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Direito desportivo e os casos de injúria racial no esporte

Diante dos casos de injúria racial, quais são as perspectivas do Direito Desportivo e, ainda, como vem sendo o posicionamento da Justiça Desportiva em suas decisões frente os corriqueiros casos midiáticos?

20/12/2019

I – Introdução

Não é incomum vermos nos noticiários casos sobre injúria racial que acontecem durante a realização de uma partida, prova ou campeonato.1 Atualmente, diversos são os casos de injúria racial cometidos por torcedores em face de atletas e, inclusive, de atletas para outros atletas no esporte.2 As ofensas raciais, causam um verdadeiro colapso na sociedade e sem o devido combate, propiciam que novos casos aconteçam no cenário esportivo. 

Diante dos casos de injúria racial, quais são as perspectivas do Direito Desportivo e, ainda, como vem sendo o posicionamento da Justiça Desportiva em suas decisões frente os corriqueiros casos midiáticos? O Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD, tipifica e aplica penas para esse tipo de infração? A FIFA se pronúncia em relação a esses casos? Essas são as perguntas que o presente artigo científico buscará responder sobre a temática da injúria racial no esporte, conforme os próximos tópicos. 

II – Do conceito de injúria racial

Do latim injuria.ae, o dicionário brasileiro nos dá o conceito de injúria como: “Ação ou dito ofensivo; em que há insulto, ofensa que prejudica a dignidade de alguém: dano por injúria.” e “Ação de violar o direito de outra pessoa; injustiça.”3

O Código Penal brasileiro – CP, que tipifica o crime de injúria, prevê em seu artigo 140, caput, a seguinte redação: “Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa”.4

De imediato, percebe-se que o bem protegido são os sentimentos e qualidades que a pessoa tem de si mesma. Nas palavras de Rogério Greco “Com a tipificação do delito de injúria, busca-se proteger, precipuamente, as qualidades, os sentimentos, enfim, os conceitos que o agente faz de si próprio.”5

 Aníbal Bruno, ainda descreve a injúria como:

 Injúria é a palavra ou gesto ultrajante com que o agente ofende o sentimento de dignidade da vítima. O código distingue, um pouco ociosamente, dignidade e decoro. A diferença entre esses dois elementos do tipo é tênue e imprecisa, o termo dignidade podendo compreender o decoro. Entre nós costumava-se definir a dignidade como o sentimento que tem o indivíduo do seu próprio valor social e moral; o decoro como a sua respeitabilidade. Naquela estariam contidos os valores morais que integram a personalidade do indivíduo; neste as qualidades de ordem física e social que conduzem o indivíduo à estima de si mesmo e o impõem ao respeito dos que com ele convivem. Dizer de um sujeito que ele é trapaceiro seria ofender sua dignidade. Chamá-lo de burro, ou de coxo seria atingir seu decoro.6

Após os amplos conceitos de injúria, focaremos na chamada injúria preconceituosa, prevista no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal.7 Essa sim, é a injúria relacionada aos diversos casos no esporte e que merece ser distinguida do crime de racismo previsto na lei 7.716/89,8 pois seus conceitos jurídicos são diferentes.

Didaticamente, ensina Rogério Greco:

O crime de injúria preconceituosa pune o agente que, na prática do delito, usa elementos ligados a raça, cor, etnia, etc. A finalidade do agente, com a utilização desses meios, é atingir a honra subjetiva da vítima, bem juridicamente protegido pelo delito em questão. Ao contrário, por intermédio da legislação que definiu os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, são proibidos comportamentos discriminatórios, em regra mais graves do que a simples agressão à honra subjetiva da vítima, mas que, por outro lado, também não deixam de humilhá-la, a exemplo do que acontece quando alguém recusa, nega ou impede a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau, tendo o legislador cominado para essa infração penal, tipificada no art. 6º, da Lei nº 7.716/89, uma pena de reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.9

Na injúria racial a ofensa é praticada contra a honra de alguém em virtude da sua raça, cor, etnia, religião e origem. No racismo, a ofensa é praticada contra a coletividade indeterminada de indivíduos.

Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci, racismo seria:

[...] o pensamento voltado à existência de divisão dentre seres humanos, constituindo alguns seres superiores, por qualquer pretensa virtude ou qualidade, aleatoriamente eleita, a outros, cultivando-se um objetivo segregacionista, apartando-se a sociedade em camadas e estratos, merecedores de vivência distinta.10

O Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, define racismo, como:

Com o termo Racismo se entende, não a descrição da diversidade das raças ou dos grupos étnicos humanos, realizada pela antropologia física ou pela biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente científicos, para levar a crença da superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa a justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se consideram inferiores.11

Deve, ainda, ser ressaltado que o crime inafiançável previsto no art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988, refere-se as infrações dispostas na lei. 7.716/89, ou seja, descreve sobre os crimes de racismo, e não do art. 140 do Código Penal, que prevê o crime de injúria. “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”12.

III - Da Justiça Desportiva

Prevista no artigo 217 da Constituição Federal de 198813, nas palavras de Gustavo Lopes Pires de Souza, Caio Medauar, Gustavo Normanton Delbin, Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira e Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni, o Direito Desportivo seria conceituado como:

[...] o Direito Desportivo como conjunto de normas e regras que regem o desporto e cuja inobservância pode acarretar penalizações, constituindo-se de normas escritas ou consuetudinárias que regulam a organização e a prática do desporto e, em geral, de quantas disciplinas e questionamentos jurídicos situam a existência do desporto como fenômeno da vida social.14

Para Valed Perry, o Direito Desportivo seria o “complexo de normas e regras que regem o desporto no mundo inteiro e cuja inobservância pode acarretar a marginalização total de uma associação nacional do concerto mundial esportivo”.15

A partir do artigo 217 da Constituição Federal de 1988, surge então, a Justiça Desportiva, órgão responsável pela apreciação das ações que envolvam causas disciplinares e competições esportivas.

A Constituição Federal prevê, portanto, no artigo supramencionado, que as ações relativas à disciplina e às competições desportivas somente poderão ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário após o esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva. É através da compreensão e aplicação deste artigo que se pode justificar a existência da Justiça Desportiva [...].16

Nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos, “aí está a previsão da Justiça Desportiva. O constituinte, considerando a especificidade desse campo, previu um organismo não integrado ao Poder Judiciário, para resolver pendências relativas ao setor”.17

Os casos de injúria racial nos esportes praticadas durante a realização de algum jogo, campeonato, prova ou equivalente, sobretudo no futebol durante o ano de 2019, terá a figura da Justiça Desportiva como o órgão competente para dirimir esses infelizes incidentes. Ressalvamos aqui, que a Justiça Comum em âmbito Criminal e Cível pode e deve investigar os infratores desses atos discriminatórios, punindo-os em razão do cometimento de tal infração, contudo, frisamos novamente que a investigação e punição dos clubes ou atletas será de competência da Justiça Desportiva, tendo em vista a falta disciplinar praticada durante o campeonato, partida, prova ou equivalente.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD, prevê em seu artigo 243-G, caput, a seguinte redação, verbis:

Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). § 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009).  § 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009).  § 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009).

Logo, constata-se que a injúria racial é tipificada pelo CBJD, respondendo o infrator pelas penas previstas no referido artigo.

Em 2013, nas palavras de Francisco de Assis Pessanha Filho, analisando o referido artigo na obra Código Brasileiro de Justiça Desportiva: Comentários – Artigo por Artigo, com participação (et al.) de renomados nomes do Direito Desportivo, sob a Coordenação de Ricardo Graiche, comenta o artigo como:

Artigo de curial importância para toda a sociedade, de um modo geral, visa banir da esfera desportiva a odiosa prática de racismo ou discriminação, em todas as esferas. [...] 

