Com o advento da lei 13.874 de 20 de setembro de 2019 intitulada popularmente de “lei da liberdade econômica” inúmeras foram as alterações em todos os campos do Direito conforme prevê sua Ementa transcrita com grifo nosso:
"Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o decreto-lei 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a lei Delegada 4, de 26 de setembro de 1962, a lei 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do decreto-lei 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências.”
Na esfera trabalhista em especial em seu artigo 15, a suscitada lei passou a estabelecer “Art. 15 - A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:”.
Assim para maiores esclarecimentos sem adentrar na legalidade e maiores aprofundamentos dos principais temas seguem perguntas e respostas acerca das principais alterações na esfera juslaboral:
1. Qual prazo para vigência da lei em relação aos comandos que alteraram a CLT?
De início, imperioso destacar os fatos em relação à vigência da lei, o que envolve o seu art. 20, e de plano iniciar com uma polêmica. Nos termos desta, o inciso I estabelecia que os artigos 6º a 19 (o que inclui as modificações da CLT já que constam em sua maioria no artigo 15) entrariam em vigor noventa dias após a sua publicação, porém o citado inciso fora vetado, restando somente a informação constante no inciso “II - na data de sua publicação, para os demais artigos”.
Independente das razões do veto é certo que o inciso II do artigo 20 da lei da liberdade econômica ficou sem sentido algum, ainda que se argumente que a “vontade do legislador” fora pela vigência imediata.
Pela confusão na edição da norma específica a respeito da vigência, impossível não nos reportarmos ao art. 1º, caput, da lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, in verbis: “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. Sendo assim, ainda que não pacificado toda a lei da liberdade econômica passaria a ter vigência a partir de novembro de 2019.
Posição esta compartilhada de acordo com brilhante doutrinador Flávio Tartuce e por: “José Fernando Simão, Maurício Bunazar, Rodrigo Xavier Leonardo, Marco Aurélio Bezerra de Melo, Rodrigo Toscano de Brito, Marcos Jorge Catalan, Ricardo Calderón, João Ricardo Brandão Aguirre, Cesar Calo Peghini e Marcos Ehrhardt Júnior...”
Controle da Jornada de Trabalho
2. Como passa a ser o registro de ponto de funcionários em uma empresa?
Das mais significativas alterações encontramos as relacionadas a Controle de Jornada de trabalho com alteração do artigo 74 da CLT, dando nova redação ao seu § 2°, que previa o “quadro de horário” e a obrigatoriedade da anotação da hora de entrada e de saída para estabelecimentos com mais de dez trabalhadores passando com a mudança a ser exigido somente para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores, senão vejamos com grifo nosso:
“Art. 74. O horário de trabalho será anotado em registro de empregados. § 1º (Revogado).
§ 2º Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.
§ 3º Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o caput deste artigo.”
Em continuação prevê ainda uma nova modalidade de controle de jornada de trabalho denominada de “registro de ponto por exceção” que autoriza o estabelecimento por meio de acordo individual escrito ou pelo instrumento normativo da categoria que o empregador efetue o controle apenas da jornada extraordinária:
“§ 4º Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”
Neste, sempre que a jornada for regular, nada se anotaria; possibilidade já prevista desde 2011 na portaria 373 do Ministério do Trabalho e Emprego que por não ter sido aceita pelo Poder Judiciário, caiu logo em desuso voltando à tona como lei.
3. E o trabalho aos domingos e feriados? Houve alguma alteração como estava sendo anunciado na imprensa?
Não, ainda que o projeto original previsse flexibilização das regras sobre o trabalho nos domingos e feriados (pretendendo revogar os artigos 6º-A e 6º-B da lei 10.101/2000 – flexibilizando o trabalho aos domingos e feriados para todas as profissões, esta parte não foi aprovada pelo Senado Federal; não havendo alterações no que tange a domingos e feriados.
Anotação da CTPS
4. O prazo de anotação da CTPS continua 48 horas nos moldes do artigo 29 da CLT?
Não, esse prazo passa a ser de 5 (cinco) dias úteis conforme a nova redação do artigo 29 da CLT:
“Art. 29. O empregador terá o prazo de 5 (cinco) dias úteis para anotar na CTPS, em relação aos trabalhadores que admitir, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério da Economia.”
