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A interpretação sistemática e as inconstitucionalidades dos §§ 3º-A E 3º-B do artigo 832 da CLT, inseridos pela lei 13.876/19

Ao longo dessa primeira semana de vigência da lei, muitos debates foram travados acerca da interpretação dos dispositivos relacionados ao processo do trabalho (artigo 2º da lei 13.876/19), o que desafiou um estudo aprofundado do tema, seja quanto a interpretação do novo texto legal, seja quanto a constitucionalidade da norma.

7/10/2019
  1. Introdução 

A lei 13.876, publicada em 23/9/19, que em seu projeto tratava apenas sobre honorários periciais em ações em que o Instituto Nacional do Seguro Social figurasse como parte, sofreu alteração no curso do processo legislativo, notadamente no Senado Federal, onde recebeu emenda da senadora Soraya Thronicke, e passou, sorrateiramente e de forma absolutamente estranha e anômala, a tratar também da base de cálculo mínima das contribuições previdenciárias em sentenças cognitivas ou homologatórias na Justiça do Trabalho.

Ao longo dessa primeira semana de vigência da lei, muitos debates foram travados acerca da interpretação dos dispositivos relacionados ao processo do trabalho (artigo 2º da lei 13.876/19), o que desafiou um estudo aprofundado do tema, seja quanto a interpretação do novo texto legal, seja quanto a constitucionalidade da norma.

  1. Alterações promovidas na CLT

A lei 13.876/19, introduziu os §§ 3º-A e 3º-B ao artigo 832 da CLT, prevendo:

§ 3º-A. Para os fins do § 3º deste artigo, salvo na hipótese de o pedido da ação limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória, a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior:

I - ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória; ou

II - à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo.

§ 3º-B Caso haja piso salarial da categoria definido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, o seu valor deverá ser utilizado como base de cálculo para os fins do § 3º-A deste artigo.

  1. Primeira interpretação da norma

A primeira interpretação de qualquer texto, inclusive normativo, se faz pelo critério gramatical, pela simples interpretação de texto.            

Para a hermenêutica, contudo, não basta a mera interpretação gramatical, sendo que um dos principais critérios utilizados é a avaliação da “mens legislatoris”, isto é, a intenção do legislador ao criar o texto normativo.            

Consultando o sítio do Senado Federal na internet, encontramos o projeto de lei 2.999, que resultou na lei 13.876/19, onde está disponível na íntegra a emenda e suas justificativas1, que em relação às alterações promovidas na CLT, foram:

“Atualmente, no âmbito da Justiça do Trabalho, embora o §3º do art. 832 da CLT determine a discriminação da natureza jurídica das parcelas remuneratórias constantes da condenação ou do acordo homologado em juízo, o que se verifica na prática conciliatória é a atribuição de natureza jurídica indenizatória da maior parte das verbas, mesmo aquelas de natureza tipicamente remuneratória, o que resulta na impossibilidade de arrecadação de imposto de renda e contribuição previdenciárias.

Considerando o valor de R$ 13 bilhões pagos nas Justiça do Trabalho a título de acordos judiciais, no ano de 2018, e assumindo a estimativa conservadora de que 50% dessas verbas foram discriminadas como de natureza indenizatória, quando na realidade possuíam natureza remuneratória, encontra-se o valor de R$ 6,5 bilhões sobre os quais não houve incidência do imposto de renda e contribuições sociais.

Com efeito, considerando as alíquotas aplicáveis a cada espécie, alteração ora proposta tem o potencial de gerar receita adicional de R$ 1,95 bilhão por ano, o que representa aumento de receita da ordem de R$ 19,5 bilhões em 10 anos.

Nesse prisma, a primeira interpretação que surgiu da lei 13.876/19, levando em conta os critérios da interpretação gramatical, associado à finalidade do legislador, consagrada na justificativa da emenda, foi no sentido de que, havendo no processo trabalhista pedidos de natureza salarial e indenizatória, não mais é possível firmar um acordo estabelecendo apenas parcelas indenizatórias quando houver pedidos de natureza remuneratória, e que a base de cálculo mínima das parcelas salariais correspondem ao salário-mínimo, ou, havendo, ao piso normativo da categoria, para cada competência mensal do período de vigência do contrato de trabalho.            

Todavia, tal interpretação não pode prevalecer, por contrariar os demais métodos hermenêuticos, notadamente a interpretação sistemática.            

