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Batalha do audiovisual no cenário previsto pelas PECs dos fundos públicos e do pacto federativo

Tais emendas, se aprovadas, podem gerar uma avalanche de discussões jurídicas sobre a suspensão de cobrança de CIDEs e a devolução de contribuições arrecadadas para um fim e destinada a outro, trazendo, ao contrário do que se espera, um custo financeiro elevado às Fazendas Públicas, além do retrocesso no desenvolvimento de alguns setores da economia.

14/11/2019

Na terça-feira (5/11), o Governo Federal apresentou novo pacote de reformas, apresentando três propostas de emendas constitucionais, com mudanças na distribuição dos recursos públicos. Dentre as propostas apresentadas há a PEC de revisão dos fundos infraconstitucionais que estabelece a necessidade de promulgação de lei complementar para a criação de novos fundos públicos e a ratificação dos existentes. Por seu turno, a PEC do pacto federativo prevê uma interferência direta nos incentivos fiscais temporários que exigem renovação.

A PEC dos fundos públicos exige a retificação por LC, até o segundo exercício financeiro subsequente à sua promulgação, sob pena de extinção. Assim, na hipótese de aprovação do texto, todos os fundos estabelecidos por lei ordinária, incluindo o Fundo Nacional de Cultura (FNC), criado pela lei 7.505/86 e ratificado pela lei 8.313/91, bem como o Fundo Setorial do Audiovisual, instituído pela lei 11.437/06 e vinculado ao FNC, podem ser extintos caso não sejam ratificados.

Pois bem, na hipótese de efetiva extinção, como ficariam os recursos já arrecadados? De acordo com o § 2º, do art. 3º da PEC, “o patrimônio dos fundos públicos extintos em decorrência do disposto neste artigo será transferido para o respectivo Poder de cada ente federado ao qual o fundo se vinculava.” Ou seja, valores de contribuições de intervenção no domínio econômico, que deveriam ser destinados a execução de políticas setoriais, podem ir para o caixa do Poder Executivo, como se fossem recurso de impostos – que não possuem destinação específica, nos termos do art. 167, inciso IV, da CF

Neste ponto, entendemos que a hipótese de transferência para o Poder Executivo dos recursos arrecadados sob a forma de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), com destinação específica aos fundos, para uso diverso daquele originalmente instituído, afeta diretamente a validade jurídica da CIDE e abre espaço para discussão jurídica envolvendo a devolução do que foi arrecadado.

Além do risco para o setor do audiovisual com a possibilidade de extinção do FSA e da utilização dos recursos remanescentes para outras finalidades, o art. 4º da PEC dos Fundos indica que as normas infraconstitucionais que vinculem receitas públicas a fundos públicos serão revogadas ao final do exercício financeiro em que ocorrer a promulgação desta EC. Isto significa dizer que é possível que a CONDECINE seja mantida, sem que os recursos arrecadados sejam revertidos ao setor. Salientamos, ainda, que a referida previsão está contida ipsis litteris no art. 9º da PEC do Pacto Federativo.

A manutenção de uma CIDE sem a vinculação do produto arrecadado ao setor do domínio econômico que é alcançado pelo CIDE, contraria o fundamento constitucional de validade da própria contribuição. Assim, a pergunta que se faz é se as PECs têm por finalidade extinguir toda e qualquer CIDE ou, de maneira inconstitucional, transformar as CIDE em impostos. Em geral, recursos arrecadados sob a forma de CIDE são destinados a Fundos Públicos como o FNC, FSA, FISTEL, FUST, FUNTELL, dentre outros, que têm por objetivo final estimular os domínios econômicos aos quais estão vinculados.

Em termos práticos, se implementadas as alterações propostas nas PECs, não seria válida a cobrança de CONDECINE se o recurso, ao invés de ser destinado ao FSA, fosse destinado para investimentos em infraestrutura ou programas sociais de erradicação da pobreza, conforme a previsão do parágrafo único do art. 4º, ou ainda para a amortização da dívida pública, consoante o previsto no art. 5º, ambos da controvertida PEC dos Fundos.

A lógica aqui apresentada pode ser aplicada a qualquer CIDE que compõe recurso de Fundo, que tem por objeto a atuação do Estado em área específica da economia e do mercado.

Para quem atua no segmento do audiovisual e tem contratos firmados com o FSA, a presente proposta também traz insegurança jurídica, pois, caso os recursos do Fundo sejam desvinculados e destinados  ao Poder Executivo para fazer frente à outras despesas públicas, há o risco efetivo do contrato com o FSA não ser cumprido e produções serem interrompidas por falta de recursos.

Não bastassem as temerárias alterações da PEC dos Fundos, a norma proposta pela PEC do Pacto Federativo também traz insegurança quanto à continuidade dos incentivos fiscais para a cultura. De acordo com o inciso XIV, do art. 167, que se quer incluir, poderá ser vedada “a criação, ampliação ou renovação de benefício ou incentivo de natureza tributária pela União, se o montante anual correspondente aos benefícios ou incentivos de natureza tributária superar 2 p.p. (dois pontos percentuais) do Produto Interno Bruto no demonstrativo a que se refere o § 6º do art. 165 da Constituição Federal”. Portanto, os mecanismos temporários como os dos artigos 1º, 1ºA, da lei 8.685/93 (lei do audiovisual) e art. 44 (FUNCINE) da MP 2228-1/01 podem ser extintos por impossibilidade de renovação no futuro.

As justificações contidas nas PECs indicam, de início, que se busca modernizar e aperfeiçoar os mecanismos de gestão orçamentária e financeira. E, de fato, a existência de dezenas de contribuições de intervenção no domínio econômico dificulta a gestão das obrigações tributárias por parte dos contribuintes e burocratiza a gestão pública dos recursos pelos entes públicos. No entanto, é preciso afinar juridicamente a forma de implementação dessas mudanças, pois as PECs afrontam diretamente a razão da existência de inúmeras Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, incentivos e mecanismo de fomento, importantes para a indústria nacional. Tais emendas, se aprovadas, podem gerar uma avalanche de discussões jurídicas sobre a suspensão de cobrança de CIDEs e a devolução de contribuições arrecadadas para um fim e destinada a outro, trazendo, ao contrário do que se espera, um custo financeiro elevado às Fazendas Públicas, além do retrocesso no desenvolvimento de alguns setores da economia.

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*Daniella Galvão Imeri é sócia do Cesnik, Quintino e Salinas Advogados.







*Roberto Drago Pelosi Jucá é sócio do Cesnik, Quintino e Salinas Advogados.

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