Migalhas de Peso

As vestimentas jurídicas para se empreender sozinho

O empreendedor individual brasileiro precisa conhecer as vestes que lhe estão disponíveis em seu closet jurídico, para estar preparado para frequentar os locais a que se destinam.

23/1/2020

Introdução: o problema da vestimenta do empresário brasileiro

Toda vez que alguém se decide por sair de sua casa é recomendável que se pense na roupa adequada para o local de seu destino, sob pena de se ir a um baile de gala de sandálias e short. Todos somos, é bem verdade, livres para fazê-lo, desde que, evidentemente, aceitemos as consequência, como, nesse caso, sermos impedidos de entrar no evento.

Pois bem.

Assim também acontece quando nos decidimos por sair ao mercado, explorando profissionalmente uma atividade econômica. É de bom alvitre que, quando nos decidamos por empreender, analisemos e optemos por uma das vestes jurídicas previstas na lei brasileira, sob pena de involuntariamente escolhermos uma veste inadequada e sofrermos eventuais consequências indesejadas.

Sim! Há várias formas de um empresário se vestir para explorar uma atividade econômica. Ele pode se registrar como empresário individual (podendo, ainda, valer-se da figura do microempreendedor individual, caso seu faturamento não ultrapasse R$ 81.000,00 ano), pode constituir uma EIRELI, ou, ainda, a mais recente sociedade unipessoal limitada.

Cada uma dessas vestes tem sua peculiaridade, seus limites e suas vantagens, sendo importante, portanto, que o empresário analise, atentamente, esses contornos, para, antes de ir ao mercado, escolher a veste que mais adequadamente irá atender às suas expectativas.

Aqui no Brasil, infelizmente, não temos esta cultura! Nós vamos ao ringue do mercado calçando botas, enquanto poderíamos calçar luvas e capacetes!

Basta analisarmos as reveladoras estatísticas divulgadas pelas Juntas Comerciais de todo país no tocante ao número de registro de empresários individuais (figura sabidamente mais frágil), quando comparado ao número dos demais tipos jurídicos. Citemos como exemplo os dados divulgados pela Junta Comercial de Minas Gerais, Estado no qual foram registrados, em 2019, 18.212 empresários individuais, número superior ao de EIRELI’s, 10.962, e muito próximo ao de sociedades limitadas, 23.973.

Caso feita uma pesquisa com esses quase 20 mil empresários individuais sobre os motivos que os levaram a se registrar como tal figura, certamente quase a totalidade sequer saberia responder! Apenas se registraram, sequer tendo conhecimento sobre as características deste tipo e de que existem outras vestes para mais adequadamente irem ao grande baile de gala chamado mercado brasileiro!

É este, portanto, o objetivo deste escrito: abordar as principais vestes disponíveis a quem decidiu-se por empreender sozinho e vociferar para que eles pensem, estrategicamente, qual aquela que melhor combina com seu destino!

Regra básica de etiqueta: é indispensável se vestir

Um ponto é incontroverso: não se pode sair às ruas – ou, neste caso, ao mercado – despido de vestimentas. As consequências são desastrosas! Nos limitando às consequências empresariais, ir ao mercado sem vestimenta, ou seja, sem registrar-se, significa invariavelmente estar em situação criminosa, uma vez que, sem cadastro no CNPJ, o empresário não irá emitir nota fiscal de sua atividade, estando, portanto, em indesejável sonegação fiscal.

Trata-se de risco que não se justifica, ao se comparar com as consequências!

Durante muito tempo, é bem verdade, a “justificativa” dos desnudados empresários era o excesso de burocracia e as dificuldades inerentes à manutenção de uma escrituração contábil. Com as devidas vênias, atualmente este discurso seria aceito apenas por quem desconhecesse os avanços legislativos! Atualmente, há, como veremos, figuras jurídicas dispensadas de manter e escriturar qualquer livro contábil, registrando-se de modo célere e simplório pela internet e, ainda, com dispensa de alvará de funcionamento (com a mais recente inovação da lei da liberdade econômica).