Veja que a pena mínima aplicada ao atleta é de cinco partidas, provas ou equivalentes, o que se demonstra gradativamente alta, quando comparada aos demais artigos do Código, o que se faz de maneira correta, haja vista a gravidade do delito. Já o parágrafo primeiro abre a possibilidade de perda de pontos e até mesmo a exclusão da competição, caso a infração seja praticada por um considerável número de pessoas, simultaneamente, deixando a critério do julgador a mensuração do “considerável número”, dependendo da modalidade da prática desportiva e das circunstâncias em que o delito se deu. Por seu turno, o parágrafo segundo estende a punição à entidade desportiva cuja torcida vier a infringir a norma, o que me parece justo e razoável, tanto pelo caráter punitivo e, sobretudo, pedagógico. Em caso de identificação do torcedor, este não poderá frequentar a praça desportiva por, no mínimo 720 dias, ficando a critério do julgador a quantidade máxima. A punição me parece adequada sob todos os aspectos, ficando a majoração da condenação a cargo das circunstâncias que envolvem os fatos e os infratores. Permitiu o legislador, por fim, que se a infração for de extrema gravidade, fossem aplicadas as penas de perda de pontos, do mando de campo e a exclusão do campeonato ou torneio. Contudo, não incluiu a possibilidade de se aplicar a pena de eliminação, o que penso ser fora de propósito, uma vez que a gravidade do delito deveria autorizar a aplicação desta modalidade punitiva.18

Ainda, convém ressaltarmos o que dispõem o artigo 1º-A do Estatuto de Defesa do Torcedor, verbis:

Art. 1o-A.  A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.19 (Grifo nosso).

Logo, a injúria racial que se caracteriza como uma violência psicológica e que em alguns casos, atinge fisicamente a vítima, deve ser prevenida nos esportes, sendo uma responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, dirigentes e também daqueles que promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos, conforme descrito no artigo supramencionado. Assim, a prevenção sobre as práticas de violência possui uma abrangência gigantesca, a fim de garantir total segurança durante os espetáculos esportivos.

IV – Casos de injúria racial no esporte

Recentemente, no dia 10 de novembro de 2019, em partida válida pela 32º rodada do Campeonato Brasileiro de 2019, no Estádio Governador Magalhães Pinto (Mineirão), entre Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro, o segurança do Mineirão, Fábio Coutinho, foi alvo de injúria racial por torcedores do Atlético Mineiro, conforme notícia publicada pelo site Globo Esporte.20 Em razão do infortúnio ocorrido, ambas as equipes foram denunciadas pela Procuradoria da Justiça Desportiva. Na sessão realizada no dia 21 de novembro de 2019, os Auditores puniram as equipes com multa de R$ 100 mil e perda de um mando de campo, cada, por desordens prevista no artigo 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva21 e aplicaram ainda multa de R$ 30 mil ao Atlético/MG em virtude da injúria racial sofrida pelo segurança do Mineirão, conforme o site do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol.22 Da decisão ainda cabe recurso, o que foi interposto pelas equipes mineiras, nos termos do art. 146 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, com o devido protocolo do Recurso Voluntário23 399/19 -  STJD (191/19 – 3ª CD), deferido com efeito suspensivo.24

O recurso voluntário será interposto para a instância imediatamente superior mediante oferecimento de razões no prazo de três dias, contados da proclamação do resultado do julgamento ou da juntada do respectivo acórdão, caso sua lavratura seja requerida pela parte na forma do art. 39 do CBJD, acompanhado do comprovante de pagamento dos emolumentos devidos, sob pena de deserção, não se admitindo a produção de novas provas.25

Convém ressaltarmos, que nos termos do art. 140 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva26, o recurso voluntário não terá a pena agravada (reformatio in pejus), salvo se interposto pela Procuradoria.