 

4.    Do sofisma da justificativa da emenda

Afirma a justificativa da emenda, que “se verifica na prática conciliatória é a atribuição de natureza jurídica indenizatória da maior parte das verbas, mesmo aquelas de natureza tipicamente remuneratória, o que resulta na impossibilidade de arrecadação de imposto de renda e contribuição previdenciárias”.            

Contudo, tal afirmação não passa de claro sofisma, isto é, argumento concebido com o objetivo de produzir ilusão da verdade, mas que na realidade tem estrutura interna inconsistente e deliberadamente enganosa.            

Com efeito, não é possível às partes atribuir caráter indenizatório a parcelas remuneratórias, uma vez que a própria lei previdenciária é quem estabelece quais são as parcelas de natureza salarial e indenizatória, como se vê da literalidade do artigo 28 da lei 8.212/91 (plano de custeio da previdência social), prevendo o § 9º de tal dispositivo, de forma expressa, quais as parcelas que não integram o salário de contribuição, vale dizer, as parcelas consideradas como indenizatórias.            

Além disso, a própria lei 8.212/91, em seu artigo 43, estabelece que “nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social”.            

Se o raciocínio da justificativa da emenda fosse verdadeiro, os juízes do trabalho, que homologam os acordos, são coniventes com as partes para evasão fiscal e previdenciária, estando sujeito a responderem, pessoalmente, pelos danos causados ao erário.            

Ademais, prevê o § 4º do artigo 832 da CLT que “a União será intimada das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, na forma do art. 20 da lei 11.033, de 21 de dezembro de 2004, facultada a interposição de recurso relativo aos tributos que lhe forem devidos”, de sorte, toda vez que o juiz homologa um acordo com parcelas indenizatórias, a União é intimada, podendo recorrer.            

É certo que, diante da previsão do § 7º do mesmo artigo, e por saber que a Justiça do Trabalho cumpre as determinações da lei 8.212/91, em 11/12/13, o Ministro de Estado da Fazenda, editou a Portaria 582, dispensando a manifestação da União “quando o valor das contribuições previdenciárias devidas no processo judicial for igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”.            

Ao contrário da justificativa apresentada à emenda, por conta das previsões da lei 8.212/91, as parcelas indicadas pelas partes como de natureza indenizatória em acordos, devem se enquadrar nas hipóteses do § 9º do artigo 28 da Lei 8.212/91, ou se tratar de típica indenização civil (indenização por danos morais), e havendo parcelas de natureza remuneratória, deverá o juiz determinar o recolhimento das contribuições devidas.

Não se pode olvidar que em relação ao aviso prévio indenizado, sua natureza não está expressa na lei atualmente2 e que ensejou grande debate na jurisprudência, prevalecendo, ao final, o entendimento de sua natureza indenizatória (E-RR - 44800-44.2005.5.04.0021, Rel. Min. Caputo Bastos, SBDI-1 do TST, DEJT 19/3/10). Em sentido contrário, a jurisprudência trabalhista entendeu que a hipótese do § 4º do artigo 71 da CLT tem natureza salarial (Súmula 437, III, TST3), porém o legislador, quando da reforma trabalhista, atribuiu expressamente natureza indenizatória4.

Apesar de ser pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que nos acordos as partes não estão limitadas ao objeto do processo, podendo transigir sobre questões não postas na lide, por previsão expressa do § 2º do artigo 515 do CPC5, a jurisprudência trabalhista majoritária exige, para homologação de acordo, que a discriminação das parcelas tenha correspondência com o pedido, isto é, só é admitido atribuir parcela indenizatória quando há pedido expresso na petição inicial, devendo o valor estar de acordo com os valores postulados, como se verifica de julgado didático:

HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO – DISCRIMINAÇÃO DE VERBAS INDENIZATÓRIAS NÃO ELENCADAS NA INICIAL – IMPOSSIBILIDADE. É vedado às partes transacionarem em reclamatória trabalhista verbas que não guardem correlação com os pedidos iniciais, mormente, quando esse procedimento evidencie a tentativa de burla com o fito de evitar a incidência da contribuição previdenciária, ensejando a pronta e imediata reprovação do Poder Judiciário. (TRT 24ª Região, Processo 0001430-61.2012.5.24.0005, 2ª Turma, Rel. Designado Des. Nicanor de Araújo Lima, Publicação 29/01/2013)

Na mesma linha, o TRT da 2ª Região já decidiu que “não se pode admitir que os acessórios de natureza indenizatória sejam em valor muito superior ao principal. O acordo, ao fixar a natureza das verbas não observou a  proporcionalidade das verbas, de forma que não se pode admitir a discriminação realizada pelas partes, os recolhimentos devem se dar sobre a totalidade do valor acordado” (TRT 2ª Região, RO 0224300-37.2009.5.02.0037, 15ª Turma, Acórdão 20111471081, Relator Des. Silvana Abramo, Publicação 18.11.2011).            