Não há mais (se é que já houve) motivos para a irregularidade!

Por isso e por uma série de outros fatores, a recomendação é de que o empresário sempre opte por uma das vestimentas legais, antes de ir ao mercado (art. 967 do Código Civil).

Adentrando ao closet normativo: quais as opções de vestes?

1ª veste: o registro como empresário individual e a sub linha do MEI

A primeira opção que tem, em seu closet jurídico, é registrar-se como empresário individual. Ao fazê-lo, o empresário individual receberá um número de CNPJ, podendo, com isso, emitir notas fiscais, abrir contas bancárias, entre outros benefícios. Estará, igualmente, em situação regular, recolhendo tributos em tributação equiparada à da pessoa jurídica, muito diferente, portanto, da condição de sonegação em que estaria, caso irregular.

A grande deficiência, entrementes, desta vestimenta é quanto à proteção!

O empresário individual possui cadastro no CNPJ, mas, ao contrário do que isso poderia indicar, não possui personalidade jurídica distinta para a exploração comercial. Ou seja, ele é a mesma pessoa em sua vida pessoal e em seus negócios! Resultado: o empresário individual, em regra, responde com todo o seu patrimônio – mesmo o pessoal – pelas dívidas que contrair em seus negócios.

Não importa que ele tenha contraído bens para abrir um negócio e haja uma separação muito bem definida entre os bens afetos ao negócio e os de uso particular. Tais bens responderão pelas obrigações, mas também o farão seus bens de uso particular, como o seu carro de utilização familiar.

Por isso que tal vestimenta só não traz consigo problemas em situações em que as consequências sejam suportáveis, como os casos de pequenos negócios, sem grandes potenciais de dívida. O problema é que o negócio é dinâmico e nunca sabemos quando e quanto ele irá crescer.

Às vezes você escolhe uma roupa analisando o momento climático, mas em pouco tempo o clima pode mudar e você passar um frio exagerado... melhor seria ter ao menos levado um casaco!

A bem da verdade, essa veste jurídica só é aceitável quanto a uma sub linha de seu portfólio. Explica-se.

Para esses pequenos negócios, há, ao menos, uma interessante opção aos empresários individuais que tenham receita bruta anual de até R$ 81.000,00, que é a figura do microempreendedor individual, o afamado MEI.

Além de possuir simplicidade em seu registro e escrituração contábil (paga-se um baixo valor mensal fixo a título de todos os tributos), o MEI ainda possui apoio técnico do SEBRAE, bem como direitos previdenciários, como recolhimento para aposentadoria, auxílio-doença, salário maternidade e pensão por morte para a família.

Persiste, no entanto, também no caso do MEI, como empresário individual que continua sendo, o problema da proteção, pois o patrimônio pessoal do MEI igualmente estará propício a responder pelas suas dívidas.

De todo modo, colocando-se na balança as vantagens e desvantagens do MEI, não há dúvidas que é uma vestimenta aceitável para pequenos negócios, ao contrário do que acontece quanto a negócios com faturamento superior a R$ 81.000,00, cuja recomendação é que busquem vestimentas com maior proteção do que o registro como empresário individual.

Vamos a elas.

2ª veste: a EIRELI

Visando estimular as pessoas que queriam empreender sem sócios, mas não o faziam com receito da responsabilidade pessoal que tem um empresário individual ou o faziam por meio de uma sociedade limitada de fachada (na qual se dava um baixo percentual para um sócio laranja, apenas para fugir da veste de empresário individual), a lei criou, em 2011, a figura da empresa individual de responsabilidade limitada, ou EIRELI, para os mais íntimos.

Desde 2011, portanto, é possível que aquele que se decida por empreender sozinho se torne titular de uma pessoa jurídica, a qual terá vida independente da pessoa física de seu titular.

