próprios horários de trabalho e o modo de execução das suas tarefas e administrando o seu próprio negócio, paralelamente ao exercício de outras atividades particulares.

 

Deve-se proceder, também, ao cadastramento do cooperado no momento de seu ingresso da cooperativa, mediante o preenchimento de determinados requisitos pelo cooperado, quais sejam a ficha de cadastramento, a proposta de ingresso, a ficha de matrícula, a declaração para fins de imposto de renda e a declaração de concordância. E deve-se estimular, ainda, que o cooperado participe das assembléias periódicas da cooperativa, bem como dos seus resultados financeiros positivos.

 

Nessa ordem de idéias, cumprindo-se os requisitos legais acima mencionados, pode-se verificar a ocorrência de resultados satisfatórios aos interesses das cooperativas, bem como dos seus tomadores de serviços, a exemplo das decisões transcritas: "Relação de emprego. Não configuração. Cooperativa de trabalho. Comprovada a licitude da cooperativa constituída, à qual se filiou espontaneamente o trabalhador para prestar serviços na condição de cooperado autônomo, inexistindo provas em sentido contrário, não pode ser reconhecida a relação de emprego, pois ausentes os elementos fáticos-jurídicos exigidos para sua configuração" (Processo nº 00459 2002 109 03 00 3 RO, publicado em 4 de setembro de 2003, Sexta Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas gerais, relator juiz Ricardo Antonio Mohallem), e "com efeito, o Enunciado nº 331, inciso II do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sedimentou o entendimento de que 'a contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego entre os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (artigo 37, parágrafo II da Constituição Federal).' Sendo a Caixa Econômica Federal (CEF) empresa pública integrante da administração indireta, o provimento em emprego público depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. Considerando que a reclamante não se submeteu a certame para ingressar no quadro de empregados da primeira reclamada pelo menos do contrário não há provas nos autos - impossível o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços." (RO nº 14117 02, publicação em 11 de dezembro de 2002, Segunda Turma do TRT-MG, relatora juíza Ana Maria Amorim Rebouças).

 

Dessa forma, muito embora o Ministério Público do Trabalho, como também o Poder Judiciário trabalhista, através de suas decisões, venham atuando no sentido de investigar e de coibir, tanto quanto possível, a propagação das cooperativas ditas fraudulentas, é admissível a atividade das cooperativas, desde que atendidos, estritamente, os requisitos legais e fáticos aqui expostos.

 

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* Advogada do escritório Siqueira Castro Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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