Portanto, na interpretação da nova norma, não deve ser considerada a “mens legis”, diante do claro sofisma da justificativa do legislador.

5.    Interpretação sistemática

O § 3º-A do artigo 832 da CLT, inserido pela lei 13.876/19, visa, de forma expressa, regulamentar o § 3º do mesmo dispositivo, o qual preconiza que “as decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso”. O § 3º-B, por sua vez, complementa o § 3º-A, de sorte que ambos se referem, portanto, ao § 3º.            

Desta forma, é imperiosa a interpretação sistemática dos §§ 3º-A e 3º-B do artigo 832 da CLT, com o § 3º do mesmo dispositivo, o que afasta, de pronto, aquela primeira interpretação açodada e equivocada de que, havendo pedido de natureza remuneratória, não poderá ser feito acordo com indicação de parcela exclusivamente indenizatória.            

De fato, o § 3º do artigo 832 da CLT afirma que a sentença cognitiva e homologatória deve indicar a natureza das parcelas constantes do acordo ou da sentença. Ora, se em uma determinada lide há pedidos de natureza salarial e indenizatória e o juiz julga improcedentes os pedidos de natureza remuneratória, acolhendo apenas pedidos tipicamente indenizatórios, não há como ser aplicado os §§ 3º-A e 3º-B para determinar o recolhimento de contribuição previdenciária. A aplicação de tais dispositivos nesse cenário implicaria na mais absurda das interpretações possíveis, já que não existe nenhuma parcela salarial deferida, e o Direito, como princípio geral de hermenêutica, não permite interpretações absurdas.            

O mesmo, logicamente, ocorre com os acordos, destacando-se que no acordo o juiz não julga as pretensões, sendo as próprias partes que, diante das circunstâncias do caso concreto, se compõem para a solução do conflito da melhor forma que lhes convêm, cabendo ao juiz apenas homologar ou não a avença, e determinar, de acordo com a lei, o recolhimento das contribuições fiscais e previdenciárias devidas, se o caso, conforme as parcelas indicadas pelas partes como componentes do acordo.            

Vale destacar que a solução consensual de processos judiciais (autocomposição), apesar de ter maior aplicabilidade no Processo do Trabalho (arts. 764 da CLT), de acordo com as tendências modernas do processo, externadas pelo recente Código de Processo Civil, deve ser estimulada e incentivada pelo Judiciário (art. 2º, § 3º, do CPC).            

E não se pode presumir que nos acordos as partes atribuam apenas natureza indenizatória às parcelas com a finalidade de não pagar os impostos devidos, visto que, em um acordo, diante do binômio “res dubia” e concessões mútuas, que caracteriza o instituto da transação (art. 840 do Código Civil), as partes, notadamente os trabalhadores, considerando as dificuldades naturais da prova de suas alegações e a interpretação jurídica dada pelos tribunais às suas teses jurídicas, e ainda os riscos com a sucumbência, acabam por abrir mão de grande parte de sua pretensão deduzida, aceitando valor muito aquém do que foi pedido no processo, atribuindo parcelas de cunho indenizatório que normalmente são incontroversas (diferenças de FGTS, multa do § 8º do artigo 477 da CLT e férias indenizadas).            

Desta forma, verifica-se que o novo texto legal adotou, de forma bastante equivocada, a palavra “pedido”, dando a falsa noção de que a discriminação de verbas em todos os acordos deve guardar proporcionalidade com o pedido, o que não é a melhor solução dada pela hermenêutica jurídica, devendo ser interpretada a palavra “pedido” de forma sistemática com o § 3º, ao qual se refere expressamente a nova norma, entendendo-se como tal as parcelas reconhecidas em sentença ou acordo como devidas.