A principal consequência dessa autonomia é que, em regra, apenas o patrimônio da EIRELI, ou seja, os bens que estiverem em seu CNPJ, é que responderá pelas dívidas contraídas por esta em sua atividade. Como a EIRELI tem vida própria, distinta da vida particular do seu titular, o patrimônio deste, em regra, fica protegido quanto às dívidas do empreendimento.

Há, porém, algumas peculiaridades.

A primeira delas é que uma pessoa só pode constituir uma EIRELI caso integralize, em seu negócios, valores e/ou bens que não sejam inferiores a cem salários mínimos. Ou seja, a EIRELI pode ser inalcançável para pequenos negócios. Caso seja constituída uma EIRELI, declarando-se ter por capital tal quantitativo, e, no campo dos fatos, se averiguar que não o fez, “tem-se uma empresa individual de responsabilidade limitada irregularmente constituída e, por isso, inábil à produção dos efeitos de limitação de responsabilidade de seu criador”1, ou seja: só se personaliza a empresa cujo capital inicial for igual ou superior a cem salários.

Por fim, há, na lei, a limitação de que casa pessoa física só possa constituir uma EIRELI, o que, de certo modo, impedia que empreendedores individuais diversificassem seus negócios, pois só teriam a limitação em um ramo específico, sobrando a veste do empresário individual caso pretendessem explorar mais de um segmento.

3ª veste: a novíssima veste da Sociedade Limitada Unipessoal

Se a EIRELI, já em 2011, louvavelmente trouxe aos empreendedores individuais uma veste de maior proteção, porém com limitação de capital inicial investido e restrição do número de constituição, a lei da Liberdade Econômica, em setembro de 2019, definitivamente presenteou todo e qualquer empreendedor brasileiro com uma veste para explorar individualmente o mercado, com proteção ao seu patrimônio pessoal.

Trata-se da Sociedade Limitada Unipessoal, inserida pela lei da Liberdade Econômica no closet brasileiro nos parágrafos 1º e 2º do artigo 1.052 do código civil.

Desde então, “a sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas”, de modo que qualquer empreendedor pode constituir uma sociedade limitada da qual ele seja titular de 100% das suas quotas!

Resultado: com o registro da sociedade limitada unipessoal, esta recebe um CNPJ e passa a ter vida própria no mercado, não se confundindo com o CPF do seu sócio. Quem assina os contratos é o CNPJ, quem assina as carteiras de seus empregados é o CNPJ, quem explora a atividade é o CNPJ, e não o sócio (ainda que ele tenha 100% das quotas).

Com isso, as dívidas assumidas pelo CNPJ, em regra, não atingirão o patrimônio pessoal do sócio da Sociedade Limitada Unipessoal, salvo nos conhecidos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

O mais relevante: não há exigência, na lei, de capital mínimo a ser investido, de modo que esta veste pode ser usada deste o mais rico ao mais pobre, protegendo a todos aqueles que não a utilizem com fins abusivos e desviados!

É, definitivamente, a roupa da moda!

Conclusão: vista-se com consciência! Prepare-se para o Baile de Gala!

Pois bem.

O dinamismo do comércio nos leva de momentos econômicos áureos comparáveis a luxuosos Bailes de Galas a intensas crises que se assemelham a rinhas de galo. O empreendedor individual brasileiro precisa conhecer as vestes que lhe estão disponíveis em seu closet jurídico, para estar preparado para frequentar os locais a que se destinam.

Os bons tempos econômicos, queira Deus, estão voltando. Estejamos, todos, bem vestidos!

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1 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do código civil. 7. ed., São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 136.

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*Leonardo Honorato Costa é advogado Empresarial, Master of Laws em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro (FGV/RJ), Pós-MBA em Governança Corporativa e Compliance pela Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro (FGV/RJ) e professor de Direito Empresarial.

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