Vale ressaltar que a lei também estabeleceu que o trabalhador deva ter acesso às informações da sua CTPS no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a partir de sua anotação (§ 8º do art. 29 da CLT).
Para que estes prazos possam ser cumpridos, quanto à emissão das Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) esta passará a ser “preferencialmente” em formato digital conforme alteração do artigo 14 da CLT:
“Art. 14. A CTPS será emitida pelo Ministério da Economia preferencialmente em meio eletrônico. Parágrafo único. Excepcionalmente, a CTPS poderá ser emitida em meio físico, desde que: I – nas unidades descentralizadas do Ministério da Economia que forem habilitadas para a emissão; II – mediante convênio, por órgãos federais, estaduais e municipais da administração direta ou indireta; III – mediante convênio com serviços notariais e de registro, sem custos para a administração, garantidas as condições de segurança das informações.”
Os procedimentos para emissão da Carteira de Trabalho foram regulamentados pelo Ministério da Economia por meio da Portaria 1.065 no dia 23 de setembro de 2019 constando no parágrafo único do artigo 3º da Portaria que: “A Carteira de Trabalho Digital terá como identificação única o número de inscrição do trabalhador no CPF.” Por fim e não menos importante decidiu-se com a promulgação da referida lei alterações no sistema do e-social com o intuito de padronizar e facilitar o acesso pelos contribuintes.
Desconsideração da personalidade jurídica
5. Como foram as alterações relacionadas a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito trabalhista?
Outra importante atualização que afeta diretamente a rotina justrabalhista é o procedimento para desconsideração da personalidade jurídica, diferentemente dos anteriores este recai diretamente ao diploma Civilista. Antes do advento da lei 13.874 admitia-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em casos de inadimplência da empresa principal com o objetivo de atingir o patrimônio de seus sócios, em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução ante ao caráter alimentar das verbas trabalhistas exigindo apenas a observação dos procedimentos previstos nos artigos 133 a 137 do Código Civil.
A desconsideração da personalidade jurídica encontra amparo no artigo 49 e seguintes do Código Civil que passa a receber nova redação nos termos do artigo 7° da lei 13.847 em questão que segue com nossos grifos:
Art. 7º a lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.”
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III - Outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.” (NR)
Após o explanado constatamos que:
a) Fica reconhecido nos termos do recém-criado artigo 49 - A do Código Civil brasileiro a autonomia patrimonial com intuito inicial de incentivar criação de empresas e empregos.
b) Restringiram-se nos termos do artigo 50 do mesmo diploma civil os requerimentos para desconsideração da personalidade jurídica sob a ótica de “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial”.
c) Ainda, com intuito de restringir os pedidos de desconsideração da personalidade jurídica criou-se novos parágrafos ao artigo 50 do Código Civil restringido as definições de desvio de finalidade e confusão patrimonial definindo assim:
Considera-se desvio de finalidade a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
d) Pela análise dos parágrafos 4° e 5° restringindo ainda mais as opções para o pedido de desconsideração, a mera existência de grupo econômico sem a presença de abusos (desvio de finalidade ou confusão patrimonial) não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. Por fim, a mera expansão ou alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica não constitui desvio de finalidade como anteriormente vinha se entendendo.
Conclusão: Neste diapasão, torna-se muito difícil a satisfação do crédito trabalhista sendo possível apenas atingir o patrimônio dos sócios, em caso de inadimplência com a demonstração clara da intenção de cometer fraude pelos sócios. Apenas nos casos de confusão patrimonial ou desvio de finalidade aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica, restando muito difícil a satisfação trabalhista.
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*Dimas Cucci Silvestre é advogado trabalhista, pós-graduado na área e concurseiro da magistratura. Graduado pela Universidade de Araraquara – Uniara, com pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto de Direito da Faculdade Ibmec SP. Já atuou em gestão de empresas e pessoas, hoje concurseiro da magistratura do trabalho e advogado militante na área com especialidade em gestão no risco contratual empregatício, negociação de acordo e convenção coletiva bem como contencioso em geral.