 

6.    Das inconstitucionalidades da nova norma

Traçada a interpretação que deve ser dada à norma, resta ainda a análise da adequação do texto legal com a Constituição da República, análise esta que culmina na reprovação da norma, que colide com vários preceitos da lei maior.   

Inicialmente, destaca-se que o E. STF já se pronunciou diversas vezes no sentido de que as contribuições previdenciárias têm natureza tributária, aplicando-se a estas as disposições do artigo 146, III, “b”, da Constituição Federal, reservando questões como prescrição e decadência à lei complementar, declarando inconstitucional os artigos 45 e 46 da lei 8.212/91, o que ensejou a edição da súmula vinculante 8, cujo precedente foi o RE 559.943-4 RS (Rel. Min. Cármen Lúcia, 12.6.2008), de sorte que os princípios constitucionais tributários devem ser respeitados quanto as contribuições previdenciárias.            

Dispõe o § 3º-A do artigo 832 da CLT que a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior ao salário-mínimo, para as competências que integram o período de vigência do vínculo de emprego reconhecido, assim como, na hipótese de reconhecimento de diferença remuneratória, será considerada tal diferença, que também não poderá ser inferior ao salário-mínimo para cada competência. O § 3º-B, por sua vez, preconiza que, havendo piso normativo da categoria, deverá ser observado este, ao invés do salário-mínimo.            

De partida, a disposição do inciso I do § 3º-A do artigo 832 da CLT, ao dispor que dever ser observado o salário-mínimo “para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória”, colide com o disposto no artigo 114, inciso VIII, da Constituição Federal, que restringe a competência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir, isto é, incidentes sobre as parcelas de natureza salarial que foram objeto da condenação, não alcançando os salários do período da vigência da relação de emprego, ainda que esta seja reconhecida por sentença.            

A questão da competência da Justiça do Trabalho já foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal, que editou a súmula vinculante 53, com o seguinte teor: “A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados.”             

Destaco, por fidelidade ao leitor, que defendi durante a vigência da lei 11.457/07, que alterou a redação do Parágrafo Único do artigo 876 da CLT, a competência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições previdenciárias do período declarado em sentença6. Contudo, a lei 13.467/17 alterou a redação do Parágrafo Único do artigo 876 da CLT, conferindo igual redação à da súmula vinculante 53 do STF, de modo que não há mais fundamento para defesa de tal competência.     

Destarte, ao impor que para os meses de competência do período reconhecido em sentença homologatória ou cognitiva deve ser observado o salário-mínimo, resta claro que pretendeu o legislador que a Justiça do Trabalho promova a execução das contribuições previdenciárias do período reconhecido, o que foge à  competência material da Justiça do Trabalho, violando o artigo 114, VIII, da CF e a súmula vinculante 53 do STF.           

De outro lado, o estabelecimento de limite mínimo para a base de cálculo da contribuição previdenciária viola o artigo 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República, que estabelece que a contribuição previdenciária incide sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados ao trabalhador, com ou sem vínculo de emprego, de modo que, a base de cálculo deve observar estritamente ao fato gerador fixado pela Carta Magna, ou seja, o valor do salário e demais rendimentos de natureza remuneratória, pelo respectivo valor.            

Ora, se a sentença reconhece que o empregado prestava uma hora extra por mês, cujo valor é muito inferior ao salário-mínimo, a tributação de tal parcela com base no valor do salário-mínimo ofende ao texto constitucional. Da mesma forma, quando é deferido o adicional noturno (que pela CLT correspondente a 20% do valor das horas trabalhadas no período noturno), saldo de salário de poucos dias, décimo terceiro salário proporcional, parcelas remuneratórias de contrato de trabalho intermitente (nova modalidade de contrato criada pela Reforma Trabalhista, onde o salário mensal, dependendo da quantidade de dias trabalhados no mês, pode ser inferior ao salário-mínimo), a base de cálculo fixada pela Constituição será inferior ao valor do salário-mínimo, o que impede a aplicação do limite mínimo fixado pela nova regra.            

E não se justifica a instituição de tal base de cálculo ampliando a arrecadação, sob o argumento de ser possível a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, conforme autorizado pelo § 4º do artigo 195 da Constituição Federal, posto que tal dispositivo determina a obediência ao artigo 154, inciso I, o qual autoriza a instituição, “mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”, o que não é o caso em estudo, visto que a lei 13.876/19 é lei ordinária e já há na Constituição a fixação de base de cálculo diversa.            

