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Sobre o veto presidencial ao projeto de lei 4.489 de 2019

Na prática, permite-se a contratação direta e excepcional (inexigibilidade) de serviços de advocacia em casos especiais, nos quais o quadro de advogados do órgão ou ente não possua profissional que detenha conhecimentos especializados para patrocinar causas ou mesmo prestar atividade de assessoria jurídica relacionadas a objetos extremamente particulares

9/1/2020

No dia 8 de janeiro do corrente ano foi publicada a mensagem de veto presidencial ao projeto de lei mencionado no título deste texto.

Tal projeto, no particular da advocacia, pretendia conferir a essa atividade um tom-regra de serviço singular, de modo a aparentemente autorizar a Administração Pública a contratar os respectivos serviços, como regra, por meio da inexigibilidade de licitação.

Vejamos, abaixo, a íntegra do veto:

MENSAGEM Nº 5, DE 7 DE JANEIRO DE 2019.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade, o Projeto de Lei no 4.489, de 2019 (no 10.980/18 na Câmara dos Deputados), que “Altera a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), e o Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, para dispor sobre a natureza técnica e singular dos serviços prestados por advogados e por profissionais de contabilidade”.

Ouvido, o Ministério da Justiça e Segurança Pública manifestou-se pelo veto ao projeto pelas seguintes razões:

“A propositura legislativa, ao considerar que todos os serviços advocatícios e contábeis são, na essência, técnicos e singulares, viola o princípio constitucional da obrigatoriedade de licitar, nos termos do inciso XXI, do art. 37 da Constituição da República, tendo em vista que a contratação de tais serviços por inexigibilidade de processo licitatório só é possível em situações extraordinárias, cujas condições devem ser avaliadas sob a ótica da Administração Pública em cada caso específico, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (v.g. lnq. 3074-SC, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 193, de 3-10-2014)”.

Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 8.1.2020

Atualmente, a lei 8.666/93, pela conjugação entre seus artigos 25, inciso II; e 13, inciso V, permite a contratação de serviços técnicos advocatícios, via inexigibilidade de licitação, para patrocínio de causas de interesse da administração, nas quais o objeto seja singular e o advogado ou banca de advocacia a ser contratado(a) possua notória especialização.

Na prática, permite-se a contratação direta e excepcional (inexigibilidade) de serviços de advocacia em casos especiais, nos quais o quadro de advogados do órgão ou ente não possua profissional que detenha conhecimentos especializados para patrocinar causas ou mesmo prestar atividade de assessoria jurídica relacionadas a objetos extremamente particulares.

O projeto de lei vetado tendia a tornar expressa a natureza especializada das atividades atreladas à advocacia, mas condicionou isso à comprovação cumulada da notória especialização do advogado ou escritório, ou seja, o efeito prático seria o mesmo do hoje já tolerado e não faria com que tal contratação, por regra, se desse sempre por inexigilidade, ao arrepio, portanto, do instituto-regra da licitação (artigo 37, inciso XXI, da CRFB/88).

A regra da licitação ainda assim seria respeitada, somente permitindo-se a contratação de advogado ou escritório de advocacia por inexigibilidade de licitação em caso de comprovação da singularidade do objeto demandado e da notória especialização do profissional ou escritório pretendido.

Em conclusão, depreende-se que o veto presidencial foi medida lógica, de modo que não remanesçam duas previsões legais para um mesmo fim/resultado esperado. Continuará possível a contratação excepcional de serviços jurídicos, pela administração, na forma dos artigos 25, inciso II; e 13, inciso V, da lei 8.666/93, restando prestigiados os princípios da Constitucionalidade e Legalidade, aos quais a Administração está jungida por força do caput do artigo 37 da CRFB/88.

___________

*Alessandro Ajouz é advogado com 14 anos de experiência e professor de pós-graduação. Também é especialista em compliance.

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