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Impactos do Bacenjud

A falta de efetividade das decisões era um problema que foi corrigido. Agora, a ferramenta que propiciou isto carece de urgentes ajustes. Gerir R$ 50 bilhões por ano exige responsabilidades bem estabelecidas.

30/10/2019

O sistema que viabiliza a realização de penhora on-line nas contas bancárias chama-se Bacenjud 2.0. Ele foi criado a partir de um convênio entre o CNJ e o Banco Central, permitindo que um magistrado localize, bloqueie e resgate quantias financeiras, nas contas dos jurisdicionados, para saldar obrigações discutidas em processos judiciais.

Esta ferramenta foi instituída em 2005, com o objetivo de conferir efetividade às decisões da Justiça. E conseguiu. Se autor ou réu possuir patrimônio financeiro, não há mais como se esquivar da execução da obrigação, seja provisória ou definitiva.

Especialmente na saúde, a penhora de ativos é extremamente útil. Através dela, juízes vêm entregando tratamentos e, assim, salvando vidas. De sua criação, até novembro de 2018, o sistema movimentou R$ 334,15 bilhões. Só no ano passado estas movimentações alcançaram uma cifra próxima a R$ 50 bilhões. Dados do Banco Central do Brasil.

Todavia, aquilo que surgiu para solucionar um problema, vem trazendo várias preocupações. Se, de um lado, o Bacenjud trouxe efetividade, por outro, incentiva a fraude, exacerba a judicialização e afeta fortemente a gestão financeira das empresas, de todos os setores.

Com o CPC de 2015, a utilização do bloqueio on-line se intensificou. Em seu artigo 297, ele autoriza o julgador a adotar as medidas que considerar suficientes para efetivação da liminar. A mais recorrente delas é exatamente a penhora eletrônica.

Acontece que esta suficiência vem sendo definida sem um critério técnico razoável e, ainda mais, de maneira precária – em sede de análise superficial, para concessão de tutelas cautelares. Na saúde, alguns julgadores determinam a penhora com base em orçamentos trazidos ao processo. Outros estimam uma multa diária. Ainda há os que preveem formação de um fundo financeiro, para satisfação de obrigações continuadas (tratamentos em ciclos).

Entretanto, os valores dos tratamentos são orçados de maneira unilateral, muitas vezes por prestadores e fornecedores que são os mais interessados nestes ativos. Pior ainda podem ser as astreintes, quando somam uma quantia absurdamente superior ao do tratamento perseguido. Já o risco de descontrole, ao se criar um fundo financeiro para o Judiciário gerenciar o custeio de serviços médico-hospitalares, é algo a ser evitado.

Claro que, no discurso dos usuários do Bacenjud, existe uma solução simples para tudo isto: basta a empresa entregar o tratamento, evitando a necessidade de bloqueio financeiro. Mas não é tão simples, pois a maioria destas discussões acontece exatamente quando a seguradora não tem contrato com o hospital, ou com o fornecedor de medicamentos, ou ainda quando o remédio não pode ser adquirido, pela ausência de registro sanitário na ANVISA. Nestes casos, o cumprimento da ordem torna-se complexo.

Fato é que há uma geração de oportunidades preciosas para alguns inescrupulosos agentes da saúde agirem com excesso. Determinados fornecedores de medicamentos, especialmente, comemoram a possibilidade de poder faturar o que bem entender. E, assim, cirurgias que custariam R$ 20 mil são liberadas judicialmente por R$ 100 mil; sessão de psicoterapia de R$ 100 ganha orçamento de R$ 400. Como não se pode querer que o Poder Judiciário conheça a precificação destes serviços, não há como exercer o controle necessário.

Mas a chamada Lei do Abuso de Autoridade, mesmo em vacacio legis de 120 dias, parece já ter despertado o senso de cautela. O seu art. 36 tipifica como crime a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida. O magistrado terá o dever de corrigir eventual excesso.

Independente de uma lei que preveja esta responsabilidade, já é hora de se debater critérios objetivos de controle para o Bacenjud. Só as duplicidades geram prejuízo desnecessário ao devedor, uma vez que os recursos bloqueados em excesso permanecem, certas ocasiões, até por meses retidos indevidamente. Quantias altas. Os números movimentados no sistema são alarmantes.

Tudo isto também impacta no custo da saúde e, certamente, comporá o cálculo do reajuste que o consumidor terá de suportar. Enfim, a falta de efetividade das decisões era um problema que foi corrigido. Agora, a ferramenta que propiciou isto carece de urgentes ajustes. Gerir R$ 50 bilhões por ano exige responsabilidades bem estabelecidas.

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*Elano Figueiredo é ex-diretor da ANS e advogado especialista na área de saúde do escritório da Fonte, Advogados.

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