Ainda que se cogitasse na instituição de uma nova contribuição – o que não é, absolutamente, o caso –, dever-se-ia observar o prazo mínimo de 90 dias para que estas pudessem ser exigidas, conforme previsão do § 6º do artigo 195 da Constituição da República, não podendo ser aplicada de forma retroativa, mas apenas para os fatos geradores ocorridos a partir de então.            

Portanto, nos moldes da alínea “a”, do inciso I, do artigo 195 da Constituição Federal, a base de cálculo da contribuição deverá ser o valor correspondente à somatória das parcelas remuneratórias reconhecidas pela sentença cognitiva ou homologatória, independentemente do seu valor, não podendo ser estabelecido um valor mínimo, como constou do texto legal.

Conclusão 

O objetivo do legislador, ao inserir regras processuais trabalhistas quanto a apuração da contribuição previdenciária decorrente de direitos reconhecidos em processo judicial, no projeto de lei que tratava dos honorários periciais nas causas em que o INSS figurasse como parte, teve nítido caráter de elevar a receita e coibir a livre estipulação, pelas partes no litígio, da natureza jurídica das parcelas que compõem o acordo realizado em juízo, com o falso argumento de que nos acordos realizados na Justiça do Trabalho as partes estabelecem natureza indenizatória a parcelas salariais, contudo tal interpretação sucumbe ao critério hermenêutico da interpretação sistemática, vez que a nova norma visa regulamentar o § 3º do artigo 832 da CLT, que consagra a liberdade das partes em transigirem e indicarem as parcelas que compõem o acordo, como se infere da expressa previsão do texto do § 3º-A do artigo 832 da CLT, impondo-se a interpretação da palavra “pedido” como parcelas reconhecidas em sentença ou acordo como devidas.             

Ao impor que para os meses de competência do período reconhecido em sentença homologatória ou cognitiva deve ser observado o salário-mínimo, pretendeu o legislador que a Justiça do Trabalho promova a execução das contribuições previdenciárias do período reconhecido, o que foge à competência material da Justiça do Trabalho, limitada à execução da contribuição previdenciária incidente sobre as parcelas de natureza remuneratórias reconhecidas em sentença homologatória ou cognitiva, nos termos do artigo 114, inciso VIII, da Constituição Federal e súmula vinculante 53 do STF.             

A base de cálculo da contribuição previdenciária incidente sobre as parcelas de natureza remuneratórias reconhecidas nas sentenças cognitivas ou homologatórias deverá ser o valor correspondente à somatória das parcelas remuneratórias reconhecidas pela sentença cognitiva ou homologatória, independentemente do seu valor, por violar o texto dos §§ 3º-A e 3º-B do artigo 832 da CLT a disposição da alínea “a”, do inciso I, do artigo 195 da Constituição Federal.

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1 Disponível em clique aqui, consultado em 27.9.2019 às 20h00.

2 Antes constava do rol do §9º do artigo 28 da lei 8.212/91.

3  Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais

4  A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

5  A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo

6  Diante da previsão expressa do Parágrafo Único do artigo 876 da Consolidação das Leis do Trabalho quanto a possibilidade de execução das contribuições previdenciárias incidentes sobre os salários do período da relação de emprego declarada por sentença, sendo matéria decorrente da relação de trabalho e possível de ampliação da competência pela legislação ordinária, nos termos do artigo 114, inciso IX, da Constituição da República, a partir de 02.5.2007 a competência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições previdenciárias passou a alcançar os salários do período da relação de emprego declarada por sentença, desde que conste a condenação respectiva no título executivo judicial (sentença/acórdão).(JAMBERG, Richard Wilson. Competência da Justiça do Trabalho para execução da contribuição previdenciária incidente sobre os salários do período de trabalho declarado em sentença. Revista LTr, São Paulo, v. 74, n. 6, p. 718-728, jun. 2010)

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*Richard Wilson Jamberg é especialista em Direitos Sociais pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Processual do Trabalho pela FMU/SP, juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Suzano e professor de Direito Processual do Trabalho da UNIVERSIDADE BRASIL – UNISUZ. 

*Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP e professor na empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, focada em cursos “in company” em escritórios de advocacia, empresas e entidades de classes. Destaque para os treinamentos corporativos: “Boas Práticas da Advocacia Trabalhista nos Tribunais (TRT's)” e “Recurso de Revista”. 

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