Outro caso de injúria racial praticada no futebol ocorreu na Ucrânia, na partida realizada no dia 10 de novembro de 2019, entre Shakhtar Donestk e Dínamo Kiev, no Estádio Metalist, válida pelo Campeonato Ucraniano, os jogadores brasileiros Taison e Dentinho foram alvos de injúria racial por parte da torcida do Dínamo Kiev.27 

Após a gigante repercussão internacional, a Associação Ucraniana de Futebol, condenou o clube Dínamo Kiev ao pagamento de uma multa estipulada em 500 mil Grívnia (equivalente a R$ 87.160,38) e a uma partida com os portões fechados. A Associação Ucraniana de Futebol, também puniu o jogador Taison, vítima do ato de injúria racial, com 1 partida de suspensão, tendo em vista sua reação de mostrar o dedo do meio para a torcida rival e chutar a bola em sua direção.28 Com a punição do brasileiro, existiu uma revolta por parte de muitos torcedores e, inclusive, da Fifpro (Associação Internacional de Jogadores), que se manifestaram “sancionar uma vítima de racismo vai além da compreensão e joga a favor daqueles que promovem esse comportamento vergonhoso. ”29

Com o avanço tecnológico e a facilidade de acessar sites, páginas e transmissões de jogos em tempo real por qualquer smartfone, tablet ou computador, a injúria racial passou a ser praticada pelos internautas nas redes sociais durante a realização dos jogos.

No dia 19 de outubro de 2019, a ponteira norte-americana Deja McClendon, jogadora da equipe de vôlei do Itambé/Minas, que jogava uma partida válida pelo Desafio MG x RJ, contra a equipe do Dentil/Praia Clube, foi alvo de injúria racial durante o streaming (transmissão contínua), feito pela Federação Mineira de Voleibol – FMV. A atleta, foi chamada de “Macaca careca” nos comentários da transmissão por um dos internautas identificado como Rafael Santos.30 Após o ocorrido, a FMV publicou uma nota de repúdio em suas redes sociais (instagram), em razão do ato praticado contra a atleta e demonstrou apoio a vítima da injúria racial.31

Diante dos casos apresentados, verifica-se que a injúria racial é praticada de diversas formas possíveis, atingindo psicologicamente ou fisicamente a vítima, sendo direcionada a qualquer pessoa, seja ela atleta, torcedor, segurança do evento, dirigentes ou qualquer outra que tenha participação direta ou indireta no esporte. Logo, as prevenções dessas péssimas práticas devem ser adotadas, buscando-se aboli-las dos jogos, competições, torneios e equivalentes.

V – Do novo código disciplinar da FIFA

A Federação Internacional de Futebol – FIFA, organização internacional sem fins lucrativos, com sede em Zurique, na Suíça, é a responsável pela supervisão das diversas federações, confederações e associações relacionados com o futebol de campo, futsal, futebol de areia e futebol de praia pelo mundo.32 33

No ano de 2019, foi disponibilizado pela FIFA em seu site oficial (fifa.com), o Código de Ética da FIFA (versão 2019)34, que prevê em seu art. 22 uma parte especial destina a (Discriminação e difamação), que descreve:

1. As pessoas vinculadas por este Código não devem ofender a dignidade ou integridade de um país, pessoa particular ou grupo de pessoas por desprezo, palavras ou ações discriminatórias ou denegatórias devido à raça, cor da pele, etnia, nacionalidade, origem social, gênero, deficiência, idioma, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, riqueza, nascimento ou qualquer outro status, orientação ou qualquer outro motivo. (Grifo nosso).35

2. As pessoas vinculadas por este Código estão proibidas de fazer declarações públicas de natureza difamatória à FIFA e / ou a qualquer outra pessoa vinculada deste Código no contexto dos eventos da FIFA.36

3. A violação deste artigo será sancionada com uma multa apropriada de pelo menos 10.000 francos suíços, bem como a proibição de participar de qualquer atividade relacionada ao futebol no máximo dois anos. Em casos graves e / ou em caso de repetição, a proibição de participar de qualquer atividade relacionada ao futebol pode ser declarada máximo de cinco anos. (Grifo nosso).37

Visualiza-se, dessa forma, que a FIFA preocupada com os diversos atos discriminatórios que ocorrem durantes os eventos futebolísticos, decidiu por bem regulamentar e sancionar aqueles que pratiquem ações discriminantes ou denegatórias em face de outras pessoas em virtude da sua raça, cor da pele, etnia, nacionalidade, origem social, gênero, deficiência, idioma, religião, dentre outros, conforme disposto no Código de Ética.

