Em sessão extraordinária realizada recentemente, o órgão pleno e as turmas da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais se reuniram para deliberar sobre a proposição de novos enunciados de súmula. Das 50 sugestões apresentadas, foram aprovadas 33 novas súmulas.
Vale assinalar que, em tese, as súmulas consubstanciam o entendimento consolidado do CARF, manifestado em decisões reiteradas e uniformes do órgão sobre determinada matéria. Seus enunciados devem ser seguidos obrigatoriamente pelos membros do conselho.
Dessa forma, representam relevante instrumento de consolidação de jurisprudência e de orientação à autoridade fiscal e ao contribuinte no âmbito administrativo federal.
A 1ª seção do CARF analisou enunciados envolvendo direto tributário internacional, ágio, prazo de decadência, variação cambial, juros sobre capital próprio, ganho de capital, compensação, entre outros.
No campo da tributação internacional, o órgão administrativo rejeitou a 17ª proposta de enunciado, no sentido de que os acordos de bitributação baseados no modelo da OCDE celebrados pelo Brasil não impedem a tributação na controladora no país dos lucros auferidos por meio de seus controladas no exterior. Embora não tenha sido expresso, este enunciado se aplicava a operações realizadas durante a vigência do artigo 74 da MP 2.158-35/011.
Vale assinalar que tal debate foi travado no contexto do entendimento manifestado pelo STF sobre a matéria, no julgamento da ADIn 2.588. No âmbito do CARF, contudo, o entendimento a respeito do tema não é unânime, sobretudo pelo fato de naquele julgamento a Corte Suprema não ter abordado hipótese em que há aplicação de tratado de bitributação.
Dessa forma, revela-se prudente a postura do órgão em não aprovar referida proposta, notadamente em virtude da complexidade do tema e da profusão de entendimentos que orbitam a matéria, o que o distancia do requisito da uniformidade jurisprudencial;
Ainda neste campo, aprovou-se súmula endossando a aplicação retroativa do disposto no artigo 11 da lei 13.202/15, que inclui a CSLL no âmbito de aplicação dos acordos de bitributação. Os efeitos retroativos justificam-se diante da natureza interpretativa de referido dispositivo legal, à luz do artigo 106, I, do CTN.
Outros temas controversos objeto de análise na sessão giraram em torno do ágio. O CARF deliberou sobre duas questões neste domínio.
No primeiro tema, o órgão refutou enunciado condicionando a dedução da amortização de ágio por rentabilidade futura à prova do seu fundamento econômico mediante documentação contemporânea à aquisição do investimento. Mantém-se questionável, por conseguinte, a comprovação amparada em documento produzido posteriormente à aquisição.
Além de representar tópico objeto de profundas divergências entre os conselheiros do órgão, não há regra alguma na legislação de regência que imponha critério temporal na produção do laudo. Dessa forma, denota-se sensata a decisão do Conselho de conservar ativa a discussão, evitando-se atribuir efeitos vinculantes a um posicionamento sustentado em interpretação extensiva do órgão, dada a ausência de suporte em lei.
Ainda mais polêmico, contudo, revelou-se o enunciado a respeito do que se denomina ágio interno. A proposta pretendia impedir a amortização do ágio intragrupo quando não há dispêndio financeiro na operação.
A assertiva, todavia, revela-se discutível. Além de ecoarem expressivas divergências sobre a matéria no âmbito do CARF, trata-se igualmente de entendimento de caráter interpretativo, sem base concreta em lei capaz de o amparar.
Neste caso, há ainda a agravante de que o entendimento expressado na proposta carregava em sua essência a figura do abuso de direito subjacente às operações examinadas, cuja constatação pressupõe a análise concreta de cada caso específico.
Portanto, a rejeição do enunciado definida pelo CARF representa uma decisão elogiável do ponto de vista da segurança jurídica.
Com relação às matérias de competência da 2ª Seção do CARF, merece destaque o veto à proposta de súmula que condicionava a validade das regras sobre PLR, de que trata a lei 11.101/00, à assinatura do respectivo acordo em momento anterior ao início do período de apuração.
Igualmente objeto de divergências dentro do órgão, tal matéria não se revela madura para ser objeto de súmula. Assim, o Conselho demonstrou razoabilidade em manter o tema aberto a discussões.
Além disso, vale ressaltar que foi aprovado enunciado autorizando a aplicação concomitante da multa isolada e da multa de ofício a partir da entrada em vigor da lei 11.488/07.
Embora a nova súmula tenha aplicação restrita à multa isolada na hipótese de falta de pagamento de carnê-leão, o raciocínio a ela subjacente é o mesmo do caso da multa isolada por falta de recolhimento de estimativas mensais de IRPJ e de CSLL.
No âmbito de tais tributos corporativos, tem-se discutido ativamente na 1ª Seção do CARF se a mencionada lei 11.488/07 anulou os efeitos da súmula CARF 105 prospectivamente, permitindo desde então a concorrência entre ambas as penalidades, inclusive à luz do princípio da consunção.
Por conseguinte, embora esta nova súmula tenha aplicação restrita, pode sinalizar uma tendência dentro do órgão no sentido de estender o entendimento ao IRPJ e à CSLL no futuro.
Na alçada da 3ª seção do CARF, vale pontuar a aprovação do enunciado que fixa como termo inicial do prazo de decadência no regime de drawback-suspensão o primeiro dia do exercício seguinte ao encerramento do prazo de trinta dias posteriores à data limite para realização das exportações compromissadas.
Referido entendimento revela-se consonante com as regras do regime de drawback na modalidade suspensão, porquanto garante ao Fisco a fluência do prazo quinquenal para lançamento dos tributos suspensos a partir do momento em que se torna aferível eventual descumprimento do compromisso assumido pelo contribuinte, assegurando aplicação adequada do artigo 173, I, do CTN. Ou seja, apresenta absoluta sintonia com o princípio da actio nata aplicado à decadência.
De uma forma geral, nota-se que o CARF pautou suas decisões a respeito das propostas de enunciado em uma postura equilibrada e ponderada, afastando propostas associadas a teses relevantes que não possuem entendimento uniformizado dentro do órgão.
Ademais, no plano material, algumas súmulas rejeitadas retratam matérias cujo resultado pressupõe análises baseadas na casuística, ocupando-se a tese jurídica o papel de pano de fundo, de forma que a aplicação de seu conteúdo de forma geral e irrestrita representaria potencial cerceamento do direito de defesa do contribuinte.
Nesse aspecto, aqui também se acautelou o órgão em rechaçar algumas dessas proposições, mantendo firme o acesso do contribuinte aos colegiados para o devido exame dos casos concretos.
Por fim, importa registrar que as súmulas entram em vigor na data de sua publicação no DOU.