No Brasil, os transportes, altamente dependentes da queima de combustíveis fósseis, são responsáveis por, praticamente, metade do total de emissões de gás carbônico equivalente (CO²e) no setor de energia1. De acordo com os dados oficiais do 2º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários, o setor de transporte é o que mais causa impactos na qualidade do ar2. O setor é responsável por 86% das emissões de monóxido de carbono (CO). Quanto ao dióxido de carbono (CO2), em 2012 foram emitidas quase 213 milhões de toneladas, sendo 38% provenientes de automóveis.
Nesse contexto, o transporte público urbano destaca-se como área que pode fazer diferença para reduzir emissões de carbono e possibilitar o cumprimento de compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Brasil em relação à política de mudanças climáticas. Investir em transporte público coletivo, especialmente os sistemas elétricos, pode reduzir o uso de veículos individuais e trazer ganhos para o meio ambiente.
Há pelo menos duas proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional que veiculam essa preocupação: os projetos de lei 5.272/19 e 6.123/19.
Eletrificação das frotas de ônibus
O PL 5.272/19 visa especialmente a fomentar a eletrificação das frotas de ônibus no Brasil, contribuindo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa do País e combater as mudanças climáticas. Atualmente, o tema está apenso ao PL 4.086/12, que concentra diversas proposições voltadas à difusão dos veículos elétricos no território nacional.
Incentivos fiscais (arts. 1º a 4º) e subsídios tarifários (art. 13 da lei 10.438/02) são a tônica do PL 5.272/19.
Energia solar no transporte sobre trilhos
Já o PL 6.123/19 institui a "Política Nacional de Incentivo à Geração de Energia Solar Fotovoltaica Conectada a Sistemas de Eletromobilidade sobre Trilhos – PNESET".
A PNSET gravita em torno de uma série de objetivos (art. 2º): diversificar a matriz energética da rede de eletromobilidade, além da modernização e ampliação desta; estimular a pesquisa, tecnologia, inovação; desenvolvimento de uma estratégia nacional de geração de energia solar conectada aos sistema de transporte; reduzir os custos financeiros dos operadores; buscar de soluções integradas, inovadoras, tecnológicas e sustentáveis para a alimentação dos sistemas elétricos de tração dos trens; integração dos setores de energias renováveis e de eletromobilidade sobre trilhos no Brasil; e viabilizar autonomia energética e independência econômica do segmento.
Mudanças
Os projetos têm um objetivo comum e de claro interesse público: tornar o setor de transporte urbano mais atrativo a projetos de energização renovável, com destaque à fonte solar. Partem do entendimento de que há necessidade de uma política de estímulos públicos para elevar o grau de eletrificação, modernização e diversificação da matriz energética, considerando a alta demanda do setor de transporte urbano por meio de ônibus ou sobre trilhos.
Sem sombra de dúvidas, o Poder Legislativo pode desempenhar o papel de agente catalisador de polícias públicas ambientalmente mais sustentáveis capazes de atrair investimentos necessários ao país, além de contribuir para a qualidade de vida dos cidadãos e usuários dos serviços públicos. Mas os efeitos das políticas de fomento precisam ser mais agudamente considerados. Não há notícia de que os projetos tenham sido precedidos de estudos de impacto e, assim, de que tipo de efeito em termos econômicos e ambientais e mesmo em termos de custo-benefício, provavelmente atingiriam.
A abertura do diálogo parece um caminho adequado: a análise dos impactos regulatórios (sociais, ambientais e econômicos) dessas medidas e a participação da sociedade por meio de consultas públicas, nos moldes do art. 29 da LINDB, seriam um excelente começo.
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1 "A principal fonte de emissões no setor de energia são os transportes: em 2018 eles responderam por 200,2 milhões de toneladas de CO2e, ou 49% do total." Fonte: Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa - 2019, do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima.
2 Publicado em janeiro/2014 pelo Grupo de Trabalho integrado pelo MMA, ANP, ANTT, IEMA, CETESB, Petrobras e ANFAVEA. Disponível em: Clique aqui.
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*Marina Fontão Zago é advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados. Atua em Direito Administrativo e Regulatório.
*Mariana Magalhães Avelar é advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, com atuação principal nas áreas de Infraestrutura & Projetos e Anticorrupção & Improbidade.