Além disso, conforme a notícia publicada pelo site Globo Esporte, o Novo Código Disciplinar da Fifa concede mais poderes aos árbitros das partidas em casos de racismo praticados durante a partida. Os árbitros podem suspender a partida caso haja incidentes racistas e, inclusive, finalizar a partida atribuindo a derrota ao time que praticou os atos discriminatórios.38 Essa decisão da FIFA, visa diminuir os incidentes discriminatórios ocorridos em eventos sob sua supervisão, com o intuito de reprimir totalmente qualquer ato que seja contra as éticas impostas pela organização.

VI – Conclusão

As partidas, os jogos, provas, campeonatos, copas e equivalentes, visam precipuamente a união entre os povos, entre as pessoas e que conjuntamente à cultura, transmitem a essência de globalização da prática esportiva. Comemorado todo dia 20 de novembro, o dia da consciência negra demonstra toda a luta e sacrifício enfrentado por aqueles que lutaram e ainda lutam pela abolição da injúria racial, do racismo e de qualquer outro tipo de discriminação racial, pleiteando somente, a inclusão social e a igualdade em nossa sociedade. Somente no Brasil, foram mais de 300 anos de escravidão, suportada por povos que queriam ser livres. Abolida há mais de 130 anos pela Lei Áurea, alguns atos de injúria racial ainda são perceptíveis, infelizmente no esporte.

Em razão disso, a Justiça Desportiva deve ser sempre firme e convicta em suas decisões quando estiver diante de atos de injúria racial. As entidades de práticas desportivas devem fomentar eventos e palestras para seus atletas sobre o contexto racial, visando diminuir/extinguir os casos de atletas que se ofendem entre si. Ainda, o Estado e a sociedade devem trabalhar simultaneamente em prol da extinção da injúria racial, com políticas públicas capazes de atingir o maior número possível de pessoas, principalmente as crianças nas escolas.

Conforme exposto por este artigo científico, a injúria racial possui previsão no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, com penas que devem ser cumpridas pelos clubes caso contribuam ou sejam omissos (culpa in vigilando) sobre os atos discriminatórios praticados por seus torcedores. Ainda, conforme o Novo Código Disciplinar da Fifa, as medidas extremas de punição devem ser tomadas, visando amedrontar aqueles que pensam em praticar atos fúteis no esporte. E ainda, deixamos nossa ressalva para a Justiça Comum, tanto em âmbito Cível quanto criminal para punir os responsáveis pelas injúrias preconceituosas.

O trauma da injúria racial atinge sobretudo o psicológico da vítima e deve ser reprimido. Praticar atos de injúria racial em eventos esportivos é segurar uma enorme bandeira escrito retrocesso.  

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1 Taison e Dentinho sofrem ofensas racistas em jogo do Shakhtar e se revoltam; ex-Inter acaba expulso. GloboEsporte.com, Donetsk, 10 de nov. 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 30 de nov. de 2019

2 Segurança do Mineirão é alvo de injúria racial de torcedor após Cruzeiro x Atlético-MG: "Olha sua cor". GloboEsporte.com, Belo Horizonte, 10 de nov. 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 30 de nov. de 2019.

