De boas intenções está cheio o inferno – e também o Direito. Mas se sabemos pouco dos procedimentos infernais para enquadrar e julgar as atitudes realizadas em suposta boa intenção, os procedimentos jurídicos consagrados para que se realize este mesmo objetivo já são conhecidos.
Um bom exemplo é o julgamento recente do Tribunal de Justiça da Bahia a propósito da constitucionalidade de uma lei municipal de Teixeira de Freitas, distante cerca de 800 km da capital Salvador, que disciplinava o plantio e o replantio de eucalipto, para fins comerciais e industriais (ADIn 18132.08.2014.8.05.000). À primeira vista, a lei se destinava à preservação ambiental - circunstância que, na esteira das recentes polêmicas envolvendo o governo federal e as queimadas amazônicas, poderia ter impressionado os desembargadores do tribunal. Mas não.
Afora os (já definitivos e bem desenvolvidos) argumentos relativos à incompetência do Município para legislar tal como feito sobre o tema, dada a competência já exercida pelo Estado da Bahia e pela União, o Tribunal de Justiça observou corretamente, embora implicitamente, os ditames da proporcionalidade. Ao fazê-lo, se associou à orientação já assentada no Supremo Tribunal Federal (RE 586.224/SP) e em várias cortes constitucionais, sob a liderança do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha.
Mas o que implica este postulado da proporcionalidade, especificamente?
Implica que, para ser considerada constitucional, qualquer restrição a um princípio defendido pela Constituição (livre iniciativa, desenvolvimento nacional, pleno emprego) para a proteção de outro (no caso da decisão, a proteção ao meio ambiente) deverá passar por um teste trifásico de (i) adequação; (ii) necessidade; e (ii) proporcionalidade em sentido estrito.
O teste de adequação é uma avaliação a propósito da aptidão da medida legislativa para a promoção do fim pretendido. Neste particular, a decisão observou que as restrições impostas pela lei colhiam exclusivamente o plantio de eucalipto para fins comerciais e industriais. Argumentou, então, que este discrímen violava o princípio da igualdade, mas também poderia ter dito que ele era simplesmente inadequado: se a ideia é proteger o meio ambiente, não caberia restringir o plantio para um fim e não para outro.
Já o teste da necessidade veicula um exame da essencialidade da medida legislativa sob análise para a realização da finalidade desejada. O teste se justifica na medida em que a medida legislativa termina por restringir outra finalidade também consagrada pelo Direito. A pergunta que se faz aqui é: a restrição a essa outra finalidade é mesmo necessária para que se atinja a finalidade pretendida? É o que se convencionou chamar, no linguajar jurídico, de solução de um “conflito de princípios constitucionais”.
No caso, o conflito principal se dava entre a alegada proteção ao meio ambiente e a restrição operada sobre a livre iniciativa. A propósito, o TJ/BA fez referências à lei federal sobre Política Agrícola, ao Código Florestal e à Lei Estadual que estatui a Política de Meio Ambiente e de Proteção à Biodiversidade, que se distanciam das medidas adotadas pela lei municipal, para a realização do mesmo fim. O argumento implícito era justamente o de que a medida legislativa municipal era desnecessária.
Finalmente, o teste de proporcionalidade em sentido estrito promove um balanceamento quantitativo entre o tanto de promoção da finalidade constitucional privilegiada, vis-à-vis ao tanto de restrição à finalidade preterida. A ideia aqui é que, mesmo que uma medida específica seja apta e necessária a realizar a finalidade pretendida, ela ainda assim não será legítima, constitucional, se o tanto de restrição que gerar em outra finalidade constitucional superar o tanto de promoção efetiva da finalidade privilegiada.
A propósito, o TJ pareceu bastante sensível à restrição ao direito de propriedade (a lei limitava a produção da propriedade rural a 5% da área total municipal) e ao argumento de que as limitações ao plantio e ao replantio de eucalipto eram tantas e tão amplas que praticamente inviabilizavam o exercício comercial e industrial desta atividade.
A aplicação do dever de proporcionalidade deve ser louvada justamente por assegurar uma ponderação mais realista e uma aplicação mais adequada de uma ordem jurídica que visa a proteger interesses múltiplos e muitas vezes conflitantes.
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