A partir da lei 12.403/11, passou a enxergar com mais clareza a utilização como ultima ratio da prisão preventiva. A modalidade mais gravosa que o Estado possui com intuito de garantir a efetividade processual é a prisão preventiva. Em razão de ser mais gravosa, deve ser utilizada com muita cautela.
A sua utilização demanda extrema necessidade, demonstrada através de provas existentes nos autos, que, caso não seja decretada, o processo chegará, se chegar, ao seu fim sem lograr êxito, aumentando as estatísticas de processo sem resolução do mérito, em razão de atos praticados pelo réu, com fim de obstruir a tramitação processual.
O presente artigo tem o objetivo de trazer a discussão se a prisão preventiva é realmente necessária e legal quando estamos diante de um caso em que o réu possui localização não sabida e incerta, sem ter comparecido, pelo menos, uma vez ao processo.
Quando estamos diante de um situação em que o investigado compareceu à delegacia, está ciente que se encontra na situação de investigado e, após tomar ciência, evade-se do local que se encontra ou, diante de uma situação em que o réu, após devidamente citado, evade-se e, doravante, encontra-se em localização incerta e não sabida, temos, nessas circunstâncias, o fundamento da segurança da aplicação da lei penal, caso venha ser decretada prisão preventiva.
Importante registrar que os casos acima se tratam de situações em que o réu evadiu-se, ou seja, ciente de uma situação ameaçadora, escapou furtivamente, tentando evitar um novo chamamento ao inquérito ou processo. Há uma intenção de não ser localizado, de evadir-se de uma investigação ou processo. O único intuito da pessoa é fugir e não ser encontrada, evitando ser processada ou investigada.
Todavia, estamos a tratar da pessoa que não é localizada sem esse objetivo, ou seja, simplesmente não foi localizado, não havendo provas nos autos que o objetivo em não ser localizado era, ou é, fugir da persecução penal.
São duas situações distintas. Em uma temos a intenção em escapar das iras que um processo penal poderá trazer, e, em outra, uma situação sem a finalidade de fugir da investigação ou processo.
Havendo a demonstração com provas nos autos que o investigado, ou réu, utilizou da situação de se encontrar em localização incerta e não sabida para atrapalhar a efetividade processual, poderá ser utilizada a prisão preventiva, se realmente a medida for necessária, não sendo, portanto, as medidas alternativas do artigo 319 e 320 do CPP suficientes para garantir que o processo penal chegará ao seu fim imaculado.
Vislumbra-se, portanto, que temos o fato do agente ter tomado ciência da persecução penal e saído do seu local indicado e o fato dele não ter aparecido em nenhum ato da fase em que se encontra, investigatória ou processual.
No último caso, por óbvio, não tem a demonstração que o objetivo do agente é fugir de uma aplicação penal. Se a pessoa sequer apareceu no inquérito ou processo, não há que se falar em intenção de atrapalhar a efetividade processual.
No primeiro caso, necessário se faz avaliar se a mudança de endereço tem a finalidade de causar um risco a persecução criminal.
De qualquer modo, não se pode confundir evasão com local incerto e não sabido1.
Quando há tentativa de citação e não encontrando o réu, expede-se a citação por edital. O não comparecimento não deve presumir a fuga do réu.
O ponto crucial está nessa presunção2. Não se deve decretar prisão preventiva simplesmente por presumir fuga em razão da não localização do agente, sem demonstrar, através de elementos probatórios, que o fato de não ter sido localizado foi em razão de querer se evadir.
Cumpre salientar que, caso seja comprovado risco concreto de evasão do agente, o fundamento a ser utilizado para decretar a prisão preventiva é a segurança da aplicação da lei penal e não conveniência da instrução criminal.
A conveniência da instrução criminal, como muito bem ensina o Professor Aury Lopes Junior3, é conceituada dessa forma:
“Aqui, o estado de liberdade do imputado coloca em risco a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do processo, seja porque ele está destruindo documentos ou alterando o local do crime, seja porque está ameaçando, constrangendo ou subornando testemunhas, vítimas ou peritos.”
Já o insigne Professor Norberto Avena4, nos diz:
“A prisão preventiva decretada para conveniência da instrução criminal é aquela que visa a impedir que o agente, em liberdade, alicie testemunhas, forje provas, destrua ou oculte elementos que possam servir de base à futura condenação.”
Vejamos que a utilização desse fundamento não presta para o tema em voga, pois não se admite tal fundamento com objetivo de trazer o agente para o processo, para que seja produzido prova.