3 Dicionário online de português. Dicio, 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 30 de nov. de 2019.

4 BRASIL, 1940, [s.p].

5 GRECO; Rogério, 2009, p. 459

6 BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 300.

7 § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa. (BRASIL, DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940, 1940)

8 BRASIL, 1989, [s.p].

9 GRECO; Rogério, 2009, p. 466.

10 NUCCI; Guilherme, 2008, p. 273.

11 BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 1059.

12 BRASIL, 1988, [s.p].

13 Idem.

14 SOUZA, Gustavo. et al. Direito Desportivo. Belo Horizonte: Arraes Editora Ltda, 2014, p. 4.

15 PERRY, Valed. Direito desportivo: temas. Rio de Janeiro: CBF, 1981. p. 81

16 SOUZA, Gustavo. et al. Direito Desportivo. Belo Horizonte: Arraes Editora Ltda, 2014, p. 29.

17 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 1.214.

18 GRAICHE, Ricardo.et al. Código Brasileiro de Justiça Desportiva: Comentários – Artigo por Artigo. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p.305.

19 BRASIL, 2003, [s.p].

20 Segurança do Mineirão é alvo de injúria racial de torcedor após Cruzeiro x Atlético-MG: "Olha sua cor". GloboEsporte.com, Belo Horizonte, 10 de nov. 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 30 de nov. de 2019.

21 Art. 213. Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir: (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009). - 50 - I - desordens em sua praça de desporto; (AC). II - invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo; (AC). III - lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo. (AC). PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (NR).

22 LAMEIRA, Daniela. CRU x CAM: Clubes punidos. Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 30 de nov. de 2019.

23 Art. 146. Ressalvados os casos previstos neste Código, cabe recurso voluntário de qualquer decisão dos órgãos da Justiça Desportiva, salvo decisões do Tribunal Pleno do STJD, as quais são irrecorríveis, na forma do art. 136, § 1º. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

24 CRU X CAM: relator defere efeito. Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 01 de dez. de 2019.

25 SOUZA, Gustavo. et al. Direito Desportivo. Belo Horizonte: Arraes Editora Ltda, 2014, p. 54.

26 Art. 140. No recurso voluntário, salvo se interposto pela Procuradoria, a penalidade não poderá ser agravada.

27 Taison e Dentinho sofrem ofensas racistas em jogo do Shakhtar e se revoltam; ex-Inter acaba expulso. GloboEsporte.com, Donetsk, 10 de nov. 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 30 de nov. de 2019.

28 Taison é punido com um jogo de suspensão por reagir a caso de racismo na Ucrânia. GloboEsporte.com, Donetsk, 21 de nov. 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 30 de nov. de 2019.

29 Taison é punido por reação que teve após sofrer injúria racial. Folha de São Paulo, 21 de nov. de 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 30 de nov. de 2019. 

30 CANOSSA, Carolina. Americana do Minas é vítima de injúria racial em transmissão de jogo. Saída de Rede, 20 de out. de 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 01 de dez. de 2019.

31 FMVOLEI, Federação Mineira de Vôlei. Nota de Repúdio. 20 de out. de 2019. Instagram. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 01 de dez. de 2019.

32 PACIEVITCH, Thais. Federação Internacional de Futebol – FIFA. InfoEscola, [2014?]. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 01 de dez. 2019.

33 Federação Internacional de Futebol. Wikipédia. 13 de nov. de 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 01 de dez. de 2019.

34 FIFA CODE OF ETHICS 2019 edition. Fifa.com, 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 01 de dez. de 2019.

35 FIFA CODE OF ETHICS, 2019, p. 19.

36 Idem.

37 FIFA CODE OF ETHICS, 2019, p. 20.

38 Novo Código Disciplinar da Fifa dá mais poder aos árbitros na luta contra o racismo. GloboEsporte.com, Zurique, 11 de jul. de 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 01 de dez. de 2019.

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BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 5. ed. São Paulo: Ed. UnB, 2004. v. 1.

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BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.

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*Bruno Meneses Alves Faria é advogado, especialista em Direito Privado, Direito do Trabalho e Professor Universitário.

*Douglas Sanguinete Ribeiro é bacharelando em Direito

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