Por outro lado, o fundamento da segurança da aplicação penal, como muito bem explicitado pelo já citado Professor Norberto Avena (Avena 2014), é definido assim:
“É motivo da prisão preventiva que se fundamenta no receio justificado de que o agente se afaste do distrito da culpa, impedindo a execução da pena imposta em eventual sentença condenatória.
Veja-se que a prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. Neste contexto, se motivada na garantia de aplicação da lei penal, não pode ser resultado de ilações abstratas no sentido de uma possível fuga do imputado, sendo necessária a demonstração da sua real intenção de se furtar à persecução criminal do Estado, obstaculizando, assim, a aplicação da lei penal.”
Portanto, caso a prisão preventiva venha a ser aplicada por entender que é a medida necessária em caso de risco de fuga, deve ser utilizado o fundamento da segurança da aplicação da lei penal.
Não obstante, a simples não localização ou revelia do agente sem a efetiva demonstração que venha simbolizar evasão, não conduz a decretação da prisão preventiva5.
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1 HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CITAÇÃO POR EDITAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. PRESUNÇÃO DE FUGA. PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1) A prisão preventiva do paciente teve como fundamento a aplicação da lei penal, conclusão tirada a partir do fato de que não fora encontrado no endereço constante do mandado de citação. 2) A constatação de que o réu se encontra em lugar incerto e não sabido não conduz automaticamente à decretação da prisão preventiva. 3) O perigo para a aplicação da lei penal não deflui do simples fato de se encontrar o réu em lugar incerto e não sabido. Não há confundir evasão com não localização. Precedentes do STJ. 4) No caso concreto, não foram colacionados fundamentos suficientes para dizer que o paciente tinha conhecimento da existência do processo criminal em seu desfavor e que deliberadamente deixou de atender ao chamado judicial ou, ainda, que, por conta disso, empreendeu fuga na tentativa de frustrar a persecução penal. 5) Além disso, subjetivamente, o sujeito é primário, de bons antecedentes, tendo somente este processo na sua certidão criminal, demonstrando, a rigor, que as medidas cautelares podem ser aplicadas em substituição à prisão. 6) Ordem parcialmente concedida.
(TJ-AP - HC: 00022805620188030000 AP, Relator: Desembargador JOAO LAGES, Data de Julgamento: 27/09/2018, Tribunal)
2 PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 168, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REVOGAÇÃO. RECURSO PROVIDO. I - A prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: AgRg no RHC n. 47.220/MG, Quinta Turma, Rel. Ministra Regina Helena Costa, DJe de 29/8/2014; RHC n. 36.642/RJ, Sexta Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 29/8/2014; HC n. 296.276/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizzee, DJe de 27/8/2014; RHC n. 48.014/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 26/8/2014. II - In casu, constata-se que a mera citação por edital e a revelia do recorrente ocasionaram, por si só, a presunção de sua fuga do distrito da culpa. De fato, não foram expostos os indícios de que o recorrente tinha conhecimento da existência de processo em andamento em seu desfavor e, dessa, forma, deliberadamente estivesse obstaculizando seu trâmite. Por conseguinte, a prisão cautelar decretada com base nessa presunção, por si só, não se justifica para a conveniência da instrução criminal ou garantir a aplicação da lei penal. E, com efeito, como já assentou o Pretório Excelso a mera citação por edital não autoriza a presunção de fuga. (HC n. 95674, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 18/12/2008). Recurso Provido. (RHC 44.594/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/10/2014, DJe 03/11/2014)
3 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
4 AVENA, Pâncaro, N. C. (02/2014). Processo Penal Esquematizado, 6ª edição [VitalSource Bookshelf version].
5 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, II E IV, C/C O ART. 29 DO CP). CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA ATESTANDO QUE O RÉU NÃO FOI ENCONTRADO. CITAÇÃO POR EDITAL. AUSÊNCIA DE DEFESA E DE CONSTITUIÇÃO DE ADVOGADO. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DA PRESCRIÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PARECER ACOLHIDO. 1. A prisão preventiva do recorrente teve como fundamento a aplicação da lei penal, conclusão tirada a partir do fato de que não fora encontrado no endereço constante do mandado de citação. 2. A constatação de que o réu se encontra em lugar incerto e não sabido não conduz automaticamente à decretação da prisão preventiva (precedentes do STJ e STF). 3. Diz a nossa jurisprudência que toda prisão imposta ou mantida antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por ser medida de índole excepcional, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, isto é, em elementos vinculados à realidade. Nem a gravidade abstrata do delito nem meras conjecturas servem de motivação em casos que tais (precedentes). 4. Recurso provido para que o recorrente responda ao processo em liberdade, mediante o compromisso de comparecimento a todos os atos do processo. (RHC 29.603/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 01/07/2014)
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